Pix, pirataria e desmatamento entram na guerra comercial de Trump

Documento de órgão dos EUA cita indiretamente o PIX e especula que Brasil “parece se envolver em uma série de práticas desleais no que diz respeito aos serviços de pagamento eletrônico"; sobrou até para a Rua 25 de Março, em São Paulo

Governo Trump levanta contra o Brasil pontos como concorrência desleal e questiona até o Pix
Tibor Janosi Mozes por Pixabay, wing-wing eluoman via Getty Images

Paula Pacheco 5 minutos de leitura

No pacote de ameaças do presidente Donald Trump, anunciado no último dia 9, estava a possibilidade de investigação sobre o Brasil, nos termos da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974. Depois de seis dias, o representante dos Estados Unidos para o comércio, Jamieson Greer, apresentou um documento em que confirma o início dos trabalhos.

DIFERENTES ALVOS

O objetivo da investigação é determinar “se atos, políticas e práticas do governo brasileiro são irracionais ou discriminatórios e oneram ou restringem o comércio dos EUA”, informa o documento divulgado pelo órgão.

Entre as justificativas do governo americano apresentadas para a abertura da investigação, segundo o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), estão o que seriam pontos considerados prejudiciais à atuação das empresas americanas.

O documento cita questões ligadas à propriedade intelectual, a existência de tarifas preferenciais para outros países, taxas mais altas para o etanol americano (em comparação à aplicada pelos EUA sobre o etanol brasileiro) e desmatamento ilegal, iniciativas de combate à corrupção e comércio digital. Sobrou até para o Pix.

O USTR informou que a investigação tem por objetivo identificar “se atos, políticas e práticas do governo brasileiro são irracionais ou discriminatórios e oneram ou restringem o comércio dos EUA”, segundo o documento.

Greer informou em comunicado que tomou a decisão por ordem de Trump, que ameaçou o Brasil com uma taxa adicional de 50% sobre todos os produtos exportados para os EUA a partir de 1º de agosto.

SOBROU PARA FALSIFICAÇÕES E A 25 DE MARÇO

Entre os temas que fazem parte das investigações sobre as relações comerciais entre os países citado no documento do USTR foi citada a rua 25 de Março, no centro de São Paulo. O endereço é conhecido por vender um grande volume de importados a preços atraentes, parte deles cópias de outras marcas.

O órgão americano cita o endereço ao se referir às falsificações, afirmando que essa 'continua disseminada porque as operações de fiscalização não são seguidas por medidas ou penalidades dissuasivas e pela interrupção a longo prazo dessas práticas comerciais ilícitas'.

Nada muito diferente do que se vê em outras grandes cidades do mundo. É o caso de Chinatown, famoso bairro em Nova York, onde as réplicas de bolsas de marcas famosas são oferecidas a quem passa por lá.

"A região da Rua 25 de Março permanece há décadas como um dos maiores mercados para produtos falsificados, apesar das operações de fiscalização direcionadas a essa área", descreve o texto.

A propriedade intelectual, segundo o USTR, estaria sob ameaça por conta da pirataria presente no Brasil, que "prejudica os trabalhadores americanos cujos meios de subsistência estão ligados aos setores dos EUA impulsionados pela inovação e criatividade".

Ainda neste tema, o USTR acusa o Brasil de se envolver “em uma série de atos, políticas e práticas que aparentemente negam a proteção e a aplicação adequadas e eficazes dos direitos de propriedade intelectual. Por exemplo, o Brasil não conseguiu lidar de forma eficaz com a importação, distribuição, venda e uso generalizados de produtos falsificados, consoles de jogos modificados, dispositivos de streaming ilícitos e outros dispositivos de evasão.”

PIX E PRÁTICAS DESLEAIS

Com relação ao Pix, que não é citado nominalmente, o governo americano diz que o Brasil também “parece se envolver em uma série de práticas desleais com relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo, entre outras, aproveitar seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo'.

O texto do órgão que lidera a investigação acusa ainda as práticas brasileiras de comércio digital. “O Brasil impõe restrições excessivamente amplas à transferência de dados pessoais para fora do Brasil, incluindo para os EUA, que podem não levar em conta adequadamente os objetivos comerciais de rotina”, aponta. “Essas restrições podem impedir uma empresa de processar dados com segurança ou prestar serviços a partir de servidores americanos.”

DESMATAMENTO, PECUARISTAS E AGRICULTORES

Com relação ao agronegócio, o USTR diz que “evidências indicam que a falta de aplicação eficaz das leis e regulamentos ambientais do Brasil contribuiu para o desmatamento ilegal no país, e os pecuaristas e agricultores brasileiros aproveitaram essas terras desmatadas ilegalmente para a pecuária e uma ampla variedade de culturas, incluindo milho e soja. A conversão de terras ilegalmente desmatadas para a produção agrícola proporciona uma vantagem competitiva injusta às exportações agrícolas, reduzindo os custos e ampliando a disponibilidade de insumos agrícolas”.

O texto lembra que o Brasil é um grande concorrente dos EUA nas vendas globais de produtos agrícolas, em itens como carne bovina, milho e soja e fala em tom de irregularidade sobre uma prática comercial comum no mundo: aproveitar as oportunidades para vender mais.

Diz o documento: “Quando a China se envolve em coerção econômica e restringe ou proíbe as exportações agrícolas dos EUA, os produtores brasileiros prontamente substituem esses produtos. Embora os Estados Unidos tenham um superávit comercial geral com o Brasil em bens e serviços, o déficit comercial dos EUA com o Brasil em produtos agrícolas aumentou acentuadamente nos últimos anos, passando de aproximadamente US$ 3 bilhões em 2020 para US$ 7 bilhões em 2024.”

INVESTIGADO, PIX JÁ FOI PREMIADO ATÉ NOS EUA

O Pix, na mira do governo de Trump, já recebeu uma série de reconhecimentos internacionais. Inclusive nos EUA. O site do Banco Central (BC) cita, por exemplo, um prêmio concedido em 2023 ao meio de pagamento instantâneo, concedido pelo Council of Americas (COA), entregue em Miami.

A organização internacional representa uma série e segmentos, como bancos e finanças, serviços de consultoria, consumo de produtos, minas e energia, setor manufatureiro, mídia, tecnologia e transporte.

Na ocasião, o Pix foi reconhecido com o BRAVO Beacon of Innovation Award. Conforme explica a nota do BC na ocasião, na descrição dos motivos que levaram o Pix a ser escolhido, o COA ressalta que “desde o seu lançamento, há menos de três anos, o Pix tem tido um tremendo sucesso, sendo agora usado por mais de 700 instituições financeiras e por 80% dos brasileiros adultos, promovendo inclusão financeira no Brasil sem precedentes”. 

O Pix , ainda segundo o COA, “tem transformado o ecossistema de serviços financeiros do país, liderando os pagamentos no setor de varejo e reduzindo o desafios associados aos pagamentos e transferência de dinheiro”. A entidade diz ainda que o sistema de pagamento brasileiro “se tornou um modelo mundial de inclusão financeira, com bancos centrais da região (América Latina) e de outras partes do mundo tentando replicar iniciativas similares em seus mercados”.



SOBRE A AUTORA

Paula Pacheco é jornalista old school, mas com um pé nos novos temas que afetam, além do bolso, a sociedade, como a saúde do planeta. saiba mais