Investimento em renda fixa ganha força, mas exige cuidados

Atual nível da Selic mantém a atratividade dos ativos; especialistas falam das vantagens e dos principais pontos de atenção

Como aproveitar a renda fixa e o que observar com atenção
Deagreez via Getty Images

Paula Pacheco 9 minutos de leitura

O interesse dos brasileiros pela renda fixa já vinha despontando à medida que o Comitê de Política Monetária (Copom) optava pela alta da taxa básica de juros, a Selic.

A deflagração da guerra comercial, com Estados Unidos e China no centro das disputas, aumentou as incertezas em relação à renda variável. As ameaças e as cobranças de sobretaxas também direcionaram parte dos investidores, mesmo os de poder aquisitivo mais alto, para ativos como títulos do Tesouro Direto, fundos de renda fixa e produtos relacionados ao CDI e à Selic.

O momento atual, segundo Caio Camargo, estrategista de Investimentos do Santander, é muito favorável para investimentos em renda fixa. Para ele, há "ótimas oportunidades em títulos públicos, créditos privados e papéis bancários".

O estrategista do Santander frisa que o investidor deve considerar uma diversificação entre títulos pós-fixados atrelados ao CDI/Selic, prefixados e IPCA+. "Todos são boas opções no momento, mas nossa preferência recai sobre os prefixados", explica Camargo.

CURTO, MÉDIO E LONGO PRAZO

Quando se analisa os preços dos ativos e o atual cenário, os títulos prefixados, diz Camargo, oferecem a melhor assimetria para quem pretende investir com planos para médio e longo prazo. São ativos que tendem a ter uma melhor performance com a expectativa de cortes nas taxas de juros e uma inflação futura menor.

Para o curto prazo, no entanto, o estrategista do Santander cita os títulos atrelados ao CDI/Selic. São a melhor opção para rentabilizar a parte mais líquida da carteira, especialmente devido à incerteza sobre a duração do ciclo de alta dos juros, afirma o especialista.

ATRATIVOS DA RENDA FIXA

A vantagem de investir em renda fixa no atual momento é obter retornos elevados, tanto nominais quanto reais, sem uma exposição elevada a riscos, sintetiza Cristian Pelizza, economista-chefe da Nippur Finance.

“Com a Selic em 14,25% é possível obter esse retorno em ativos com liquidez imediata e risco soberano (ou seja, risco de crédito extremamente baixo). Além disso, quando observada a inflação nos últimos 12 meses, estamos com o IPCA em 5,48%, e é possível conseguir ativos rendendo mais de 8% acima da inflação, ou seja, os ganhos reais estão elevados”, analisa Pelizza.

No atual cenário de Selic elevada e com o BC sinalizando a manutenção ou até mesmo um possível aumento da taxa básica para conter as pressões inflacionárias, avalia Braian Largura, sócio do escritório VNT Investimentos, a renda fixa é uma das opções mais vantajosas para o investidor. Com a possibilidade de a taxa atingir níveis próximos de 15% ao ano, completa, o investidor tem a oportunidade de garantir uma rentabilidade bastante atrativa, com baixo risco.

"Estamos vivendo um momento em que o juro real (ou seja, taxa acima da inflação) pode se aproximar dos 10% ao ano, o que representa um retorno significativo para ativos conservadores", pontua Braian Largura. Isso permite que o investidor preserve e aumente seu poder de compra sem a necessidade de se expor à volatilidade dos mercados de renda variável. De acordo com o especialista, é um ciclo especialmente favorável para quem busca segurança com boa performance.

SELIC ELEVADA INFLUENCIA

Especialista em Crédito Privado da Nova Futura Investimento, Thauan Fonseca lembra que a Selic a 14,25% ao ano é a maior desde agosto de 2006. Taxa de juros nesses níveis, avalia, são uma oportunidade atraente para os investidores.

"Contudo, com o crédito mais caro, alguns modelos de negócios podem se tornar insustentáveis. Por isso, na hora de alocar em renda fixa, o investidor deve ficar atento aos riscos do devedor do ativo", opina Fonseca.

Nesse contexto, títulos públicos, títulos bancários de bons emissores e crédito privado de empresas ‘high grade’ - aquelas com alto grau de crédito, portanto, com baixo risco de inadimplência - tornam-se muito atrativas no cenário atual.

"Para o investidor arrojado, alocar um pequeno percentual da carteira, que esteja coberto pelo Fundo Garantido de Crédito (FGC), pode ser interessante", diz Fonseca.

ATRATIVIDADE ATÉ QUANDO?

Mas o que pode mudar a atratividade da renda fixa? Segundo Camargo, a redução da inflação para níveis mais próximos da meta e a diminuição do risco fiscal poderiam iniciar um ciclo de redução rápida da Selic. Isso traria os juros de volta para a casa de um dígito. Se por um lado esse novo cenário poderia diminuir a atratividade da renda fixa, por outro tornaria os ativos de risco, como ações, mais atraentes.

Mesmo com tantos pontos favoráveis, o estrategista do Santander alerta: é recomendado evitar uma exposição excessiva à renda fixa prefixada ou IPCA+, devido à sua volatilidade. Embora os prefixados sejam interessantes para médio e longo prazo, diz Camargo, a incerteza sobre a extensão do ciclo de alta da Selic pode trazer volatilidade de curto prazo para essas aplicações.

TEM RISCO? TEM

Dentro do universo da renda fixa existem riscos distintos para diferentes ativos. Entre as principais ameaças, Pelizza cita o risco de crédito, de liquidez e de mercado. O risco de crédito está vinculado a possíveis não pagamentos pela contraparte, o que é muito relevante num cenário de mercado complexo como o atual brasileiro.

Já o risco de liquidez, diz o economista-chefe da Nippur Finance, acontece quando se tenta vender ou comprar um papel sem que se encontre compradores ou vendedores. Por fim, o risco de mercado tem a ver com as oscilações no preço do ativo, ocasionadas em geral pelos movimentos nos juros. Tem a ver diretamente com a duração (pagamentos e vencimento) do ativo.

Ativos emitidos pelo governo possuem riscos de crédito e liquidez baixos. Rendas fixas emitidas por bancos (como o CDBs), por exemplo, dentro do limite do FGC, possuem um risco de crédito mais baixo. Mas, em geral, há um risco alto de liquidez”, detalha Pelizza. Já as emissões de empresas (como debêntures) variam de acordo com a qualidade da companhia emissora, com as emissões de grandes empresas tendo um mercado bastante líquido.

FGC NÃO RESOLVE TUDO

Com a proteção do FGC para alguns ativos bancários, é possível mitigar, mas não eliminar, o risco de crédito, embora o risco de mercado e liquidez permaneçam, salienta Pelizza.

A proteção do FGC não abrange todos os ativos classificados como renda fixa. Ficam de fora os CRIs, CRAs e debêntures — que são títulos de crédito privado. Eles acabam por expor o investidor ao risco de crédito da empresa emissora. Com isso, se a companhia tiver dificuldades financeiras ou até mesmo falir, o investidor pode não receber o que lhe é devido.

Mesmo com essa ressalva sobre os ricos, Pelizza explica que, globalmente, o mercado de renda fixa é o maior e possui alternativas com nível elevado de diversificação. “No mínimo com uma reserva de liquidez a renda fixa deve estar em todas as carteiras, diminuindo sua proporção de acordo com o perfil de risco mais arrojado do investidor”, acrescenta.

ENTENDA OS RISCOS ESPECÍFICOS

Apesar da percepção comum de que a renda fixa é sempre segura, explica o especialista do VNT Investimentos, muitos ativos de renda fixa expõem sim os investidores a riscos específicos.

No caso dos CDBs, exemplifica Braian Largura, embora contem com a cobertura do FGC, essa proteção é limitada a R$ 250 mil por instituição financeira e a um teto global de R$ 1 milhão por CPF a cada quatro anos. Ou seja, adverte Brain Largura, um investidor que ultrapasse esses limites pode ficar desprotegido em caso de problemas na instituição emissora.

Atualmente, o sócio do VNT Investimentos não identifica motivos para que investidores que estejam dentro dos limites de cobertura do FGC tenham preocupações relevantes. Ele lembra que é pouco provável que o BC ou os principais agentes do sistema financeiro permitam um cenário em que o FGC não cumpra com seu papel.

A situação geraria um risco sistêmico elevado, com impactos significativos para todo o mercado, o que naturalmente é evitado a qualquer custo.

Diferentemente desse cenário, acrescenta Brain Largura, o que se tem visto nos últimos anos é uma atuação coordenada e eficiente nesses casos.

"Quando uma instituição de médio ou grande porte começa a enfrentar dificuldades, o movimento mais comum tem sido a sua aquisição ou incorporação por um banco maior, o que preserva a confiança do mercado e protege os investidores", detalha. Portanto, completa, para quem respeita os limites de cobertura — R$ 250 mil por instituição e até R$ 1 milhão por CPF em um período de quatro anos — a probabilidade de prejuízo é extremamente baixa.

MERCADO SECUNDÁRIO

Outro ponto importante está nos títulos públicos de médio e longo prazo, como Tesouro IPCA+ e Tesouro Prefixado. Como explica Braian Largura, embora emitidos pelo governo, esses ativos estão sujeitos à chamada marcação a mercado.

Isso significa que, caso o investidor precise vender o título antes do vencimento, poderá ter prejuízo caso as taxas de juros subam. Por exemplo, se alguém compra um título prefixado a 11% ao ano e o governo passa a emitir novos títulos a 13%, aquele papel antigo perde valor no mercado secundário.

Portanto, analisa o sócio do VNT Investimentos, para o investidor ultraconservador — quem não quer correr nenhum risco de perda, mesmo que temporária —, os ativos mais indicados são os de liquidez diária e menor volatilidade, como Tesouro Selic, LCIs, LCAs e CDBs de grandes bancos, que oferecem mais segurança e previsibilidade.

DIVERSIFICAÇÃO DEVE PREVALECER

Para reduzir a exposição a riscos na renda fixa, acrescenta o especialista do VNT Investimentos, o ponto central é a diversificação — tanto em relação aos indexadores quanto aos emissores. É importante que o investidor distribua seus recursos entre títulos atrelados à inflação (IPCA+), pós-fixados (como Tesouro Selic ou CDBs atrelados ao CDI) e prefixados, de modo a equilibrar o portfólio conforme o cenário econômico e seus objetivos.

É essencial ainda, segundo Braian Largura, considerar o emissor do ativo. Em títulos privados, como CDBs, LCIs e LCAs, é importante respeitar os limites de garantia do FGC — R$ 250 mil por instituição e até R$ 1 milhão por CPF a cada quatro anos. Já no caso de ativos sem essa proteção, como CRIs, CRAs e debêntures, é fundamental avaliar o risco de crédito da empresa emissora.

Outro fator a ser observado é o prazo do investimento. Títulos de longo prazo podem apresentar maior volatilidade se vendidos antes do vencimento, especialmente os prefixados ou atrelados à inflação. Por isso, o investidor deve alinhar sempre o vencimento do título com seu horizonte de investimento, para evitar perdas com marcação a mercado.

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SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais