Arquiteto premiado explica paixão por projetar escolas

Crédito: Fast Company Brasil

Elissaveta M. Brandon 5 minutos de leitura

Diébédo Francis Kéré cresceu em uma pequena aldeia em Burkina Faso sem eletricidade, água potável, transporte público ou instituições de ensino. Então, ao voltar para casa após ingressar na faculdade de arquitetura em Berlim, a primeira coisa que fez foi construir uma escola.

Este mês, o arquiteto de 56 anos foi agraciado com o prêmio Pritzker, considerado o Nobel dos arquitetos. Conhecido por construir escolas e centros médicos com a ajuda de comunidades locais usando materiais disponíveis, ele é o primeiro arquiteto negro a receber o prêmio mais cobiçado do setor. Ele se junta a outros ícones conceituados da arquitetura, como Philip Johnson, Zaha Hadid e Tadao Ando.

Kéré estudou arquitetura na Universidade Técnica de Berlim, onde se formou em 2004. Ele ainda estudava quando retornou à sua aldeia e construiu a primeira escola da região – seu primeiro projeto. “Temos um dever com nossa comunidade”, afirma. Ele tomou para si essa responsabilidade, mas não queria esperar até se formar e ter uma carreira consolidada. Diz que é comum pensar que só somos capazes de retribuir quando nos tornamos ricos e bem-sucedidos, mas questiona: “Por que esperar? Por que não usar nossos talentos e habilidades para retribuir como podemos?” 

Escola Primária de Gando (Crédito: Erik Jan Ouwerkerk)

A Escola Primária de Gando foi inaugurada em 2001. Sua estrutura de tijolos de barro simples, porém altamente eficiente, rendeu a Kéré o prêmio Aga Khan de Arquitetura. Desde então, ele criou vários outros projetos em toda a África, como uma creche e uma escola primária em Tete, (Moçambique) e o Instituto de Tecnologia de Burkina em Koudougou (Burkina Faso).

Em sua cidade natal, construiu uma série de casas de adobe – técnica que preza pela utilização de materiais de baixo impacto ambiental e faz uso de sistemas alternativos de tratamento de resíduos, consumo de energia e de água – para atrair professores mais qualificados para a região. Hoje, está à frente da construção de uma biblioteca com telhado perfurado por dezenas de panelas de barro artesanais serradas ao meio, para permitir a entrada de luz e a circulação de ar no ambiente.

Kéré conta que sua paixão por projetar escolas vem da pura necessidade. “Se você vem de um lugar onde não existem as escolas, é natural que isso te desperte interesse.” Sem surpresa, seu primeiro projeto estimulou a educação na região. Tantas crianças foram matriculadas na Escola Primária de Gando que ele retornou à aldeia dois anos depois para construir uma extensão.

Os dois prédios da escola agora formam um “L” e receberam quatro novas salas de aula. Perto dali, está criando um complexo de prédios que abrigarão uma escola de ensino médio com um pátio central. “Isso nos mostra a necessidade delas”, diz ele sobre a escassez de escolas na província de Boulgou, onde Gando está localizada.

Escola Primária de Gando (Crédito: Enrico Cano)

Nas três escolas de Gando, Kéré escolheu utilizar o barro como material principal, já que é abundante e tradicionalmente usado para construir casas na região. Para o projeto da Escola Primária de Gando, usou um terço do orçamento para comprar uma máquina de US$ 20 mil que fabrica tijolos de barro. Também criou uma iniciativa, conhecida como Fundação Kéré, para arrecadar fundos. “[A máquina] continua funcionando até hoje”, diz ele, acrescentando que também foi usada para construir a extensão da escola, inaugurada em 2008.

A nova escola de ensino médio, que será concluída em breve, conta com paredes de barro misturado com cimento e agregados. “A vantagem dessa técnica é que você pode construir uma sala de aula em uma semana”, explica Kéré, comparando com o tempo de três meses que é necessário para a construção com tijolos.

Em resposta à paisagem árida e ao clima severo da África, Kéré desenvolve seus projetos levando em consideração a ventilação, a iluminação e o conforto. A Escola Primária de Gando foi coberta com um telhado de zinco para resfriá-la e protegê-la da chuva. Já para o Startup Lions Campus, no Quênia, ele se inspirou nos gigantescos cupinzeiros da região para projetar altas torres de ventilação que ajudam a resfriar o interior e evitar que a poeira danifique os equipamentos de TI.

Startup Lions Campus (Crédito: Kinan Deeb)

Kéré construiu vários projetos fora da África, mas nunca se afasta muito de suas raízes. Em 2017, foi escolhido para projetar o Serpentine Pavilion, em Londres, considerado um dos mais prestigiados do mundo. O teto de ripas é inspirado em uma árvore de Gando. Um funil central coleta a água da chuva e irriga o parque ao redor.

Em 2019, projetou um pavilhão de madeira para o Tippet Rise Art Center, em Fishtail, no centro-sul de Montana(EUA). Feito de troncos de pinho de origem local e tiras de aço, o telhado é inspirado no tuguna, um espaço para coleta de madeira e palha que oferece proteção contra o sol em muitas pequenas comunidades em Burkina Faso.

Escola Secundária Lycée Schorge (Crédito: Andrea Maretto)

Kéré agora está construindo o novo Parlamento de Benim, uma estrutura incrível, apoiada em pilares finos e com um pátio generoso. Também está concluindo um parque infantil de aproximadamente 1,5 mil metros quadrados, além de um centro comunitário em Kampala (Uganda) sobre uma plataforma, que conta com um sistema de drenagem para protegê-lo de inundações.

Para cortar custos, ele adotou a construção modular, sobretudo, utilizando módulos pré-fabricados sobrepostos “para criar um conjunto holístico”. Seu pavilhão em Tippet Rise também foi construído desta forma, assim como muitas de suas escolas. Mas o maior trunfo de Kéré para cortar custos é o treinamento e a capacitação da comunidade local.

“Você precisa de pessoas qualificadas”, diz ele. “Poder construir uma ponte em uma comunidade é ótimo, todos podem se beneficiar disso. Mas, ao capacitar os membros daquela comunidade…” Faz uma pausa, esperando que eu complete a frase. Eles mesmos podem construir o que necessitam.


SOBRE A AUTORA

Elissaveta Brandon é colaboradora da Fast Company. saiba mais