O que o vermelho do batom tem a ver com a biotecnologia no lugar de insetos?

O tom carmim brilhante, usado tradicionalmente em cosméticos e alimentos, vem de insetos — e era quase impossível de ser replicado até que a biotech Debut encontrou uma solução sustentável

startup encontrou substituto para os insetos usados na indústria para colorir em vermelho
Lisy_ e Bruno por Pixabay

Adele Peters 3 minutos de leitura

O tom de vermelho intenso do batom clássico tradicionalmente vem de uma fonte improvável: insetos esmagados que vivem em cactos na América do Sul. São necessárias dezenas de milhares de insetos moídos para fazer apenas meio quilo do corante vermelho vivo.

O corante vermelho, chamado carmim, também aparece em alimentos — de cupcakes red velvet a salsichas, balas de goma e algumas versões de iogurte de morango.

Na indústria de cosméticos, grandes marcas começaram a se afastar do carmim na década de 2010 por questões éticas. Um número crescente de consumidores queria maquiagem vegana. Além disso, há uma questão de saúde. Esmagar insetos também cria um alérgeno por causa de outras partes de insetos que acabam no corante.

Mas como os corantes sintéticos não funcionam tão bem, o carmim ainda é encontrado em alguns produtos de alta qualidade, de tons de batom MAC e blush NARS a esmalte Chanel.

SEM INSETOS, COM FERMENTAÇÃO

Agora, uma startup de biotecnologia chamada Debut desenvolveu uma nova alternativa: uma réplica exata do carmim que é feita de fermentação em vez de insetos.

A molécula era incrivelmente difícil de replicar. "É uma cor realmente única. . . é uma estrutura [química] muito complicada”, diz Joshua Britton, CEO e fundador da Debut.

Cientistas acadêmicos levaram 15 anos para entendê-la, diz ele. “Levamos de três a quatro anos para descobrir como fazê-la”. A empresa descobriu duas novas classes de enzimas que eram as peças que faltavam no processo de fabricação e encontrou uma maneira de manter o custo de todo o sistema relativamente acessível. O produto resultante é o mesmo que a cor original, menos o fator alérgeno e nojento.

Há uma forte demanda por um produto como esse na indústria da beleza. O carmim é um “ingrediente perfeito”, diz Britton. É estável quando interage com outros ingredientes, duradouro e vibrante de uma forma que outras tinturas não são

HISTÓRIA DO VERMELHO CARMIM

Quando os exploradores espanhóis chegaram à América do Sul em 1500, o carmim rapidamente se tornou um importante item comercial. Na Europa, a tintura vermelha era difícil e cara de fazer. As roupas vermelhas eram reservadas principalmente para a realeza (ou, digamos, para o Papa).

No Peru, o carmim foi usado para tingir tecidos por pelo menos dois séculos. Os exploradores perceberam que ele superava em muito os corantes europeus. O carmim começou a aparecer em tudo, de pinturas a óleo a uniformes militares britânicos.

No final do século XIX, conforme a indústria de cosméticos estava crescendo, o carmim era uma escolha natural de ingrediente para produtos vermelhos, rosas e pêssegos.

CUSTO ELEVADO

No momento, fazer a versão biotecnológica custa mais do que o carmim padrão, sem surpresa. "A versão tradicional de insetos é no momento mais barata, e isso porque há 70.000 insetos colhidos à mão da folha de um cacto dissolvidos em ácido. Esse é o processo", diz Britton.

Mas a nova tecnologia ainda está em estágio piloto. A startup agora está trabalhando com uma empresa maior para aumentar a produção e reduzir o custo. Fermentar o produto também é muito mais eficiente do que extraí-lo de insetos. "Normalmente não investimos em moléculas onde não achamos que podemos chegar à paridade de custos", segundo o executivo.

A indústria de cosméticos é um bom ajuste inicial, explica Britton, já que apenas pequenas quantidades de cor são necessárias. Meio quilo de carmim da Debut poderia colorir 6.500 tubos de batom.

CORRIDA PELA ALTERNATIVA

A startup já está trabalhando com um punhado de marcas de beleza em seus laboratórios para desenvolver novas formulações para produtos.

As indústrias alimentícia e farmacêutica, que também estão buscando alternativas ao carmim, virão em seguida, depois que a Debut trabalhar com a Food and Drug Administration (a FDA, agência americana com atribuições parecidas com a brasileira Anvisa) para aprovações e para descobrir como o produto será rotulado.

Outro fator está ajudando a impulsionar a demanda: a FDA proibiu recentemente o Red No. 3, um corante alimentar comum, devido aos potenciais riscos à saúde.

As marcas de alimentos terão de eliminar esse corante nos próximos dois anos — e o carmim biotecnológico pode ser uma escolha viável.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais