O céu é o limite: as turbinas voadoras que geram energia sem parar
Uma nova tecnologia, inspirada em zepelins, quer mudar o jogo da geração de energia pelos ventos e promete menor impacto ambiental e mais eficiência

As turbinas eólicas geralmente se projetam do solo como cata-ventos gigantes. Agora, uma empresa na China está explorando um novo formato: turbinas eólicas voadoras. Essas aeronaves, semelhantes a zepelins, flutuam alto no céu, presas ao solo apenas por cabos, enquanto geram um fluxo ininterrupto de energia graças aos fortes ventos presentes nas camadas superiores da atmosfera.
TURBINAS VOADORAS SÃO ALTERNATIVA
Em vez de serem estranguladas por ventos caprichosos ao nível do solo — um dos principais desafios das turbinas estacionárias atuais —, a potência das turbinas eólicas voadoras não oscilará porque o vento é constante.
O projeto pode resolver alguns dos maiores problemas da geração de energia eólica sem a necessidade de investimentos em infraestrutura extensa, reduzindo o impacto ambiental da energia eólica no processo.
O PONTO DE PARTIDA
O conceito foi proposto pela primeira vez por um engenheiro chinês que estava entre os pioneiros do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA em meados da década de 1940.
A ideia nunca decolou nos EUA. No entanto, a startup chinesa de energia Sawes afirma estar pronta para implantar milhares de turbinas flutuantes capazes de produzir 100 quilowatts. Esta é a mesma potência dos moinhos de vento terrestres que agora alimentam tudo - desde pequenas e médias estruturas comerciais e operações agrícolas até instalações industriais e até pequenos projetos municipais.
A startup também está trabalhando em um novo modelo que igualará as capacidades dos moinhos de vento terrestres típicos com uma turbina capaz de gerar mais de 1 megawatt.
UMA IDEIA INTELIGENTE
As origens da energia eólica aerotransportada remontam ao engenheiro aeroespacial Qian Xuesen, nascido em Xangai.
Xuesen havia fugido da China na década de 1930 para estudar no MIT antes de se juntar ao famoso "Esquadrão Suicida" do Caltech, os engenheiros obcecados por foguetes que lançaram as bases do voo espacial americano moderno.
O engenheiro aeroespacial foi um imigrante brilhante que ajudou a construir uma das mais importantes revoluções tecnológicas americanas de todos os tempos, Mas a carreira de Xuesen nos EUA terminou sob a sombra das suspeitas da era McCarthy. Após anos em prisão domiciliar, ele foi deportado para a China, em 1955, onde se tornou o pai fundador do programa espacial e de mísseis chinês. Sua pesquisa foi a base para a família de foguetes Longa Marcha, que tornou Pequim uma superpotência espacial.
Foi também nessa época que Xuesen elaborou as teorias que tornam possíveis as atuais turbinas eólicas voadoras. Em 1957, o engenheiro propôs o que chamou de "duto difusor ejetor", uma teoria de que o fluxo de ar através de uma turbina poderia ser drasticamente acelerado pela adição de uma carcaça circular cuidadosamente projetada ao seu redor. Em vez de tratar o vento como uma massa de fluxo livre passando por pás abertas, sua ideia reformulou a turbina como parte de um sistema aerodinâmico.
O duto em forma de anel criaria uma diferença de pressão (baixa pressão atrás da turbina, maior pressão na frente) que puxaria ar adicional para dentro das pás. Esse efeito, essencialmente uma "garganta" artificial para o vento, poderia aumentar significativamente a eficiência sem a necessidade de pás maiores ou torres mais altas. Enquanto as turbinas terrestres convencionais dependem puramente da área de pás varridas, limitada pela física e pela estrutura, o modelo de difusor ejetor de Xuesen multiplica efetivamente o vento utilizável sem aumentar o peso estrutural.
O conceito de Xuesen soou extravagante na época. Turbinas ainda eram projetos de engenharia de nicho, e os planejadores de energia tinham pouco interesse por projetos experimentais. Só muito mais tarde é que eles começaram a tomar forma.
DESTRUINDO SONHOS
Não foi fácil. Conceitos são interessantes, mas projetá-los e fabricá-los costuma ser extremamente difícil, o que resultou em muitos atropelamentos. Ao longo das décadas, muitos tentaram transformar turbinas eólicas voadoras em máquinas funcionais.
A Altaeros, spin-off do MIT, construiu um dirigível cheio de hélio com uma turbina eólica em seu núcleo, na esperança de que ele pairasse a 600 metros para capturar ventos mais rápidos. “Tentamos inventar o mínimo possível”, disse o CEO Ben Glass à NBC News em 2014, explicando que a Altaeros simplesmente reaproveitou tecnologias comprovadas de dirigíveis e turbinas.
Apesar dos testes promissores no Alasca, a empresa abandonou o sonho da energia e migrou para plataformas de comunicação sem fio para implantar redes locais usando dirigíveis.
A italiana KiteGen construiu um sistema semelhante a uma pipa que voava em padrões de oito, puxando geradores no solo. Ele nunca passou da fase de protótipo. A Makani Technologies, fundada na Bay Area e adquirida pelo Google em 2013, testou um planador com cabo equipado com rotores; ele foi desativado pela Alphabet em 2020. Até a NASA se aventurou em conceitos. Nenhum chegou a ser implantado em larga escala, embora possamos ver um gerador de eletricidade de pipa voando em Marte ou em algum outro planeta um dia.
Todos eles enfrentaram os mesmos problemas: complexidade de engenharia, estabilidade de voo em ventos fortes, licenças governamentais e gás natural, que reduzia os custos da energia eólica. Além disso, turbinas eólicas fixas funcionam muito bem em grandes instalações, apesar do custo, tempo e impacto ambiental.
POR QUE TURBINAS VOADORAS?
O fascínio das turbinas voadoras reside no seu acesso a ventos mais fortes e constantes. Torres convencionais só conseguem atingir cerca de 208 metros acima do solo, onde os ventos ainda oscilam. Mas a 1.500 metros, as correntes de ar movem-se três vezes mais rápido e podem gerar até 27 vezes mais potência.
A vantagem dessas turbinas não reside apenas na sua potência teórica constante, mas também no seu custo. Turbinas eólicas fixas são extremamente caras e exigem muitos recursos para construir e instalar, muito além do custo de fabricação do rotor e da torre.
Cada turbina terrestre requer centenas de toneladas de aço, concreto e componentes industriais, além de enormes canteiros de obras e, frequentemente, novas estradas ou a detonação de topos de montanhas para transportar e posicionar os equipamentos. Projetos offshore exigem torres treliçadas de aço pesando milhares de toneladas, instalações marítimas especializadas e logística complexa.
Essas necessidades de infraestrutura se traduzem em impactos ambientais substanciais: enormes extensões de terra de até 80 acres por turbina, perturbação do habitat, acesso restrito à terra e meses ou anos de planejamento, licenciamento e construção. Com o uso restrito ao redor das turbinas devido ao ruído e aos riscos à segurança, grande parte da terra se torna inacessível — até mesmo para os proprietários.
Em contraste, turbinas voadoras, como as desenvolvidas pela Sawes, pesam menos de uma tonelada, não requerem fundação permanente ou liberação do terreno e podem ser implantadas rapidamente onde a energia convencional não chega com o mínimo de interrupção e custo: campos de petróleo remotos, pequenas ilhas ou zonas de desastre onde velocidade e mobilidade são mais importantes.
A Sawes iniciou a pesquisa sobre seus geradores aéreos usando as ideias de Xuesen em 2017. A empresa considerou o uso de um airbag principal de hélio integrado a uma asa em anel que acelera o fluxo de ar e o canaliza diretamente através dos geradores embarcados, teoricamente aumentando a eficiência em mais de 20%.
Em outubro de 2024, o protótipo S500 da empresa teria atingido 500 metros de altitude e gerado 50 quilowatts — quebrando recordes globais de altitude e potência, que até então pertenciam a uma equipe de pesquisa do MIT. Em janeiro de 2025, o S1000 dobrou essa altitude e ultrapassou o limite de 100 quilowatts.
Ainda existem desafios. A segurança, por exemplo, continua sendo uma questão constante. Nessas altitudes, os ventos podem se tornar violentos rapidamente. Weng Hanke, diretor de tecnologia da Sawes, explicou ao jornal de Hong Kong South China Morning Post que a tecnologia de sistema duplo da empresa — radar no solo e sensores no airbag — garante a estabilidade. Em condições extremas, "o sistema pode descer rapidamente em cinco minutos", disse ele.
Há também a questão do hélio. Essas coisas funcionam de maneira semelhante a balões meteorológicos, e sempre há vazamentos, o que coloca em questão sua durabilidade. Dun Tianrui, fundador e CEO da Sawes, disse ao South China Morning Post que o vazamento de gás do aeróstato da empresa foi reduzido a ponto de ele poder permanecer no ar por mais de 25 anos.
De acordo com a Sawes, a produção em lote já começou em Yueyang, uma cidade a cerca de 1.120 quilômetros a sudeste de Pequim, com contratos no valor de mais de US$ 70 milhões. A ambição da empresa, por sua vez, é ainda maior.
PRÓXIMA PARADA: A ESTRATOSFERA
A Sawes está se preparando para um voo de teste de seu novo modelo S1500. "O sistema S1500 recém-desenvolvido possui uma capacidade de geração de 1 megawatt, equivalente à de uma torre de turbina eólica tradicional de 100 metros de altura [e] seu voo de teste está programado para breve", afirmou Weng. "O vento de alta altitude é uma fonte de energia poderosa e praticamente inutilizada… Quando esses sistemas forem construídos em grande escala, a energia que eles produzem poderá ser tão barata quanto a de turbinas eólicas comuns."
O projeto tem a mesma estrutura distinta de anel de duto que acelera o fluxo de ar. No interior, 12 microgeradores feitos de fibra de carbono operam em paralelo e fornecerão energia em escala industrial a partir de uma unidade que pesa 90% menos do que uma turbina de torre de aço.
Tianrui prevê frotas de aeróstatos da classe megawatt operando na estratosfera, a mais de 10.700 metros de altitude, onde a energia eólica é considerada 200 vezes mais potente do que em terra. "Naquela época", disse ele, "o custo da eletricidade será um décimo do que é hoje".
Tais sonhos reforçam tanto a promessa quanto o desafio da energia eólica aerotransportada. O mundo viu startups de energia eólica aerotransportada ascenderem e caírem. Se a Sawes conseguirá ter sucesso onde o Google, as startups do MIT e os engenheiros europeus falharam depende de escala, economia e resistência. Por enquanto, eles detêm o recorde da turbina voadora mais alta e potente já construída — um sonho imaginado há quase 70 anos e que pode finalmente estar pronto para alçar voo.