Quem vai pagar a conta se EUA taxarem aço e alumínio?
Preço dos veículos vendidos para os americanos pode sofrer o impacto da taxação do aço e alumínio, de 25%, e ameaça países como Brasil, Canadá e Argentina

As tarifas sobre as importações americanas de aço e alumínio, anunciadas nesta semana pelo presidente Donald Trump, se tornaram uma ameaça às montadoras de veículos dos Estados Unidos, avaliam líderes da indústria.
Todas as importações de aço e alumínio serão taxadas em um mínimo de 25% a partir de 12 de março. Hoje esse número é de 10%. A sobretaxa afetará a competitividade de países produtores das duas matérias-primas que atendem a esse mercado, como Brasil, Canadá e Argentina.
Vale lembrar, no entanto, que o tarifaço, apesar de já anunciado pelo republicano, pode ser revertido ou adiado, a exemplo do que aconteceu com outras barreiras verbalizadas pelo novo presidente dos EUA.
AUMENTO DE PREÇO E DEMISSÕES
Agora, com o tarifaço sobre o aço e o alumínio, mais uma crise se avizinha e pode dificultar a vida de fabricantes americanos como GM, Ford, e ainda a franco-italiana. As montadoras enfrentarão o desafio de oferecer carros mais caros para os compradores que procurarem uma loja americana.
A Ford Motor é um dos exemplos de montadoras que temem os efeitos das decisões do governo americano. Na terça-feira (11), Jim Farley, presidente executivo, citou os riscos caso haja uma revogação da legislação em vigor desde o governo de Joe Biden.
Farley disse que "até agora o que estamos vendo é muito custo e muito caos". Segundo o executivo da Ford, seus fornecedores têm fontes internacionais de aço de alumínio. "Então esse preço vai aparecer e pode ser uma parte especulativa no mercado onde o preço aumentaria porque as tarifas são até rumores."
AMONTOADO DE PROBLEMAS
O executivo da Ford Motor criticou também a ameaça de tarifas sobre carros e componentes importados do México e Canadá. É o caso da picape Maverick, do SUV elétrico Mustang Mach-E, e de motores feitos em unidades fabris canadenses.
“Uma tarifa de 25% na fronteira do México e Canadá abrirá um buraco na indústria dos EUA que nunca vimos”, disse Farley. “Isso dá rédea solta (uma espécie de 'liberou geral') às empresas sul-coreanas, japonesas e europeias que estão trazendo de 1,5 milhão a 2 milhões de veículos para os EUA. Elas não estariam sujeitos a essas tarifas mexicanas e canadenses.”
Além disso, Farley citou os subsídios e empréstimos para a fabricação de veículos elétricos. Se isso ocorrer, "“muitos desses empregos estarão em risco”, disse.
As medidas tarifárias relacionadas ao aço e ao alumínio podem levar a um efeito oposto à expectativa criada em torno da agenda de comércio global do governo Trump e da promessa de fortalecer a indústria dos EUA.
PRESSÃO NO MERCADO INTERNO
A pressão de custos sobre a produção doméstica de produtos feitos com insumos sobretaxados pode afetar o fornecimento doméstico dos materiais, alertam os especialistas. Em outras palavras, a clássica regra de oferta e procura. Se a busca por fornecedores locais aumentar, o custo de aquisição também será elevado.
"Os produtores de aço precisam encontrar maneiras de aumentar a capacidade. O alumínio e o aço podem estar em falta no curto prazo", disse Sam Fiorani, analista da AutoForecast Solutions.
“A produção de veículos tem muitas partes móveis. Aumentar o preço do que está entre os componentes mais importantes do veículo só vai aumentar o preço de um produto já caro", afirmou à agência Associated Press.
INFLAÇÃO, "CUSTO E CAOS"
O preço médio de comercialização de um veículo novo nos EUA em janeiro foi de US$ 48.641, de acordo com a ferramenta de compra de automóveis Kelley Blue Book. Trata-se de um investimento pesado para um consumidor sensível à inflação.
“Tarifas como essas não contribuem em nada para melhorar a indústria automotiva diretamente”, disse Fiorani em entrevista a Associated Press.
Farley, da Ford, endossa a perspectiva de pressão generalizada. "Até agora, o que estamos vendo é muito custo e muito caos".
Segundo o executivo, seus fornecedores têm fontes internacionais de aço de alumínio. "Então, esse preço vai aparecer e pode ser uma parte especulativa no mercado onde o preço aumentaria porque as tarifas são até rumores."
MERCADO DOMÉSTICO
Glenn Stevens Jr., diretor executivo da MichAuto, uma associação estadual da indústria automobilística, não esconde o clima na indústria. “Estamos preocupados com os efeitos posteriores em produtos de consumo como automóveis”.
Segundo o representante da entidade, “a preocupação sempre que você tem um cenário como esse, e eu não sou economista, mas acompanho isso de perto, é que os benefícios de curto prazo de preços mais altos para aço e alumínio para produção doméstica são superados por uma diminuição nos efeitos posteriores.”
A indústria automobilística, argumenta Stevens, é um negócio muito competitivo. “Você não pode mudar as cadeias de suprimentos muito rapidamente e certamente não pode mudar os locais de fabricação muito rapidamente.”
Para quem não se lembra, Trump adotou a mesma estratégia de tarifas sobre o aço e o alumínio em 2018, durante sua primeira passagem pela Casa Branca. As montadoras revisaram seus planos financeiros para o ano, já que as perspectivas caíram, declarou Fiorani.
NEM O REFRIGERANTE EM LATA ESCAPA
A indústria automotiva dos EUA não é a única que colocou seus executivos para pensar em formas de minimizar os impactos.
Na terça-feira (11), James Quincey, CEO da Coca-Cola, comentou durante a apresentação dos resultados da companhia que uma das alternativas para garantir o abastecimento das bebidas poderia ser a substituição da embalagem. No lugar da versão em lata, pode entrar em cena a alternativa em plástico.
"Por exemplo, se as latas de alumínio ficarem mais caras, podemos dar mais ênfase às garrafas PET", disse ao se referir ao tereftalato de polietileno, usado em garrafas plásticas descartáveis e embalagens de alimentos.
PLÁSTICO EM VEZ DO VIDRO
No entanto, os críticos lembraram, diante das declarações, que a Coca-Cola tem um programa maduro de uso de embalagens reutilizáveis, com o uso de garrafas. O caminho seria investir para sua ampliação em vez de abraçar o plástico.
A Coca-Cola, segundo estudo publicado em abril passado, respondeu por 11% da poluição de plástico de marca no mundo. A empresa é uma das que mais contribuem no mundo para a poluição de plástico.
A fabricante de bebidas abandonou as metas de redução e reutilização de plástico em dezembro passado, depois da eleição de Trump. A empresa anunciou a revisão de suas metas climáticas para focar no uso de materiais reciclados em vez de reduzir o plástico virgem e de uso único.
PLÁSTICO E OS RISCOS À SAÚDE
A decisão da Coca-Cola foi criticada tanto pelo fato de se ver o crescimento da poluição por plásticos no mundo quanto pelos resultados de pesquisas que apontam para um aumento de microplásticos no corpo humano.
O material plástico, segundo estudos publicados em revistas conceituadas, já foi associado a doenças como câncer de intestino e de pulmão, além de alguns problemas reprodutivos, risco de ataque cardíaco e derrame. Nanopartículas do material foram encontradas no fígado, testículo e no cérebro.
ACIONISTAS ATENTOS
aHá para os investidores o risco financeiro, além da preocupação ambiental. No entanto, Quincey buscou um discurso que acalmasse os investidores. Segundo o CEO da Coca-Cola, um aumento de 25% no preço "não é insignificante, mas não mudará radicalmente um negócio multibilionário nos EUA".
"Entre a mitigação da cadeia de suprimentos, fornecimento, pesos das latas, aumento de preço das latas em algum nível potencialmente, além de uma mudança para PET, há um problema administrável no contexto do negócio total dos EUA", disse Quincey. "É um custo. Terá que ser gerenciado."
