Inteligência artificial e interação: como a publicidade tem chegado até você

O setor tem investido em novas formas de abordagem, por exemplo, nas redes sociais e streamings, e olha mais para as criações que se aproximam do público

produção publicitária durante gravação - sobre uso de IA na publicidade e no mercado de trabalho
frimufilms via Freepik, Pete Linforth por Pixabay

Paula Pacheco 6 minutos de leitura

O setor publicitário, dinâmico pela natureza da atividade, reflete o momento global, que passa por modo turbo nos últimos anos. Sob a força do avanço da inteligência artificial (IA), do crescimento do número de creators e influenciadores, das redes sociais, dos streamings e dos grandes eventos, a publicidade busca formas de aprender, aproveitar o que está sobre a mesa e “surfar” na onda.

CRIATIVIDADE E INTELIGÊNCIA DE DADOS

Felipe Cury, copresidente e CCO da LePub São Paulo, avalia que as agências estão apostando em três frentes principais. A primeira é a criatividade guiada por dados, que é usar a inteligência de dados para criar ideias mais relevantes. Na sequência, ele cita o conteúdo proprietário, com as marcas virando produtoras de conteúdo, com narrativas próprias.

Outra frente, segundo Cury, é a tecnologia como linguagem criativa, com o uso da IA, da realidade aumentada e de experiências imersivas não como ferramentas, mas sim, como parte da ideia.

“Na LePub, a gente entende que a cultura é o novo algoritmo. Então, nosso foco é criar ideias que nasçam da cultura e se espalhem organicamente, seja no streaming, seja nas redes sociais”, resume o CCO da agência.

VERSATILIDADE PARA DIFERENTES MÍDIAS

A abordagem das campanhas muda segundo cada meio, explica Cury. “No streaming, pensamos como roteiristas; nas redes, como criadores. Em ambos os casos, a ideia precisa ser relevante, rápida e real. O executivo cita o exemplo de “Streaming Bars”, uma ação criada pela LePub para Heineken em parceria com a Netflix.

Cury conta que, em 2024, a Netflix Brasil lançou o que ele classifica como “o pior pesadelo da Geração Z”: os Pause Ads. Sempre que alguém pausava uma série ou um filme na plataforma, era obrigado a assistir a um anúncio.

“Isso, que era um problema de mídia para a Netflix, acabou virando uma solução de negócio para a Heineken por meio do Streaming Bars, que são os primeiros bares dentro da Netflix que abrem sempre que você pausa um programa”, conta. A campanha ganhou o Leão de Ouro na categoria Media no Cannes Lions deste ano.

O que antes, segundo Cury, era um formato de mídia intrusivo, foi transformado pela Heineken em uma experiência interativa: um bar dentro dos conteúdos mais assistidos da Netflix, com mais de 500 maneiras personalizadas de pedir a bebida.

A ERA DAS PLATAFORMAS DE EXPERIÊNCIA

Com novas formas de trabalhar, a publicidade vive uma mudança de paradigma, analisa o CCO da LePub. As marcas, explica o executivo, deixaram de ser apenas emissoras de mensagens e passaram a ser plataformas de experiências.

“O consumidor hoje quer participar, cocriar, sentir que faz parte da narrativa”, diz o CCO. É o caso da recente campanha da LePub para o Santander, que traz gerentes e clientes reais para falar sobre o Santander Empresas. “Isso humaniza a marca e cria conexões mais autênticas.  É sobre gerar conversa, não só impacto. E isso só é possível quando a marca se insere de forma orgânica na cultura”.

Em outra campanha, do Mercado Livre, trouxe recentemente um personagem da ficção - Lola, personagem de Camila Pitanga na produção Beleza Fatal (Max) - como integrante do programa de Afiliados e Criadores da marca, direcionado a influencers que têm na plataforma uma forma de faturar. A ativação é um trabalho entre a WBD for Brands, unidade de negócio da Warner Bros. Discovery, a agência Gut e a produtora Coração da Selva. A produção tem desdobramento nas redes sociais, com a participação de criadores conteúdo.

A campanha, com veiculação no Mercado Play e nos anúncios do Max, se propõe a combinar entretenimento, influência digital e social commerce. "É um exemplo de situação interessante ao aproveitar a interação com engajamento, tirando o personagem de cena, um caso de inversão do merchandising muito interessante", analisa Renato Mader, doutor e mestre em Comunicação e Consumo e professor de graduação e pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

NOVA FORMA DE CONSUMIR CONTEÚDO

Mader cita outro exemplo de movimentos feitos pela publicidade relacionados ao barulho das redes sociais. A relação familiar e financeira de Larissa Manoela incendiou as plataformas. Não demorou nada para que a atriz aparecesse em um comercial do Burger King tratando nas entrelinhas do roteiro, com ironia, as restrições de acesso ao próprio dinheiro. "A publicidade sempre busca o objeto social que venha do momento", explica Mader.

A relação com as redes sociais também tem sido um desafio e uma oportunidade para a publicidade. Como explica o professor da ESPM, chegou-se a era em que "a mídia não manda mais na gente, mas sim a gente manda na mídia".

"Hoje, quer quiser pode consumir a novela Vale Tudo às 10 da manhã. Da mesma forma, o consumo de mídia e a publicidade que está na mídia passam por adaptações. As redes sociais estão sempre colocando coisas novas nas nossas telas. Entra aí o papel dos creators e influenciadores de trazer a autenticidade do consumo da marca. Eles validam o conceito com o seu próprio depoimento", analisa o acadêmico.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AJUDA OU ATRAPALHA?

O uso da IA na publicidade é festejada por alguns e apontado como uma ameaça por outros. A Meta deve automatizar a criação de publicidades com inteligência artificial até o final de 2026. Ao mesmo que pode encurtar processos e dar agilidade à produção - algo cada vez mais necessário quando se pretende estar "próximo do lance"e acompanhar de perto tendências que aparecem nas redes sociais - hoje já se vê uma ameaça ao futuro das agências por conta dos planos de alguns dos protagonistas da tecnologia..

Recentemente, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, falou sobre seus planos para chegar à uma jornada de criação de anúncios toda feita por inteligência artificial e dentro da plataforma.

Não há dúvida de que a inteligência artificial acelera processos, libera tempo criativo e permite testar ideias em escala, aponta Cury. Mas o lado negativo da IA, ressalta o CCO da LePub, é o que ele chama de “risco da comoditização da criatividade”.

“Se todo mundo usar as mesmas ferramentas da mesma forma, tudo começa a parecer igual. O diferencial está em como usamos a IA para potencializar a ideia, não a substituir. A IA pode simular a criatividade, mas não tem repertório emocional, cultural e humano como nós", frisa o executivo da LePub.

Comerciais como o do Garoto Bombril e do primeiro sutiã, icônicos, poderiam ser criados com a ajuda da inteligência artificial, mas não com a inteligência artificial. A gente continua dependendo de um bom cérebro. Até porque as tecnologias vão demandar conhecimento. Para mim, o ganho com a IA vem pela agilidade, rapidez e redução de custo”, avisa o professor da ESPM.



SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais