O que o show de Lady Gaga tem a ver com a sua saúde e criatividade?

A economia criativa explica os efeitos dos eventos culturais no nosso corpo; pesquisa aponta que quem frequenta shows ao vivo tem uma expectativa de vida maior

Acesso à cultura influencia na criatividade e na saúde mental
Ivan Pantic via Getty Images

Márcia Rodrigues 4 minutos de leitura

O mega-show gratuito da Lady Gaga, previsto para 3 de maio, no Rio de Janeiro, vai muito além de um espetáculo pop. O evento gratuito, que deve reunir uma multidão na Praia de Copacabana, é também um exemplo relevante de como o acesso à cultura — um dos pilares da economia criativa — pode impactar positivamente a saúde mental, estimular a criatividade e fortalecer o senso de comunidade.

Atividades culturais ao ar livre, como o show de Lady Gaga, têm um papel fundamental no enfrentamento da hiperconectividade e do isolamento social, segundo João Figueiredo, coordenador do mestrado em economia criativa, estratégia e inovação da ESPM.

“Vivemos em uma sociedade em que cada um está isolado na frente da própria tela. Eventos ao vivo, especialmente em espaços públicos, oferecem oportunidades de socialização e de pertencimento coletivo”, explica.

QUEM FREQUENTA SHOWS AO VIVO VIVE MAIS

Essas experiências, afirma Figueiredo, têm efeitos diretos já reconhecidos pela ciência.

“Um estudo recente da Goldsmith University of London mostra que pessoas que frequentam shows ao vivo têm expectativa de vida nove anos superior àquelas que não frequentam”, diz. “Não dá para afirmar que esse é o único fator, mas há uma correlação forte entre consumo de produtos culturais e qualidade de vida.”

EXPERIÊNCIAS CRIATIVAS X HABILIDADES ESSENCIAIS

Além do bem-estar imediato, o acesso à cultura tem impacto no desenvolvimento de habilidades essenciais.

“A criatividade não é privilégio de poucos. Ela é uma competência humana que pode — e deve — ser estimulada. E quanto mais acesso a produtos e experiências criativas, maior o potencial de desenvolver essa capacidade, o que se reflete até na produtividade das pessoas”, afirma o professor.

ACESSO À CULTURA É POLÍTICA PÚBLICA

As políticas culturais têm também como premissa garantir o acesso das pessoas a eventos, produtos e serviços culturais, complementa Figueiredo.

“Então, na medida em que você tem um evento que é gratuito e que garante esse acesso, está cumprindo, de certa maneira, um dos problemas das políticas culturais, especialmente em países mais pobres, que é a dificuldade de você ter pessoas sem renda frequentando um tipo de evento como esse”, diz.

O especialista acrescenta: “é claro que vai haver um gasto de deslocamento, mas, de alguma maneira, você permite o acesso de pessoas que não teriam renda suficiente para consumir esse tipo de evento”.

CULTURA PRECISA SER ACESSÍVEL

Para Jun Sawao, produtor cultural, a arte é muito mais do que entretenimento: é um instrumento de formação crítica da sociedade e de fomentação de muitos talentos de diversas áreas.

“Projetos gratuitos e democráticos têm um poder de formação enorme. A arte se manifesta de forma crítica, romântica, aterrorizante, e isso reverbera no público. Quem consome arte também se torna mais crítico, mais informado. Isso é política”, afirma Sawao.

O produtor cultural destaca ainda o valor das manifestações culturais produzidas pelas próprias comunidades. “Gosto de observar o público se divertindo, principalmente em eventos organizados por coletivos locais. É ali que a arte se conecta com o cotidiano, que forma repertório. São Paulo, por exemplo, tem uma programação gratuita riquíssima, que ainda é muito pouco divulgada.”

ENTRETENIMENTO PARA QUEM TEM ORÇAMENTO CURTO

Do ponto de vista financeiro, o acesso à cultura também representa uma alternativa inteligente para quem está com o orçamento apertado — sem abrir mão da qualidade de vida. No caso do show de Lady Gaga na Praia de Copacabana, o fato de ser uma atração gratuita é uma vantagem adicional para o bolso.

“Não é porque a pessoa está sem dinheiro que precisa se trancar em casa”, comenta a educadora financeira Teresa Tayra.

A especialsita destaca como a economia criativa contribui para os três pilares da sustentabilidade:

  • Ambiental: ao usar criatividade e conhecimento como insumos, reduz a dependência de recursos naturais finitos;
  • Social: promove desconexão das telas e reconexão com o outro e com o mundo real;
  • Econômico: amplia as possibilidades de renda, revelando talentos fora das profissões tradicionais.

“A economia criativa democratiza o lazer e oferece alternativas acessíveis e enriquecedoras para todos os públicos”, diz Teresa.

O POTENCIAL DA ECONOMIA CRIATIVA NO BRASIL

A economia criativa deve gerar 1 milhão de empregos até 2030, elevando sua participação no PIB brasileiro — atualmente em 3,11%, de acordo com dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Um a cada quatro novos postos de trabalho no Brasil será em áreas ligadas a esse setor, com uma taxa de crescimento projetada de 13,5%, frente a 4,2% nos demais segmentos.

Durante a pandemia, mesmo com perdas significativas, o setor mostrou resiliência. Agora, em um momento de reabertura e retomada da vida social, eventos como o de Lady Gaga mostram o quanto cultura, bem-estar e desenvolvimento econômico estão interligados — e como investir nisso é investir em qualidade de vida, criatividade e inclusão.


SOBRE A AUTORA

Márcia Rodrigues é jornalista especializada em economia e empreendedorismo. Vegetariana e apaixonada pela defesa de causas sociais, am... saiba mais