COMO MINIMIZAR OS IMPACTOS?
Ian Craig, sócio-líder de Global Trade da EY Brasil, explica que há formas de minimizar os impactos no custo de produção das importadoras americanas de aço e alumínio - no curto, médio e longo prazo. Assim, é possível evitar um grande impacto nos despesas das empresas e o repasse para o preço final.
"No curto prazo, a implementação de planejamento fiscal pode resultar em pagamento de um valor menor de imposto", sintetiza o executivo da EY. Ou seja, completa, o imposto ainda seria aplicado, "mas por ser um imposto 'ad valorem'. Há medidas de planejamento de valoração aduaneiro e planejamentos que poderiam reduzir a base de cálculo do imposto. Isso mitigaria o impacto consolidado', explica Craig.
E NO MÉDIO E LONGO PRAZO?
Já no médio prazo, avalia o executivo da EY Brasil, dependendo da sofisticação e da agilidade do fabricante (além das medidas sugeridas para o curto prazo) há outras opções.
Por exemplo, ao se reorganizar a cadeia de suprimentos para comprar componentes ou produtos acabados dos países onde não há tarifa adicional. Segundo o sócio-líder da EY Brasil, esse movimento pode implicar em impacto no custo logístico, mas mesmo assim pode valer a pena.
Há a opção de reorganização inteira da cadeia de fabricação e suprimentos para otimizar o impacto de tarifas no longo prazo, pontua Craig. "Esse tipo de iniciativa costuma ter um alto investimento e com prazo longo e depende de estabilidade sem mudanças significativas, o que hoje é um desafio".
PRESSÃO NOS PREÇOS BRASILEIROS?
O especialista brasileiro Raphael Galante, da Oikonomia Consultoria Automotiva, é cauteloso quanto ao possível impacto nos preços dos carros no mercado americano. Para ele, trata-se de uma "quase verdade". "Quando o Trump ia aumentar a tarifa no México e Canadá, isso era uma verdade. Mas não ocorreu. Pode-se especular a mesma coisa com a sobre a taxa do aço e alumínio."
Galante explica que os EUA produzem por volta de 11 milhões de carros. Se o tarifaço se confirmar, traria um aumento de custo para os consumidores, mas o especialista não vê chance de impactos na indústria automotiva brasileira.
"Pelo contrário, porque o aço e o alumínio poderiam ter mais atratividade no mercado interno (americano) e, consequentemente, numa 'hipótese divina, poderia haver alguma redução de preço nos produtos derivados, o que não irá ocorrer", avalia Galante.
Por outro lado, Galante não vê a possibilidade se haver algum tipo de efeito-dominó que pressione os preços no Brasil. Hoje, explica o especialista, quase toda a produção local de veículos é para o mercado interno.
"O aumento nos preços dos carros brasileiro só poderia acontecer se ocorresse a importação do produto manufaturado. Por exemplo, se houve a importação da bobina de alumínio e se exportasse a peça para o carro", pondera.
INDÚSTRIA DO ALUMÍNIO EM MODO DE ESPERA
A Associação Brasileira de Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas) foi procurada para saber se a decisão do governo americano pode impactar, positiva ou negativamente, no preço do produto nacional. A entidade, no entanto, informou que o tema do tarifaço está sendo conduzido pela Associação Brasileira do Alumínio (Abal).
A Abal declarou por meio de sua assessoria de imprensa que ainda não consegue avaliar algum possível impacto nos preços locais. No entanto, segundo nota, "manifesta preocupação" quanto à nova medida tarifária dos EUA.
"Os efeitos imediatos para o Brasil serão sentidos primeiramente nas exportações e na dificuldade de acesso dos produtos brasileiros a esse mercado", cita a nota, que prossegue. "Apesar de os produtos de alumínio brasileiros terem plena condição de competir em mercados altamente exigentes como o americano, seja pelo aspecto da qualidade ou da sustentabilidade, nossos produtos se tornarão significativamente menos atrativos comercialmente devido à nova sobretaxa." (com Fast Company/Associated Press/Isabella Volmert e Alexa St. John)