Breque a Friday! Nessa Black Friday, que tal não comprar?

Data de promoções “imperdíveis” estimula hiperconsumo por impulso e acende alerta sobre excesso de uso de recursos do planeta

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Camila de Lira 4 minutos de leitura

A Black Friday começou, qual item comprar? Que tal nenhum? A data chave do comércio é um bom momento para repensar a forma, a rapidez e quantidade que consumimos.

Pesquisa feita pela Mindminers indica que seis em cada 10 brasileiros pretendem realizar compras nesta sexta-feira cheia de descontos. Já a Câmara Brasileira de Economia Digital aponta que 70% dos consumidores querem gastar o mesmo ou mais do que na última Black Friday.

Em 2022, só o faturamento das vendas online foi da ordem de R$ 6,1 bilhão na data e as projeções indicam que, este ano, o valor deve aumentar em mais de 10%. De acordo com pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), mais de 60% dos varejistas brasileiros vão aderir à data de descontos. Destes, 55% têm o objetivo de aumentar o faturamento.

A proporção que a última sexta-feira de novembro tomou para o comércio brasileiro é tanta que, em setembro, as buscas relacionadas ao tema já estavam aparecendo no Google. Segundo a empresa, as procuras por Black Friday subiram 24% nesta época, em comparação com 2022.

Munidas de pesquisas de comportamento, as marcas e, principalmente, os sites de comércio eletrônico, preparam estratégias de venda para esta data desde o começo do ano. Até novembro, a audiência recebe anúncios em redes sociais, e-mails e sites para ficar atenta à Black Friday. O que resulta no frenesi (ou melhor, fear of missing out, o famoso FOMO) e na excitação excessiva, clima perfeito para o hiperconsumo e as compras por impulso. A pessoa sente que precisa aproveitar a ocasião de alguma forma.

Eis que surge uma ação de nome provocador: breque a friday. Promovida pelo movimento Infância Sem Excessos e pelo Instituto Desacelera, a campanha pede para os consumidores pisarem no freio antes de sair comprando.

“Quando falamos sobre parar, pensar e refletir, significa sair do modo automático, interrupto e anestésico dos tempos atuais”, afirma a criadora do Instituto Desacelera, Michelle Prazeres.

A aceleração digital criou uma nova dimensão para as compras: a compra sem pensar, estimulada por uma plataforma que analisa os históricos e compara comportamentos. As redes captam esses dados, entendem as preferências do usuário e apoiam o bombardeio de promoções. É como se o algoritmo conhecesse mais o desejo das pessoas do que elas próprias.

Pausar e ponderar são uma forma de brecar esta máquina.  “Desacelerar não é ser devagar – é não ser automático”, argumenta Michelle.

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Parar e se questionar são essenciais para a prática do consumo consciente, acredita Bruno Yamanaka, especialista de conteúdo do Instituto Akatu. “A dinâmica saudável de consumo passa por reflexão. Precisamos avaliar o que temos, o que precisamos, o que podemos pedir emprestado, comprar de segunda mão ou consertar”, afirma.

O engenheiro ambiental pondera que, em datas como a Black Friday, o mais comum é a pessoa ser levada a adquirir produtos que não cumprem funções necessárias no dia a dia. Se deixar levar pela “compra por impulso”. A aceleração reduz o potencial que a data tem para aqueles que querem economizar e, de fato, comprar o que precisam.

Nesse sentido, algumas perguntas podem guiar aqueles que pretendem participar da Black Friday, de acordo com o escritor e especialista em design sustentável André Carvalhal:

  • Por que estou comprando?
  • Realmente preciso disso?
  • De onde vem essa necessidade?
  • Quais os impactos dessa compra?

As perguntas tiram o consumidor do automático. Para Michelle, o resultado acaba sendo a desistência da compra.

CICLO COMPLETO

Pesquisa feita pela organização britânica Green Alliance mostra que 80% dos produtos comprados na Black Friday acabam no lixo. Nesse sentido, consumo consciente não se trata apenas de deixar de comprar alguma coisa, ou de adquirir produtos "verdes", mas de pensar no ciclo completo do produto. Ou seja, analisar como será sua vida útil e o seu descarte.

Essa atitude ganha ainda mais peso quando se trata de eletrônicos. O Brasil é o quinto maior produtor de lixo eletrônico do mundo, segundo dados mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Fonte: The Global E-waste Monitor 2020

Pesquisa da MFields mostra que 31,5% dos brasileiros têm intenção de comprar eletrônicos na Black Friday. Televisores e smartphones são os itens preferidos. Segundo a Green Eletron, mais de 40% dos brasileiros não sabe o que é lixo eletrônico e 25% não se sentem responsáveis pela reciclagem e descarte destes aparelhos.

De acordo com a ONU, apenas 3% do lixo eletrônico da América Latina é descartado da forma correta e tratado de uma maneira que respeita o meio ambiente.

Pesquisa feita pela Green Alliance mostra que 80% dos produtos comprados na Black Friday acabam no lixo.

André Carvalhal lembra que, a esta altura do ano, o mundo está em déficit com o planeta há três meses. Já é necessário 1,6 vezes os recursos naturais da Terra para dar conta do volume de consumo atual.

O ambientalista contrapõe com outro lado da roda do consumo: a produção. “Existem empresam que produzem a mais considerando o volume de vendas dessa época,. Assim, aumenta-se não só o consumo como a produção.”

“O consumo em altos níveis nos levou onde estamos: crise ambiental, humanitária e econômica. O que está faltando para perceber que esse jeito de viver deu errado?” questiona Michelle.

Talvez falte à Terra uma etiqueta de 50% de desconto.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais