Governo tenta contornar impacto do tarifaço com pacote emergencial
Objetivo é minimizar efeitos da cobrança de sobretaxa sobre milhares de itens exportados pelo Brasil para os Estados Unidos

Apesar da data para a entrada em vigor do tarifaço dos Estados Unidos ter sido adiada, as negociações com o Brasil não foram suficientes para que houvesse um recuo e desde a quarta-feira (6), os produtos brasileiros passaram a ter a incidência de 50% de sobretaxa ao serem desembarcados em território americano.
NEGOCIAÇÃO NÃO AVANÇOU
A esperança desde o dia 30 de julho, quando a Casa Branca publicou uma lista de exceções, que ficaram fora do tarifaço, era que as conversas avançassem, mais itens fossem incluídos e os 50% caíssem, como aconteceu depois de conversa com países como Japão, Indonésia, Filipinas, além da União Europeia. No entanto, até agora não houve mais nenhuma revisão na relação de produtos brasileiros punidos pela tarifa.
Ao todo, são 694 exceções de um total de cerca de 4 mil itens vendidos para os americanos. Entre os que ficaram de fora estão a carne, o café, frutas, pescados e produtos do setor moveleiro. Já o suco de laranja e as aeronaves da Embraer estão os “contemplados” com a tarifa de 10%.
BRIGA CHEGA À OMC
Na quarta-feira (6), o governo brasileiro confirmou ter levado à Organização Mundial do Comércio (OMC) queixa contra as medidas tarifárias americanas contra produtos produzidos no Brasil. O Itamaraty justifica que dizendo os EUA “violaram flagrantemente” compromissos assumidos com o próprio organismo multilateral.
"Os EUA violam flagrantemente compromissos centrais assumidos por aquele país na OMC"
Ministério das Relações Exteriores
“Ao impor as citadas medidas, os EUA violam flagrantemente compromissos centrais assumidos por aquele país na OMC, como o princípio da nação mais favorecida e os tetos tarifários negociados no âmbito daquela organização”, informou o Ministério das Relações Exteriores, em nota.
Esta é a primeira etapa formal no âmbito do sistema de solução de controvérsias na OMC, com um pedido de consultas aos EUA – instrumento que tem com objetivo tentar uma solução negociada antes que a queixa motive o estabelecimento de um painel.
SOCORRO AOS EXPORTADORES
Enquanto tenta avançar nas negociações, o governo federal busca encontrar formas de minimizar os impactos entre os exportadores.
Esperava-se que o Palácio do Planalto anunciasse na quarta-feira (6) uma série de ações – parte delas apresentada pelo Ministério da Fazenda -, o que deve acontecer hoje (7). O que se sabe até agora é que as propostas podem incluir a prioridade desses produtores nas compras governamentais, linhas de crédito específicas e isenção fiscal.
Pequenas empresas, sem alternativas para exportar, deverão estar entre as prioridades nas ações de ajuda do governo federal, segundo declaração do ministro Fernando Haddad, da Fazenda.
Sem dar detalhes, Carlos Fávaro, ministro da Agricultura, declarou recentemente que a pasta vai se concentrar em regulamentações internas que viabilizem o consumo doméstico de parte da produção que deixará de ser exportada para os EUA.
Já o titular do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, declarou a jornalistas ter pedido aos setores para apresentarem propostas para o plano de contingência. O objetivo é que os produtos mais afetados “sejam absorvidos no mercado interno, nos programas que exigem mistura de produtos, para que sejam naturais, como frutas em bebidas adocicadas e sorvetes, e que possam ser absorvidos nos programas de compras públicas pela União, Estados e municípios ou possam também receber algum subsídio", declarou.
Sócio-fundador e conselheiro da consultoria BMJ, Welber Barral acredita que as medidas deveriam ser direcionadas à ajuda para que as empresas entrem em outros mercados. É o caso de postergação de drawback (suspensão, isenção e restituição ao exportador dos impostos alfandegários cobrados pela importação da matéria-prima utilizada na fabricação do produto exportados), financiamento para exportação, aumento do Reintegra e da garantia para exportação.
O Reintegra é um programa do governo federal que tem como objetivo aumentar a competitividade das empresas exportadoras. Isso acontece por meio da devolução de parte dos tributos pagos na produção de bens industrializados destinados ao exterior. A devolução pode ser feita por meio de créditos tributários ou do pagamento em espécie, compensando tributos indiretos não reembolsados na cadeia produtiva. Atualmente, esse crédito é de 0,1%.
Na última segunda-feira (4), Geraldo Alckmin, vice-presidente e titular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços (MDIC), anunciou que o governo avalia o impacto fiscal do pedido das médias e grandes empresas para o enquadramento no programa Acredita Exportação. O texto, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, engloba apenas micro e pequenas empresas, que podem receber o equivalente a 3% de suas receitas com vendas externas por meio da compensação com tributos federais ou ainda do ressarcimento direto.
“O mundo ainda tem pouco noção do que o Brasil tem, desde a área tecnológica até a produção de aviões”
Welber Barral, sócio da BMJ
Paralelamente, Barral, que foi secretário de Comércio Exterior do MDIC, acredita que o governo deveria encabeçar uma campanha sobre a imagem do Brasil no exterior. “O mundo ainda tem pouco noção do que o Brasil tem, desde a área tecnológica até a produção de aviões”, diz.
