Por dentro do processo secreto da Lego que dá vida a um de seus maiores sucessos

Fuma Terai não é um designer de Lego. Sediado no Japão, ele mora longe de Billund, a pequena cidade dinamarquesa onde todo o trabalho oficial de design da empresa acontece. Mesmo assim, Terai é responsável por um dos melhores conjuntos de Lego do ano: Gizmo, a criatura icônica do clássico Gremlins, de Joe Dante, de 1984.

IDEIAS DE FÃS QUE VIRAM REALIDADE

Em 2024, Terai enviou um adorável Mogwai como parte do desafio de design dos anos 80 da Lego Ideas, a plataforma comunitária de crowdsourcing da empresa que transforma ideias de fãs em conjuntos reais. Mais de um ano depois, sua ideia agora está à venda por US$ 110 no site da Lego.

LEGO: CRIATIVIDADE E PRECISÃO TÉCNICA

Construir um conjunto de Lego é um processo exaustivo que une criatividade e precisão técnica. Antes mesmo de os fãs verem um produto Lego finalizado nas prateleiras, sua criação exigiu uma negociação especial entre resistência estrutural e jogabilidade, realismo e abstração.

Os designers de Lego sempre precisaram resolver tensões aparentemente impossíveis para dar vida a um conjunto. A criação de Gizmo, com suas características expressivas e pelo, levou esse processo ao limite.

Chris McVeigh, designer sênior de modelos da Lego, diz que criar Gizmo — como muitos outros conjuntos de Lego — exige aplicar truques geométricos à mente do construtor.

“Há muitas nuances na modelagem”, diz McVeigh. “Como posso contornar essa curva da maneira certa? De que forma posso preenchê-la? Qual é o caminho para preenchê-la e torná-la orgânica? Onde está a abstração?”

10.000 VOTOS E CONTANDO

Gizmo, com o codinome interno de “Projeto Meia-Noite”, nasceu da plataforma Ideas da Lego, que reúne ideias para novos conjuntos dos maiores fãs da Lego, como parte do seu desafio dos anos 80. Depois que Terai publicou seu design, ele rapidamente recebeu mais de 10.000 votos — um número que aciona automaticamente o processo de revisão interna da Lego.

Monica Pedersen, diretora de Marketing da Lego Ideas, diz que o primeiro passo é a equipe da Lego verificar a viabilidade: o produto pode ser construído fisicamente? Há conflitos de propriedade intelectual?

Em seguida, há uma avaliação do designer que o apresentou — o fã é "uma boa pessoa" que pode representar a marca Lego? Depois que essas perguntas são respondidas, as equipes regionais de vendas e especialistas em varejo avaliam a viabilidade comercial em diferentes mercados.

"Basicamente, avaliamos a viabilidade do design. Ele pode ser construído na vida real? Existem restrições que não podemos cumprir?", diz a diretora de Marketing. Das 177 ideias de produtos que alcançaram 10.000 votos no ano passado, apenas cinco sobreviveram a esse processo de seleção.

O DESAFIO DO REDESENHO

Na maioria das vezes, os designers da Lego pegam a criação de um fã e a retrabalham do zero. “Uma das coisas que decidimos logo no início foi que queríamos um pouco mais de nuances na modelagem do que o que podíamos ver no modelo do leque”, diz McVeigh.

O processo do designer sênior de modelos da Lego começou com o que ele chama de “trabalho de imagem de referência”. Trata-se de um trabalho em que se mede cuidadosamente as proporções em relação ao boneco Gizmo original, determinando a escala por meio de sobreposições e identificando o elemento-chave que definiria todo o resto. Para isso, ele precisa desenhá-lo.

“Parte do meu processo é desenhar. Isso remonta ao meu professor de artes no ensino médio, que sempre dizia que você não entende realmente algo até desenhá-lo”, conta McVeigh. Com o Gizmo, ele fez apenas alguns esboços para garantir que a escala estivesse correta.

OLHOS, RETRATO DA AFETIVIDADE E PERSONALIDADE

Os olhos se tornaram a estrela-guia do design do projeto por dois motivos. Primeiro, ele precisava acertá-los para combinar com a afetividade e a personalidade do personagem; os olhos do Gizmo são o que o define como uma criatura viva e encantadora. Isso incluiu acertar o tamanho e a aparência do globo ocular, mas também as pálpebras.

“Era muito importante para a estética deste modelo posicionar as pálpebras de forma que ficassem sobre o olho”, explica McVeigh. Eles poderiam ter “pintado” as pálpebras em uma peça semiesférica de Lego que funcionaria como o olho inteiro, mas queriam adicionar um pouco mais de dimensão.

O design do olho definiu um modelo para todo o resto: “O elemento-chave era realmente o tamanho do olho e o tamanho do modelo, e todo o resto estava atrelado a isso”, explica o especialista. “Como os olhos funcionariam foi determinado desde o início com alguns mockups construídos com peças.”

O Gizmo concluído utiliza 1.125 peças e mede mais de 20 cm de altura, 25 cm de largura e 8 cm de profundidade em pé — significativamente maior do que o conceito original de Terai. “O tamanho da construção aumentou desde que enviei meu design no Lego Ideas”, conta Terai com satisfação.

AS ESTRUTURAS E A ENGENHARIA NA LEGO

Para McVeigh, a relativa semelhança entre seu primeiro protótipo físico e o produto final reflete um trabalho digital inicial bem-sucedido. "O primeiro protótipo construído que fiz não parece tão diferente do modelo final", compara. Mas, por trás dessa consistência superficial, havia meses de refinamento — melhorias estruturais, engenharia de articulação e o equilíbrio cuidadoso entre sugestão orgânica e realidade geométrica.

O designer teve de encontrar maneiras de sugerir cabelos esvoaçantes e evocar o nariz de botão do pequeno Mogwai. Seu trabalho era resolver o problema tridimensional das formas orgânicas com tijolos. Ele sabe que a mágica acontece no momento em que o cérebro de uma pessoa traduz um conjunto de formas plásticas simples na ilusão de pelo, carne ou tecido.

Trabalhando digitalmente na ferramenta de design interno da Lego, McVeigh começou com um wireframe — pontos dos ombros, pontos pélvicos, proporções básicas — antes de encarar o maior desafio do modelo: fazer tijolos de plástico que sugerissem pelo e carne orgânicos.

“Um dos desafios interessantes ao criar criaturas é dar uma sensação de volume ao cabelo usando peças de Lego”, diz McVeigh. Sua solução se baseou em um elemento específico: uma pequena placa 2×2 com um canto virado para cima, que ele havia desenvolvido originalmente para as bordas do telhado do Castelo de Himeji, um conjunto Lego Architecture, lançado em 2023.

“Decidi usar isso para criar o efeito de cabelos finos fluindo para fora do modelo”, lembra o designer sênior de modelos da Lego. “Eu queria ter certeza de que usaria isso em vários pontos do modelo para que a estética fosse sentida em todos os lugares.”

DESAFIO ATÉ NO NARIZ DO GIZMO

Essa abordagem exemplifica o que especialista chama de “abstração” — a decisão crucial de “onde o modelo será abstraído, onde eu sei que não consigo combinar algo perfeitamente. E, honestamente, acho que isso é parte do que torna o produto parecido com Lego, apenas essa abstração.”

A abstração mais desafiadora provou ser o nariz do Gizmo. McVeigh começou com designs grandes e planos, mas eles não pareciam muito adequados. McVeigh fez a alteração final após um leve empurrão de um colega: "Há algo que você possa fazer com o nariz?"

O designer começou a experimentar com placas semicirculares e circulares completas, as placas planas e arredondadas com "pinos de Lego" de 1 x 2 ou 2 x 2, as pequenas protuberâncias redondas com o logotipo da Lego que fazem as peças se unirem. Elas eram difíceis de encaixar no modelo e exigiram uma reformulação significativa, mas ele realmente queria usá-las por causa da capacidade de capturar a impressão das narinas, ele me conta.

A solução final para o nariz demonstra a inteligência psicológica subjacente ao design da Lego. A placa redonda 2x2, com seus recortes sutis nas bordas, "realmente vende a ideia de que é um nariz", enganando o cérebro, fazendo-o ver narinas onde elas não existem. "É uma das coisas interessantes sobre a Lego", diz McVeigh. O cérebro preenche as lacunas.

O modelo final tem duas poses: em pé e sentado. No entanto, os jogadores terão que escolher a pose com antecedência, já que o Gizmo não se move sozinho. Isso às vezes é implementado em construções de Lego com o que McVeigh chama de "construção ramificada" nas instruções: "Em algum momento durante as instruções de construção, você será solicitado a escolher entre OK, você quer construir o Gizmo em pé ou sentado?" O modelo não é estático, no entanto. Ele apresenta uma cabeça giratória, orelhas articuláveis, mãos e braços articulados e rotação das pernas.

DA MENTE DE UM FÃ PARA AS PRATELEIRAS

Durante todo o processo de design, Terai permaneceu envolvido como o que a diretora de Marketing chama de "membro honorário do projeto Lego Ideas". McVeigh diz que toda vez que mostravam a Terai o progresso que haviam feito, "ele simplesmente se iluminava — ele estava sorrindo de orelha a orelha".

Para McVeigh, capturar a alma de Gizmo em forma de peça é um exemplo perfeito do processo de abstração prototípico de Lego. Para Terai, foi uma lição sobre como dar vida a uma ideia.

“Trabalhando com a equipe de design, pude ver e entender como um produto é criado do início ao fim”, diz Terai. “Vi como eles criam um produto. Eu sonhava em criar Lego desde criança, então foi uma experiência maravilhosa fazer parte disso.”

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SOBRE O AUTOR

Jesus Diaz fundou o novo Sploid para a Gawker Media depois de sete anos trabalhando no Gizmodo. É diretor criativo, roteirista e produ... saiba mais

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