Sorvete da Ben & Jerry’s vira energia para rede elétrica

Nos EUA, resíduos que sobram nas tubulações são transformados em biogás e ajudam a iluminar o estado de Vermont

Empresa gera energia com resto de sorvete
daniciobota via Getty Images

Kristin Toussaint 4 minutos de leitura

Na fábrica da Ben & Jerry's em St. Albans, Vermont, milhares de galões de resíduos de sorvete estão sendo transformados em biogás, gerando energia para a rede elétrica do estado.

ANTES, RESÍDUOS TRANSPORTADOS EM CAMINHÕES

Quando os operários da fábrica começam a produzir um novo sabor e trocam o maquinário de, digamos, Cherry Garcia para Chunky Monkey, eles precisam empurrar todo o sorvete restante para fora dos canos e enxaguá-lo com água para que os sabores não se misturem. Isso gera muitos resíduos que não podem ser enviados para estações de tratamento de águas residuais.

Anteriormente, centenas de caminhões-tanque transportavam esses resíduos de sorvete para fora da fábrica. Mas agora, esses resíduos viajam diretamente da Ben & Jerry's por uma tubulação subterrânea até uma instalação equipada com digestores anaeróbicos.


COMO UM INTESTINO ARTIFICIAL

Os digestores anaeróbicos funcionam "como um intestino artificial", diz Eric Fitch, CEO da PurposeEnergy, uma desenvolvedora de biogás que fez parceria com a Ben & Jerry's para construir a nova instalação em St. Albans.

As bactérias nos digestores consomem resíduos orgânicos e liberam uma combinação de metano e dióxido de carbono. Esse biogás funciona como gás natural derivado de combustíveis fósseis e pode até mesmo ser incorporado aos gasodutos existentes.

ATERROS SEM RESÍDUOS ALIMENTARES

O relacionamento entre as duas empresas é longo. A PurposeEnergy também possui uma instalação em South Burlington, no estado americano de Vermont, para onde a Ben & Jerry's costumava transportar alguns de seus resíduos de sorvete.

Em 2020, Vermont proibiu o envio de resíduos alimentares para aterros sanitários, onde podem gerar emissões de metano. As duas empresas começaram a trabalhar na instalação de St. Albans em 2021, elaborando um acordo sobre a matéria-prima. A construção da usina começou em 2023 e agora ela envia eletricidade para a rede elétrica do estado.

Embora as duas empresas tenham sido parceiras na instalação e um gasoduto conecte diretamente a Ben & Jerry's aos digestores anaeróbicos, os resíduos de sorvete não são a única matéria-prima sendo transformada em biogás.

A unidade da PurposeEnergy também recebe resíduos orgânicos de algumas cervejarias próximas e de outras fontes, e tem permissão para processar 50.000 galões de resíduos orgânicos por dia (equivalente a 189.270 litros). Atualmente, a Ben & Jerry's contribui com cerca de 6.000 galões por dia (22.712,47 litros) com suas operações de sorvetes.

Com todo esse resíduo orgânico, a PurposeEnergy pode produzir cerca de um megawatt de eletricidade para a rede elétrica de Vermont, o suficiente para abastecer 1.300 residências.

SEM CAMINHÕES, MENOS EMISSÕES DE CARBONO

Agora que os resíduos de sorvete podem ser transportados por tubulação para se transformar em biogás, a Ben & Jerry's também pode fazer 600 viagens de caminhão a menos por ano, reduzindo as emissões de carbono da empresa.

A usina de biogás também reduz a poluição por fósforo. Os resíduos de alimentos são ricos em fósforo, que pode ser liberado no meio ambiente e causar problemas como a proliferação de algas.

A unidade da PurposeEnergy liga esse fósforo ao ferro, criando fosfato de ferro, que pode ser usado como fertilizante que não escorre na chuva. A usina da empresa também recupera energia térmica de suas operações para aquecer os digestores.

BIOGÁS, FONTE RENOVÁVEL

O biogás é considerado renovável porque não retira carbono do solo como os combustíveis fósseis. Em vez disso, esse carbono vem da atmosfera.

"Algumas plantas, por meio da fotossíntese, absorveram esse carbono, e então essa planta acabou virando resíduo, como em uma cervejaria, ou foi comida por um animal e convertida em, digamos, leite que foi para uma fábrica de sorvetes e acabou virando resíduo", diz o CEO da PurposeEnergy.

Quando esse biogás é queimado, o carbono retorna à atmosfera, mas não aumenta a quantidade de carbono na atmosfera, já que ele veio de lá em primeiro lugar, explica o executivo. Trata-se apenas parte do ciclo do carbono.

O FUTURO DOS COMBUSTÍVEIS

Mas alguns especialistas ambientais alertam que o biogás reforça a dependência de combustíveis fósseis. Eles também afirmam que o gás natural renovável, produzido com resíduos orgânicos, ainda pode apresentar muitos dos mesmos riscos ambientais do gás de combustível fóssil.

Por exemplo, com vazamentos de metano em gasodutos. E ainda atrasa a transição da produção de energia que não envolva a queima de gás.

Os proponentes argumentam que o biogás pode desempenhar um papel na redução da dependência de combustíveis fósseis. E, por ser equivalente ao gás natural, ele se encaixa no sistema atual.

"Podemos usar gás natural renovável e colocá-lo na mesma infraestrutura de gás natural que abastece residências e empresas em todo o país, em todo o mundo", afirma o CEO da PurposeEnergy. "Não precisamos instalar nenhum novo tipo de sistema de distribuição."


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais