Vinagre de Maçã: por que caímos em golpes?
Série conta a trajetória de Belle Gibson, influenciadora que enganou seguidores levados pela falsa história de cura de um câncer; veja dicas para se proteger de golpes

Quem não acreditaria em uma jovem mãe com saúde frágil, cheia de ideias e determinada a compartilhar informações sobre um estilo de vida alternativo?
Difícil imaginar essa jovem que promete levar esperança de cura para quem sofre com o câncer ou tem alguém próximo nessa condição poderia estar atrás de vítimas de um golpe.
A história de Belle Gibson foi contada na minissérie "Vinagre de Maçã', lançada recentemente na plataforma da Netflix. Aaté a segunda-feira (10), a produção era a sétima mais assistida no streaming.
FALCATRUAS ILUDIRAM SEGUIDORES
A australiana fez sua fama como influenciadora de saúde e bem-estar graças a uma série de falcatruas. Sim, Belle postou em uma rede social que havia sido diagnosticada com, segundo ela, um "câncer cerebral maligno". O diagnóstico, prosseguiu, foi terrível: uma estimativa, segundo ela, de seis semanas, quatro meses de vida no máximo de vida.
A partir daí, a influenciadora digital construiu uma posição aparentemente sólida - baseada em informações falsas - como empreendedora graças ao dinheiro das vítimas de um golpe.
A jovem, então com 20 anos, criou um dos mais populares aplicativos de receitas e dicas de saúde. Também lançou o livro The Whole Pantry (A Despensa Toda, em tradução livre) com o suporte de uma grande editora, a Penguin, em que ensinava a preparar pratos "curativos" e ainda organizava 'vaquinhas' para arrecadar fundos prometidos. Isso mesmo, as entidades assistenciais e pessoas em tratamento de câncer nunca viram a cor do dinheiro.
ISCA PARA O GOLPE: A CURA
O chamariz para que a adesão à sua marca crescesse era a afirmação de que havia se curado graças ao novo estilo alimentar e terapias alternativas. Como descreveu em reportagem recente a publicação Women's Weekly, que acompanhou de perto a ascensão e queda de Belle, o contexto era atraente.
"Seu feed do Instagram estava salpicado de smoothies coloridos, pratos saudáveis e mensagens de compartilhamento emocionalmente carregadas, sabedoria e gratidão", escreveu Clair Weaver, que entrevistou a ex-empreendedora.
Ainda segundo a jornalista, 'esta foi, sem dúvida, uma alternativa convincente à realidade do câncer, quimioterapia e hospitais. Pessoas vulneráveis foram enganadas e prejudicadas", escreveu Clair Weaver, que entrevistou a ex-empreendedora.
VACILO GENERALIZADO
A própria Women;s Weekly, inclusive, admitiu o vacilo na checagem das informações divulgadas pela influenciadora e lembrou que a falha também se repetiu em outras frentes.
Clair destaca que "Belle nunca teria alcançado os ápices de influência, adoração e fama que alcançou sem alguns jogadores importantes que lhe deram plataformas poderosas sem a devida diligência suficiente". Por exemplo, por parte da Apple, da própria Penguin, da revista Cosmopolitan e da emissora Channel 7, da Austrália.
Algumas perguntas são feitas até hoje. Como profissionais tão experientes não se certificaram sobre as informações dadas pela influenciadora, ainda mais se tratando de algo tão sério como a cura de um câncer fatal com uma alimentação saudável? Como histórias apontadas hoje como tão fantasiosas convenceram milhares de seguidores a apoiar cegamente o golpe engendrado por Belle?
POR QUE CAÍMOS EM GOLPES?
A história de Belle, que teve de enfrentar a Justiça de seu país, não é mais absurda do que tantas outras histórias de grandes golpistas - alguns deles com histórias contadas em livros, filmes e séries. É o caso de 'Prenda-me se for Capaz', 'O Lobo de Wall Street', 'O golpista do Tinder' e 'Criptofraude', 'A bilionária, o mordomo e o namorado'.
Vale citar ainda o brasileiro Marcelo Nascimento da Rocha, que se passou por Henrique Constantino, um dos fundadores da companhia aérea Gol, entre os anos de 1990 e 2020, e, depois de julgado e condenado, inspirou um livro e o filme VIPS e estrelado pelo ator Wagner Moura.
Em razão do aumento das interações digitais e o uso crescente de plataformas online, na avaliação de Thiago Tanaka, diretor de Ciberssegurança da TIVIT, foram novas oportunidades para golpistas. Eles aproveitam a falta de conscientização das pessoas sobre segurança cibernética.
