Um carro elétrico nada convencional vai colocar a Jaguar na briga?

Montadora tenta recuperar o tempo perdido ao lançar um modelo que rompe com a tradição da sua marca; o que se pode esperar depois da campanha polêmica e do banho de loja?

Créditos: Jaguar
Créditos: Jaguar

James I. Bowie 10 minutos de leitura

No início de dezembro, a Jaguar finalmente revelou o carro no centro de sua campanha viral: um carro-conceito GT elétrico de quatro portas chamado Type 00 (pronuncia-se "Type Zero-Zero"). Mas o carro — mostrado em rosa brilhante e azul-celeste durante a Miami Design Week — não é apenas um carro. É a peça central de um esforço controverso da Jaguar para reformular a marca da montadora de 89 anos conforme ela entra na era dos veículos elétricos.

Duas semanas antes da apresentação das novidades, a montadora britânica lançou uma nova marca e marketing. A Jaguar tinha um novo logotipo moderno e uma linguagem visual colorida e atual para combinar. O lançamento provocou uma reação polarizada nas mídias sociais.

Os críticos acharam o anúncio (que curiosamente nunca mostrou um carro) e a nova identidade visual da empresa totalmente confusos. O CEO da Tesla, Elon Musk, talvez movido pelo incômodo de ver uma montadora tradicional e que desperta desejo pronta para disputar clientes no segmento de elétricos, postou no X: "Você vende carros?"

A montadora chama o Jaguar Type 00 de projeto para sua próxima geração de veículos elétricos e, de fato, ele não se parece em nada com os Jaguars do passado. Na verdade, ele dificilmente se assemelha a qualquer outro carro na estrada.

O veículo abandona um para-brisa traseiro e tem uma silhueta não aerodinâmica com um nariz largo e capô alongado. O veículo arquiva o ornamento de capô "saltador" tradicional da marca em favor de um emblema circular de latão com as iniciais "J" e "R".

O novo visual tem levado críticos a questionarem se o carro está levando o conceito modernista a um nível equivocado. "Entendemos nossa história claramente", disse Richard Stevens, diretor de design da Jaguar, na estreia do par de protótipos do Type 00, no final do ano. "Há momentos na vida de uma marca em que você precisa dar um passo ousado."

RASGANDO O LIVRO DE REGRAS

Rawdon Glover, diretor administrativo da Jaguar, diz que a montadora está retornando ao seu ethos original, quando prezava pelo "valor acima do volume". Perseguir o volume não tem sido bom para a marca britânica tradicional, que sofre com uma linha envelhecida e falta de novos produtos.

Até a chegada do Type 00 EV (que deve ser colocado à venda em 2026), a marca está reduzindo seu portfólio a um único modelo, o SUV F-Pace. Glover diz que o redesenho ajudará a Jaguar a se destacar no mercado de veículos elétricos cada vez mais concorrido, observando: "Nós efetivamente rasgaremos o livro de regras atual dos veículos elétricos".

A Jaguar planeja eliminar seus motores de combustão interna para veículos elétricos a bateria até o final da década e está estabelecendo um alto padrão para o primeiro modelo sob sua identidade reformulada. A montadora diz que o carro de 1.000 cavalos de potência será capaz de viajar até 430 milhas com uma única carga e adicionar até 200 milhas de alcance em 15 minutos quando conectado a um carregador rápido DC.

"Chamar atenção no mundo de hoje nem sempre é fácil", disse Gerry McGovern, diretor criativo da Jaguar, no palco durante a revelação. "Quando a Jaguar estava no seu melhor, ela criou o E-Type e o XJS", acrescentou, citando dois dos modelos mais famosos da marca no século XX. "No nosso melhor, nunca nos conformamos."

Quatro anos atrás, McGovern, enviou um briefing criativo para sua equipe: "Entenda e fique obcecado de onde viemos, mas não seja dominado por isso", ele escreveu. "Seja ousado, seja corajoso." O resultado é um design não convencional para uma empresa que está procurando se reinventar, por atacado.

REBRANDING POLÊMICO

Até agora, o anúncio feito pela Jaguar na Miami Art Week provocou muitas trocas de farpas nas redes sociais. Certamente, a campanha foi feita para se destacar de uma forma provocativa. É o caso do vídeo em que um homem mais velho, vestido todo de vermelho, gira um pincel em um esforço para "deletar o comum".

