Quais tecnologias podem ‘limpar’ a indústria do transporte marítimo?
A eletrificação de navios e o teste de novos biocombustíveis são alguns dos caminhos do setor para reduzir as emissões

Carregar um carro ou veículo elétrico normalmente consome cerca de 350 quilowatts. Carregar um cargueiro oceânico inteiro, ou navios elétricos, pode consumir 20 megawatts, aproximadamente 57 vezes mais energia.
É uma diferença impressionante em termos de potência e capacidade de geração, e ilumina os desafios e oportunidades por trás da ecologização dos cargueiros e navios porta-contêineres que cruzam os oceanos da Terra.
Do outro lado do Atlântico, a fornecedora de energia verde marítima NatPower Marine desenvolve a infraestrutura para estabelecer o primeiro corredor de navegação eletrificado operacional do mundo entre a Irlanda e a Inglaterra. Isso inclui barcos e carregadores elétricos, além de projetos de energia renovável — como energia eólica, solar e baterias — para alimentar as embarcações.
Stefano Sommadossi, CEO da empresa, disse que esses avanços ajudarão a fechar uma lacuna considerável em uma cadeia de suprimentos movida a energia limpa. Alguns navios elétricos começarão a percorrer essa rota em 2026.
3% DAS EMISSÕES GLOBAIS
"Isso é importante", disse Sommadossi. “Imagine receber seu carro Tesla e, de repente, descobrir que ele foi enviado por via marítima usando diesel. Estou trazendo para você um veículo energeticamente eficiente com o pior tipo de consumo de energia.”
O investimento de US$ 132 milhões da NatPower Marine com a construtora Peel Group equipará oito portos — incluindo Lancashire e Dublin — para criar uma rede de embarcações elétricas, além de carregadores portuários, carros e vans elétricos para transportar mercadorias após o descarregamento. A NatPower pretende criar 120 portos limpos até 2030 e planeja investir US$ 4 bilhões no total para estabelecer uma rede global.
Houve um esforço conjunto dos defensores de um transporte marítimo global mais limpo para encontrar mais maneiras de reduzir as emissões de carbono desse setor que consome muita energia.
O transporte marítimo é um elo vital na economia internacional, mas também contribui com aproximadamente 3% das emissões globais, um valor aproximadamente equivalente às emissões da Alemanha. A menos que sejam fabricados e usados localmente ou transportados por caminhões elétricos, mesmo os itens mais ecológicos geram emissões consideráveis na viagem para o exterior.
VÁRIAS ROTAS
O esforço para limpar o transporte marítimo oceânico percorreu vários caminhos para o sucesso: eletrificação de rotas muito curtas, investimento em combustíveis mais limpos para o comércio transoceânico e eletrificação das operações portuárias. Esta última pode fazer uma grande diferença para quem mora perto de portos ativos, onde as emissões relacionadas ao porto podem representar cerca de um terço da pegada de carbono da cidade.
A limpeza do setor oferece benefícios substanciais, disse Sommadossi. Entre eles, a redução das emissões portuárias, a melhoria da saúde dos moradores próximos. Além disso, à medida que as redes de transporte marítimo sustentável crescem e abrangem uma parcela maior do comércio diário, oferecem às empresas que buscam reduzir sua pegada de carbono a chance de ter uma cadeia de suprimentos verdadeiramente com emissão zero.
NAVIO COM ENERGIA LIMPA
A eletrificação, até o momento, não é totalmente viável para viagens pelo do Atlântico ou Pacífico; baterias muito pesadas, poucos locais para parar e carregar. Muitas propostas consideram traçar para os navios rotas mais curtas com a capacidade de carregar ou trocar baterias com mais frequência. Mas a energia necessária para isso seria imensa. Sommadossi estima que eletrificar toda a indústria naval consumiria tanta energia por ano quanto os EUA consomem atualmente.
Para essas viagens, novas tecnologias precisarão ser avançadas e implantadas, disse Jesse Fahnestock, que lidera o trabalho de descarbonização no Fórum Marítimo Global. A visão atual envolve a criação de combustíveis líquidos produzidos de forma sustentável, como amônia ou metanol, e a construção de nova infraestrutura nos portos, incluindo geração e armazenamento de combustível.
CORREDORES VERDES
Não existem esses corredores para navios atualmente, mas há vários projetos-piloto e de demonstração em andamento, com o Fórum Marítimo Global ajudando a coordenar os desenvolvimentos a fim de estabelecer padrões internacionais para navios movidos a energia.
O fórum já conta com 62 projetos distintos em todo o mundo tentando determinar sistemas de transporte marítimo mais sustentáveis, com 15 corredores elétricos e o restante utilizando diferentes variações de combustível mais limpo.
Para muitas empresas, o apelo de reduzir suas emissões de frete marítimo é uma alavanca que está sendo usada atualmente para financiar o desenvolvimento de combustíveis alternativos para viagens de navios mais longas.
A Aliança de Compradores Marítimos de Emissão Zero (ZEMBA), um coletivo global, reúne empresas, incluindo a Amazon e a Patagonia, para criar o que chama de licitações — solicitações para fornecer transporte com emissões significativamente reduzidas para suas mercadorias. As companhias de navegação concorrem nas rotas e a vencedora obtém novos negócios; é uma forma de garantir que os grandes transportadores sejam compensados por seus investimentos em combustíveis e navios mais limpos.
BIOCOMBUSTÍVEIS NOS NAVIOS
“O setor de transporte marítimo é complexo, frequentemente negligenciado e difícil de reduzir. Só agora está começando a implementar soluções de emissão zero ou quase zero”, disse Ingrid Irigoyen, CEO da ZEMBA, que visa acelerar a transição dos combustíveis fósseis para o setor de transporte marítimo.
“Este setor também enfrenta o famoso problema do ovo e da galinha, que se refere à ideia de que muitos proprietários de cargas — os clientes do setor de transporte marítimo — hesitam em investir em ofertas de serviços mais novas, mais caras e mais sustentáveis até que os combustíveis e tecnologias de baixa emissão alcancem escala e, portanto, uma redução significativa de custos.”
A ZEMBA permanece agnóstica, desde que o combustível e a tecnologia (seja metanol verde, amônia ou metano) possam atingir uma taxa de redução de 90% nos gases de efeito estufa (GEE).
Ainda este ano, a primeira licitação da ZEMBA começará a operar. A companhia marítima Hapag-Lloyd atenderá 20 compradores de frete, incluindo Meta, New Balance, Nike e REI Co-op, transportando mercadorias entre Singapura e a cidade portuária de Roterdã, na Holanda.
São navios movidos a biometano à base de resíduos, com uma redução de 80% nas emissões de carbono. Irigoyen afirmou que houve desafios para encontrar combustível alternativo suficiente e descobrir a contabilização correta do carbono, mas o lançamento está no caminho certo e espera reduzir 82.000 toneladas métricas de CO2 nos próximos dois anos. A ZEMBA deve lançar uma segunda licitação em 2027, com foco maior em combustíveis à base de hidrogênio.
A visão de Irigoyen é um setor de transporte marítimo em que qualquer empresa tenha a capacidade de descarbonizar todas as suas atividades de transporte, se assim desejar, a um preço competitivo. As empresas da aliança representam as pioneiras, e seu investimento deve impulsionar um mercado para soluções de sustentabilidade escaláveis, disse ela, acrescentando: "Acho esse tipo de liderança e pensamento de longo prazo bastante comoventes e inspiradores".