"A falta de conhecimento para identificar sinais de golpes, como clicar em links suspeitos ou não usar senhas fortes, agrava a situação", acrescenta Tanaka. Além disso, diz o executivo da TIVIT, a constante evolução das técnicas dos criminosos, como engenharia social e phishing, torna mais difícil para as vítimas reconhecerem os ataques.
TÉCNICAS PARA A ABORDAGEM
Felipe de Melo, advogado, especialista em Direito Civil e professor do curso de Gestão de Segurança Privada da UniCesumar, explica que os golpes são bem-sucedidos porque exploram fatores psicológicos e emocionais das vítimas.
Os golpistas, segundo Melo, manipulam as reações das vítimas dpor meio de técnicas de urgência, persuasão e convencimento, um processo amplamente conhecido como engenharia social.
"Os criminoso se aproveitam de emoções como medo (alertas falsos de compras indevidas no cartão), ganância (ofertas com preços irreais que prometem grandes vantagens) e empatia (pedidos de doações fraudulentos ou golpes que envolvem falsas tragédias)", cita Melo.
ENGANAÇÃO PASSA DESPERCEBIDA
A manipulação das vítimas de um golpe as fazem revelar revelar informações sigilosas ou realizarem transações sem perceber que estão sendo enganadas, completa o advogado Rafael Caferati, do Escritório Jobim Advogados.
Além disso, explica Caferati, a evolução da tecnologia permite falsificações convincentes de sites, e-mails e até vozes (deepfake). Há ainda a influência do excesso de informações e a pressa no dia a dia, que por muitas vezes fazem com que as pessoas tomem decisões sem verificar a autenticidade de mensagens ou pedidos.
CIBERSEGURANÇA PASSA BATIDO
Outro fator que contribui para a eficácia dos golpes é a falta de conhecimento técnico sobre cibersegurança. Muitas pessoas ainda confiam cegamente em mensagens, ligações e sites fraudulentos. Não percebem que essas armadilhas são cuidadosamente planejadas para enganar até mesmo os mais cautelosos, segundo o advogado.
"Essa vulnerabilidade, somada à sofisticação crescente dos golpes, torna essencial o fortalecimento de boas práticas de
segurança e o desenvolvimento de uma postura mais crítica diante de solicitações financeiras inesperadas", diz o especialista em Direito Civil.
Muitas pessoas negligenciam a segurança digital por falta de percepção de risco, buscando conveniência e confiando demais em métodos antiquados ou nas plataformas que utilizam, explica o diretor da TIVIT. "A subestimação das consequências de ataques cibernéticos e a desinformação também contribuem para essa negligência".
QUAIS SÃO OS NOSSOS PONTOS FRACOS?
Melo e Caferati citam alguns dos principais pontos fracos comportamentais que tornam as pessoas mais vulneráveis a
golpes.
- O desejo de levar vantagem ou ganância. Muitas vítimas caem em golpes, como o 'Pix premiado' e 'ofertas imperdíveis' porque acreditam estar diante de uma oportunidade imperdível. Por exemplo, como um produto com preço muito abaixo do mercado ou um investimento que promete lucros rápidos e garantidos. Essa sensação de estar fazendo um "grande negócio" pode obscurecer o julgamento crítico, impedindo a pessoa de perceber sinais claros de fraude.
- A falta de atenção para checagens. Golpistas sabem que, quando pressionam a vítima a agir rapidamente, reduzem suas chances de investigar a veracidade da situação. Um exemplo clássico são os golpes pelo WhatsApp, onde criminosos se passam por familiares desesperados pedindo dinheiro com urgência. Sem tempo para verificar, muitas vítimas realizam a transferência imediatamente.
SOLIDARIEDADE E EMPATIA SENSIBILIZAM
Os advogados acrescentam ainda os seguintes alertas:
- Empatia e solidariedade: falsas campanhas de doação, como a australiana Belle fez entre seus admiradores, sensibilizam as pessoas para ajudar causas sociais ou vítimas de tragédias.
- O medo de perder algo e a urgência: mensagens falsas sobre contas bloqueadas, dívidas inexistentes ou problemas bancários levam as vítimas a agir sem pensar. O medo vem de pensamentos como"seu nome está negativado", "última chance para resgatar seu prêmio" ou "seu banco identificou uma compra suspeita, confirme agora". Essas condições fazem com que a vítima tome decisões impulsivas para evitar prejuízos ou supostas penalidades.
- Curiosidade e impulsividade: links falsos em mensagens de WhatsApp ou e-mails que prometem informações bombásticas geram cliques sem verificação.
Situações como essas explicam a razão de golpes como os aplicados por Belle Gibson - muitos deles antigos e outros, mais recentes, facilitados por recursos tecnológicos - ainda fazem tantas vítimas. A partir de agora, ao entender os seus pontos fracos, é possível aumentar os cuidados e diminuir a chance de engolir a isca.