Há controvérsias sobre a festa que apresentou a repaginação da marca, mas quem defende a novidade está totalmente de acordo com o movimento mais significativo no design de logotipos nos últimos anos, especialmente entre as montadoras, à medida que buscam sinalizar sua transição do motor de combustão interna para um futuro totalmente elétrico. A Jaguar é apenas a mais recente de uma longa linha de empresas automobilísticas que adotaram novos logotipos que são geralmente mais leves, mais finos, mais redondos, menos intrusivos e mais minúsculos.

Cerca de uma dúzia de anos atrás, os logotipos de muitas montadoras eram versões skeumorfistas dos emblemas físicos afixados nos capôs ​​de seus veículos: eles davam uma aparência de peso, brilhando com recursos cromados em três dimensões desajeitadas. À medida que as tendências gerais de design se afastavam do 3D para a planura, muitos logotipos de carros seguiram o exemplo. Em 2017, a Audi achatou e tirou o cromo de seus famosos quatro anéis. A Toyota fez o mesmo com seus ovais menos icônicos em 2019.

MUDANÇAS NA INDÚSTRIA

Esses tipos de reformulações logo se tornaram associados a mudanças maiores nos modelos de negócios das montadoras. Mais tarde, em 2019, a Volkswagen tentou superar seu escândalo de testes de emissões, introduzindo um "Novo Volkswagen" centrado em veículos elétricos, acompanhado por um logotipo mais plano, fino e leve. Em 2020, em conjunto com a introdução de um carro-conceito elétrico, a BMW não apenas achatou seu logotipo, mas tornou seu anel externo transparente, em um movimento para "irradiar mais abertura e clareza". E em 2021, conforme se voltava para veículos elétricos, a General Motors atualizou sua "Marca de Excelência" de 57 anos, arredondando seus cantos, clareando seu tom de azul e reduzindo suas iniciais em negrito para minúsculas.

Nesse contexto, os novos logotipos da Jaguar parecem totalmente na moda. Sua marca mudou de letras maiúsculas pesadas para "algumas maiúsculas" mais leves. O "G" maiúsculo no meio da palavra que irritou tantos observadores parece estar lá simplesmente porque é circular, aderindo à redondeza geral das outras formas de letras.

O novo monograma não ficaria fora do lugar em uma bolsa de grife, já que claramente a Jaguar está se esforçando para imbuir sua marca com conotações de luxo adicionais, pois busca vender seus veículos agora com preços ainda mais exorbitantes para jovens ricos (mas provavelmente acabará vendendo-os para pessoas ricas de meia-idade tentando se passar por jovens ricos).

Mais notavelmente, o logotipo do gato "saltador" ágil da Jaguar foi mantido em uma forma um pouco mais abstrata. Como uma das poucas fabricantes de carros que podem ostentar uma marca tão evocativa em um mar de logotipos geométricos pouco inspiradores, essa foi uma decisão sábia, mesmo que fosse contra a abordagem geral da campanha de queimar tudo e começar de novo. Nessa história, vale lembrar que, com a entrada em uma nova era, os motores da Jaguar não rosnarão mais, mas simplesmente emitirão um zumbido elétrico suave.

As novas linhas horizontais "tachadas" da Jaguar parecem um retorno às listras que Paul Rand passou pela marca IBM em 1967, levando a uma enxurrada de logotipos listrados denotando "alta tecnologia". Até mesmo o nome "Type 00" tem precedentes na reformulação da marca de carros da era elétrica. No início deste ano, a Honda apresentou uma nova versão de seu logotipo, na qual seu H não está sobrecarregado de seu formato quadrado, para ser usado com seus próximos EVs, incluindo sua, sim, "Série 0" (lema: "Fino, Leve e Sábio").

E embora a Jaguar tenha nos informado que ao nos referirmos ao "Type 00", o "00" é pronunciado "zero-zero" e não "double-O", não se pode deixar de pensar que o nome é uma referência à herança britânica da Jaguar por meio de James Bond, embora seja bem sabido que 007 dirigiu um Aston Martin antes de uma série de acordos infelizes de colocação de produtos o forçarem primeiro a entrar em alguns BMWs, depois em um Ford Mondeo.

PLANOS DA MARCA

Na manhã seguinte à revelação, a Fast Company sentou-se com Richard Stevens, diretor de Design da Jaguar, para conversar sobre os planos de apostar tudo em veículos elétricos até 2030, bem como a reação inesperada à campanha de marketing que fez o mundo falar. Veja os principais trechos da entrevista.

Fast Company: Por favor, resolva o mistério: a campanha “Copy Nothing” apresenta pessoas em roupas coloridas e futuristas caminhando em uma superfície lunar, mas não há carro. Qual era a visão por trás disso?

Richard Stevens: Sabíamos que precisávamos desvincular a marca do produto. Desde o início, era sobre criar um espaço claro para que as pessoas tivessem uma noção real do que estávamos tentando fazer, bem como uma resposta emocional, positiva ou negativa, a uma transformação da marca. Se tivéssemos mostrado um carro, todos estariam falando sobre isso. Mas a marca é a coisa que informa todos os produtos e a experiência daqui para frente, então precisávamos dar a isso o espaço que merecia. Sabíamos que, uma vez que apresentássemos o Type 00 em Miami, ele completaria o quadro. Acho que se tivéssemos mostrado o produto no teaser, ele teria criado ruído no mundo automotivo, mas não além dele.

FC: Você esperava uma resposta tão polarizadora?

Não sei se percebemos que isso criaria tal resposta. Mas positiva ou negativa, não é uma coisa ruim. O desafio para nós é que duas semanas é muito tempo quando há uma quantidade enorme de pessoas ao redor do mundo falando sobre isso, mas sempre estivemos confiantes de que o Type 00 traria o contexto completo, que aparecerá em todos os veículos que você verá da Jaguar daqui para frente.

FC: O CEO da Tesla, Elon Musk, postou no X: "Você vende carros?" Quanta atenção isso atraiu para a Jaguar?

Quero dizer, ele sabe que sabemos como projetar carros. Mas todos esses comentários apenas apoiaram o fato de que as pessoas estavam tendo uma resposta emocional. E se tudo o que fizemos com a reimaginação da Jaguar foi vinculado à arte e à conexão emocional, ficamos realmente orgulhosos dessas respostas.

Para nós do Reino Unido, a melhor coisa que aconteceu foi que o político Nigel Farage — ele é amigo de do presidente eleito dos EUA, Donald Trump — postou que estava muito bravo com isso. Essa foi provavelmente a melhor coisa que já aconteceu. Mais do que Musk, foi realmente sobre a frustração das pessoas tirando conclusões precipitadas sem entender o quadro completo. Agora que mostramos o carro, quer eles amem ou odeiem, não vão discutir o porquê de termos feito o que fizemos.

FC: A Jaguar reduziu sua linha para apenas um modelo nos EUA, o SUV F-Pace e, pela primeira vez em sua história, parou de vender qualquer veículo no Reino Unido. Você está preocupado que se afastar da indústria prejudicará a marca?

É necessário para uma redefinição fundamental porque quando chegamos ao mercado com os novos produtos, não podemos ter um mundo onde estamos mostrando algo que é retrospectivo com algo que precisa desse espaço claro.

FC: A marca irmã da Jaguar, a Land Rover, descontinuou seu amado Defender 4×4 há oito anos para relançá-lo como um SUV moderno. O Type 00 segue esse manual?

Temos confiança por causa do que fizemos com o Defender. Havia uma grande quantidade de emoção em torno do original e, quando mudamos isso, as pessoas disseram: "Não é como o antigo. Não consigo amar isso”, mas agora as pessoas se apaixonaram por ele. Com o Type 00, pode ser que as pessoas gostem dele mais tarde ou não gostem nem um pouco, e tudo bem. Isso volta à conexão emocional das pessoas com a arte. Você não pode racionalizar a razão pela qual se apaixona pela arte. Nem todos nós gostamos de toda arte.

FC: Você está preocupado em perder seus principais clientes?

A Jaguar não é sobre ser amada por todos. A campanha era mais sobre fazer as pessoas entenderem que tudo está mudando. Não estamos apenas redesenhando o carro. Você sabe, as pessoas que amam a Jaguar pelo que ela era não são o público que permitirá que a Jaguar avance. * Com reportagem de Jaclyn Trop/Fast Company.


SOBRE O AUTOR

James I. Bowie é sociólogo da Northern Arizona University e estuda tendências em branding e em design de logotipos. saiba mais