Tecnologia do micro-ondas pode reduzir lixo eletrônico do seu celular pifado
Sistema aumenta reaproveitamento de materiais especiais ao aquecer rapidamente o carbono presente no descarte eletrônico

Sabe o que acontece quando o computador ou celular que você está usando pisca pela última vez e tem a reciclagem como destino? E que relação isso tem com os materiais essenciais?
Na prática, funciona assim: no centro de reciclagem, ímãs poderosos puxam o aço. Tambores giratórios jogam o alumínio em lixeiras. Fios de cobre são cuidadosamente empacotados para revenda. Mas, à medida que a esteira rolante continua girando, pequenas partículas de materiais valiosos e menos conhecidos, como gálio, índio e tântalo, ficam para trás.
No entanto, apesar de serem pequenas, essas partículas são materiais essenciais. Por exemplo, para a construção de novas tecnologias. São componentes escassos até mesmo nos EUA.
Os materiais essenciais poderiam ser reutilizados, mas há um problema. Os métodos atuais de reciclagem tornam a recuperação de minerais essenciais do lixo eletrônico muito cara ou perigosa. Por isso, muitos recicladores simplesmente os ignoram.
Infelizmente, a maioria desses materiais difíceis de reciclar acaba enterrada em aterros sanitários ou misturada a produtos como cimento. Mas não precisa ser assim. As novas tecnologias estão começando a fazer a diferença.
À medida que a demanda por esses materiais essenciais continua crescendo, eletrônicos descartados podem se tornar recursos valiosos. Pesquisadores da Universidade da Virgínia Ocidental estão desenvolvendo uma nova tecnologia para mudar a forma como se recicla. Em vez de usar produtos químicos tóxicos, se utiliza eletricidade, tornando mais seguro, limpo e acessível recuperar materiais essenciais de eletrônicos.
HÁ MUITO LIXO ELETRÔNICO
Os americanos geraram cerca de 2,7 milhões de toneladas de lixo eletrônico em 2018, de acordo com os dados federais mais recentes. Incluindo eletrônicos não contabilizados, os EUA reciclam apenas cerca de 15% de seu lixo eletrônico total, sugere uma pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU).
Pior ainda, quase metade dos eletrônicos que as pessoas na América do Norte enviam para centros de reciclagem acabam sendo enviados para o exterior. Eles frequentemente acabam em ferros-velhos, onde os trabalhadores podem usar métodos perigosos, como queima ou lixiviação com produtos químicos agressivos para extrair metais valiosos.
São práticas que podem prejudicar tanto o meio ambiente quanto a saúde dos trabalhadores. É por isso que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) restringe esses métodos no país.
MATERIAIS ESSENCIAIS DE ALTO RISCO
Minerais essenciais estão presentes na maior parte da tecnologia ao seu redor. A tela de cada telefone possui uma camada superfina de um material chamado óxido de índio e estanho. Os LEDs brilham devido a um metal chamado gálio. O tântalo armazena energia em pequenas peças eletrônicas chamadas capacitores.
Todos eles são sinalizados como de "alto risco" na lista de materiais críticos do Departamento de Energia dos EUA. Isso significa que os EUA dependem fortemente desses materiais para tecnologias importantes, mas seu fornecimento pode ser facilmente interrompido por conflitos, disputas comerciais ou escassez.
No momento, apenas alguns países, incluindo a China, controlam a maior parte da mineração, processamento e recuperação desses materiais, tornando os EUA vulneráveis caso esses países decidam limitar as exportações ou aumentar os preços.
Esses materiais também não são baratos. Por exemplo, o Serviço Geológico dos EUA relata que o gálio estava custando entre US$ 220 e US$ 500 o quilo em 2024. Isso é 50 vezes mais caro do que metais comuns como o cobre, que custava US$ 9,48 por quilo em 2024.
TRABALHO DE PESQUISADOES
No Departamento de Engenharia Mecânica, de Materiais e Aeroespacial da Universidade da Virgínia Ocidental, Terence Musho, professor associado de engenharia, e o cientista de materiais Edward Sabolsky fizeram uma pergunta simples: seria possível encontrar uma maneira de aquecer apenas partes específicas do lixo eletrônico para recuperar esses materiais valiosos?
Se fosse possível concentrar o calor apenas nas pequenas partículas de minerais essenciais, daria para reciclá-los de forma fácil e eficiente.
A solução encontrada: micro-ondas.
Este equipamento não é muito diferente dos fornos de micro-ondas que você usa para aquecer alimentos em casa, apenas maior e mais potente. A ciência básica é a mesma: ondas eletromagnéticas fazem os elétrons oscilarem, criando calor.
Porém, na abordagem, as moléculas de água não são aquecidas como acontece na hora de cozinhar. Em vez disso, é aquecido o carbono, o resíduo preto que se acumula ao redor da chama de uma vela ou do escapamento de um carro.
O carbono aquece muito mais rápido no micro-ondas do que a água. Mas não tente fazer isso em casa; o eletrodoméstico da sua cozinha não foi projetado para temperaturas tão altas.
No método de reciclagem dos pesquisadores, primeiro o lixo eletrônico é triturado, misturado com materiais chamados fundentes que retêm impurezas e, em seguida, a mistura com micro-ondas é aquecida. As micro-ondas aquecem rapidamente o carbono proveniente dos plásticos e adesivos presentes no lixo eletrônico. Isso faz com que o carbono reaja com as minúsculas partículas de materiais críticos. O resultado: um pequeno pedaço de metal puro, semelhante a uma esponja, do tamanho de um grão de arroz.
Esse metal pode então ser facilmente separado dos resíduos restantes usando filtros.
Até o momento, em testes de laboratório, foram recuperados com sucesso cerca de 80% do gálio, índio e tântalo do lixo eletrônico, com purezas entre 95% e 97%. Também foram demonstrados como ele pode ser integrado aos processos de reciclagem existentes.
POR QUE HÁ INTERESSE DA DEFESA?
A tecnologia de reciclagem teve início com a ajuda de um programa financiado pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa (DARPA), dos EUA.
Muitas tecnologias importantes, de sistemas de radar a reatores nucleares, dependem desses componentes. Embora o Departamento de Defesa utilize menos deles do que o mercado comercial, eles representam uma preocupação para a segurança nacional.
Os pesquisadores da Universidade da Virgínia Ocidental planejam o lançamento de projetos-piloto maiores para testar o método em placas de circuito de smartphones, peças de iluminação LED e placas de servidor de data centers. Os testes ajudarão a refinar o projeto para um sistema maior, capaz de reciclar toneladas de lixo eletrônico por hora, em vez de apenas alguns quilos. Isso pode significar a produção de até 22 quilos desses minerais essenciais por hora a partir de cada tonelada de lixo eletrônico processado.
Se a tecnologia funcionar conforme o esperado, a expectativa dos pesquisadores que essa abordagem poderá ajudar a atender à demanda nacional por materiais essenciais.
O DESAFIO DA RECICLAGEM DE LIXO ELETRÔNICO
Uma maneira de a reciclagem de lixo eletrônico se tornar mais comum seria se o Congresso dos Estados Unidos responsabilizasse as empresas de eletrônicos pela reciclagem de seus produtos e pela recuperação dos materiais essenciais contidos neles.
Fechar brechas que permitem que as empresas enviem lixo eletrônico para o exterior, em vez de processá-lo com segurança nos EUA, também poderia ajudar a construir uma reserva de minerais essenciais recuperados.
Mas a maior mudança pode vir de uma simples questão econômica. Assim que a tecnologia estiver disponível para recuperar esses minúsculos, porém valiosos, fragmentos de materiais essenciais de forma rápida e acessível, os EUA poderão transformar a reciclagem doméstica e dar um grande passo para resolver sua escassez de materiais essenciais. (o autor Terence Musho é professor associado de engenharia na West Virginia University)