Mesmo com a entrada em vigor das novas tarifas americanas, Barral avalia que as negociações entre representantes dos dois governos vão continuar. O Brasil, aponta, ou vai tentar aumentar a lista de exceções, ou vai buscar uma redução geral da tarifa. “Não vai ser algo de curto prazo. Ao contrário, provavelmente vai demorar algum tempo”, analisa o especialista em comércio exterior.
DESAFIOS NEGOCIAIS
O movimento de busca de mercados internacionais, na opinião de Carlos Honorato, professor da FIA Business School, tem de ser com um olhar em diferentes direções. “Precisa não apenas do trabalho de agências de fomento, mas do empresário participando feiras e indo atrás de novos compradores sozinhos. O que não pode é esperar, mas sim se movimentar”, aponta.
Paralelamente, acrescenta Honorato, é preciso buscar negociações tanto com os compradores quanto com os fornecedores, já que as condições do comércio internacional são bem diferentes de antes da guerra tarifária deflagrada por Trump a partir de abril, quando começaram os primeiros anúncios.
Para o governo ter maior efetividade no pacote de ajuda aos exportadores, segundo Fabio Andrade, cientista político e professor do curso de relações internacionais da ESPM, será preciso ter como ponto de partida a clareza dos efeitos que se pretende atingir. Por exemplo, a manutenção de empregos, a saúde financeira das empresas ou a garantia da renda dos trabalhadores.
“O cobertor é curto e o governo pode, dependendo da decisão, comprometer a política fiscal"
Fabio Andrade, professor da ESPM
Mas, mesmo que se tente distribuir responsabilidades entre a União e os governos estaduais, pontua Andrade, há o desafio orçamentário. “O cobertor é curto e o governo pode, dependendo da decisão, comprometer a política fiscal. Será preciso tomar uma decisão difícil”, avalia o professor da ESPM.
PROBLEMA COM FÁRMACOS E SEMICONDUTORES
Em entrevista à CNBC na terça-feira (5), Trump disse que os EUA vão anunciar tarifas sobre importações de semicondutores e de produtos farmacêuticos "dentro de cerca de uma semana".
"Vamos impor inicialmente uma tarifa pequena sobre os produtos farmacêuticos, mas em um ano, um ano e meio, no máximo, ela vai subir para 150%, e depois para 250%, porque queremos que os produtos farmacêuticos sejam fabricados em nosso país", ameaçou Trump.
No dia seguinte, o presidente americano confirmou que chips e semicondutores importados vão pagar 100%. “Mas se você se comprometeu a construir [nos EUA] ou se está em processo de construção [nos EUA], como muitos estão, não há tarifa", declarou, sem detalhar quando a nova taxa entrará em vigor ou como a indústria local vai se adequar ao rearranjo.
No início de julho, Trump já havia sinalizado quanto a possibilidade de tarifar os produtos farmacêuticos em 200%. Antes, em abril. o governo americano iniciou a chamada investigação da Seção 232 sobre produtos farmacêuticos. Trata-se de uma autorização legal que permite ao Secretário de Comércio investigar o impacto das importações na segurança nacional.
O objetivo da Casa Branca é forçar o aumento da produção de fármacos nos EUA. Nos últimos seis meses, indústrias do setor como a Eli Lilly e a Johnson & Johnson anunciaram planos de investir no país com o objetivo de construir uma relação mais próxima com o presidente. "Queremos produtos farmacêuticos feitos em nosso país", disse Trump à CNBC.
Os impostos citados pelo presidente americano seriam um golpe difícil para a indústria farmacêutica. O setor já alertou para o fato de a ameaça, se colocada em prática, resultar elevação dos custos, com travas para os investimentos nos EUA e a interrupção na cadeia de suprimentos de medicamentos. Na ponta, haveria risco para os pacientes.
No entanto, o tarifaço sobre importados não é a única dor na relação entre as farmacêuticas e a Casa Branca. As empresas também têm lidado com as políticas de precificação de medicamentos de Trump. Segundo o setor, há uma ameaça tanto em seus resultados financeiros quanto n capacidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
No caso dos semicondutores, a reação tem a ver com o fato de o Departamento de Comércio estar em investigação sobre o mercado desde abril. Este é um setor com previsão de gerar por volta de US$ 700 bilhões em vendas globais.
ÍNDIA É ACUADA PELOS EUA
Trump anunciou na quarta-feira (6) que os EUA vão aplicar uma tarifa extra de 25% sobre produtos importados da Índia.
A medida, segundo o republicano, é uma retaliação ao país por continuar comprando petróleo da Rússia. A compra, segundo o líder político, contribui para a continuidade da guerra na Ucrânia. Na semana passada, a Casa Branca já havia ameaçado multar a Índia por comprar energia e equipamentos militares da Rússia.
A nova cobrança iguala a tarifa americana contra a Índia à aplicada no Brasil, alcançando 50%. Mas o maior problema pode estar na possibilidade de os EUA resolverem pressionar outros parceiros comerciais da Rússia e uma nova tarifa chegar ao Brasil, que importa itens como fertilizantes – essenciais para a agricultura - e combustíveis.
Depois do anúncio contra a Índia, Trump ameaçou adotar tarifas semelhantes contra a China, também baseado nas importações de petróleo russo. Ao ser questionado por repórteres sobre a possibilidade de aplicar a sanção, o presidente americano respondeu que "é possível" implementar uma medida nos mesmos moldes contra os chineses.
O presidente dos EUA disse ainda que estuda outras ações contra parceiros comerciais dos russos. O objetivo seria aumentar a pressão pelo fim da guerra na Ucrânia.