Mudança climática torna o arroz cada vez mais tóxico
Temperaturas mais altas e mais dióxido de carbono aumentam os níveis de arsênio, um metal perigoso, e desafiam a agricultura; Brasil é um dos grandes produtores mundiais

O arroz, o grão mais consumido no mundo, se tornará cada vez mais tóxico com o aquecimento da atmosfera e o aumento das emissões de dióxido de carbono, potencialmente colocando bilhões de pessoas em risco de câncer e outras doenças, de acordo com uma nova pesquisa publicada na quarta-feira na revista The Lancet.
Consumido diariamente por bilhões de pessoas e cultivado em todo o mundo, o arroz é indiscutivelmente o alimento básico mais importante do planeta, com metade da população mundial dependendo dele para a maioria de suas necessidades alimentares, especialmente nos países em desenvolvimento.
Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), referentes à safra 2024-2025, mostra que o Brasil ocupa a 10ª posição entre os maiores produtores mundiais. O ranking é liderado por Índia, China e Bangladesh, respectivamente.
Mas a forma como o arroz é cultivado — principalmente submerso em plantações— e sua textura altamente porosa significam que ele pode absorver níveis anormalmente altos de arsênio. Trata-se de uma potente toxina cancerígena especialmente perigosa para bebês.
O QUE INDICA A CIÊNCIA
Lewis Ziska, fisiologista vegetal e professor associado da Universidade de Columbia, estuda o arroz há três décadas. Mais recentemente, o estudioso concentrou sua pesquisa em como as mudanças climáticas reduzem os níveis de nutrientes em muitas culturas básicas, incluindo o arroz.
O professor da Columbia se uniu a pesquisadores da China e dos EUA para conduzir um estudo inédito. O objetivo foi analisar como uma série de espécies de arroz reagia a aumentos de temperatura e dióxido de carbono, ambos previstos para ocorrer à medida que mais emissões de gases de efeito estufa (GEE) são liberadas na atmosfera como resultado de atividades humanas. O novo estudo foi publicado na revista The Lancet Planetary Health.
"Trabalhos anteriores se concentraram em respostas individuais. Algumas são em CO2 e outras em temperatura, mas não em ambos, e não em uma ampla gama de genética de arroz", disse Ziska.
Ainda segundo o professor da Universidade de Columbia, sabia-se que a "temperatura por si só poderia aumentar os níveis, e o dióxido de carbono, um pouco. Mas quando juntamos os dois, nossa, isso era realmente algo que não esperávamos. Estamos diante de uma cultura básica consumida por um bilhão de pessoas todos os dias. Com isso, qualquer efeito na toxicidade terá um impacto bastante grande."
DIÓXIDO DE CARBONO E TEMPERATURA MODULADOS
Por seis anos, Ziska e uma grande equipe de colegas pesquisadores na China e nos EUA cultivaram arroz em campos controlados, submetendo-o a níveis variados de dióxido de carbono e temperatura. Eles descobriram que, quando ambos aumentaram, em linha com as projeções de cientistas do clima, a quantidade de arsênio e arsênio inorgânico nos grãos de arroz também aumentou.
O arsênio é encontrado naturalmente em alguns alimentos, incluindo peixes e mariscos. Está presente também na água e no solo.
O arsênio inorgânico é encontrado em materiais industriais e entra na água — incluindo a água usada para submergir arrozais.
DETALHE NO CULTIVO
O arroz é facilmente inundado por ervas daninhas e outras culturas, mas tem uma vantagem: cresce bem na água. Assim, os agricultores germinam as sementes e, quando as mudas estão prontas, as plantam em solo úmido. Os produtores rurais então inundam seus campos, o que suprime as ervas daninhas, mas permite que o arroz floresça. O arroz absorve prontamente a água e tudo o que nela existe — incluindo o arsênio, seja ele natural ou não. A maior parte do arroz do mundo é cultivada dessa maneira.
A nova pesquisa demonstra que as mudanças climáticas aumentarão esses níveis.
“O que acontece com o arroz, devido a processos biogeoquímicos complexos no solo, quando as temperaturas e o CO2 aumentam, também acontece com o arsênio inorgânico”, disse Ziska. “E é esse arsênio inorgânico que representa o maior risco à saúde.”
TIPOS DE CÂNCER, CORAÇÃO E BEBÊS DOENTES
A exposição ao arsênio inorgânico tem sido associada a cânceres de pele, bexiga e pulmão, doenças cardíacas e problemas neurológicos em bebês. Pesquisas descobriram que, em partes do mundo com alto consumo de arroz, o arsênio inorgânico aumenta o risco de câncer.
Ziska e seus colegas utilizaram os dados de seus testes de campo e, com base nas informações sobre consumo per capita em sete dos principais países consumidores de arroz na Ásia, projetaram como o risco de doenças também poderia aumentar. Eles descobriram que nesses sete países — Vietnã, Indonésia, China, Bangladesh, Filipinas, Mianmar e Índia — o risco de doenças aumentou em todos os níveis.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS GERAM EFEITO TOXICOLÓGICO
“Há um efeito toxicológico das mudanças climáticas em relação a um dos alimentos básicos mais consumidos no mundo”, disse Ziska, “e o consumo é uma das características que definem se você será vulnerável a esse efeito”.
Pesquisadores sabem que o arroz pode conter altos níveis de arsênio e órgãos reguladores sugeriram limites de exposição, especialmente para bebês, que são particularmente vulneráveis e tendem a consumir muito arroz.
Esta nova pesquisa deve pressionar ainda mais os órgãos reguladores a estabelecer limites mais rigorosos, afirmam os autores. A Food and Drug Administration (FDA, agência dos EUA com atuação semelhante a da Anvisa no Brasil) nunca estabeleceu limites para o arsênio em alimentos.
TECNOLOGIA PODE SALVAR
Os pesquisadores também apontam para o potencial de várias intervenções que poderiam limitar a exposição ao arsênio inorgânico do arroz, incluindo o desenvolvimento de variedades de arroz menos absorventes e a educação dos consumidores sobre alternativas ao arroz.
“O arroz sempre foi um alimento em que o arsênio é um problema. As mudanças climáticas estão agravando a situação”, disse Keeve Nachman, uma das autoras do relatório, professora da Universidade Johns Hopkins e pesquisadora de longa data dos riscos à saúde relacionados à produção e ao consumo de alimentos.
“Este é mais um motivo para intervir — para controlar a exposição das pessoas. A principal coisa que podemos fazer é tudo o que estiver ao nosso alcance para desacelerar as mudanças climáticas.” (Inside Climate News)