Como a designer capixaba Júlia Loyola foi parar na New York Fashion Week

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 6 minutos de leitura

A história parece saída de um reality show. A designer capixaba Júlia Loyola, criadora da marca Atitú, estava entre um atendimento de cliente e outro, enquanto tinha na cabeça os preparativos para sua nova coleção, quando recebeu um e-mail. Era um convite para a Flying Solo, plataforma que lança novos talentos da moda em desfiles que fazem parte da New York Fashion Week (NYFW).

No primeiro momento, Júlia achou que era spam. O convite era para a edição primavera/verão 2022, marcada para acontecer entre 8 e 12 de setembro. Depois, ao ler com mais calma, viu um endereço. Sua mãe e seu padrasto vivem em Nova York e ela não teve dúvidas: pediu para que checassem se aquilo podia ser verdade. 

Não que tivesse incertezas quanto à qualidade de seu trabalho. Júlia tem 24 anos e é muito convicta de seu talento e dos alicerces de sua jovem marca, apresentada em…31 de agosto de 2020. Sim, a Atitú não tinha ainda um ano de existência quando, do nada, apareceu o tal e-mail da Flying Solo. Fazia sentido, portanto, o questionamento. Estava mesmo sendo convidada para a semana de moda de Nova York, uma das mais prestigiadas do mundo?

A resposta veio rápido: o convite era real. “Mas como? Onde? Quem?”, perguntou, entre extasiada e surpresa. Júlia imagina que deva ter sido indicada para a plataforma por alguém, porém se apressa em dizer que não pediu nada a ninguém. De todo modo, ela destaca o relacionamento personalizado que tem com as clientes, a quem chama de “amigas Atitú”. 

A designer esclarece que sua marca é de slow fashion, um conceito que propõe a valorização da cadeia de produção, da cultura local e dos recursos naturais. Ou seja, de sua loja saem poucas peças por vez, que são feitas por costureiras capixabas. O atendimento, portanto, é fundamental para o negócio. De que forma, afinal, fidelizar clientes se o ritmo de produção é lento em comparação às grifes de fast fashion? 

Mas a explicação mais provável é o fato de a Flying Solo atuar como olheiros da moda. Seus fundadores pesquisam marcas e estilistas pelo mundo e os que lhe chamam mais atenção são chamados para um processo de seleção. Há também a possibilidade de interessados se inscreverem para ter a chance de serem entrevistados. 

SELEÇÃO E CUSTOS  

A designer no desfile

Desde 2016, a cada temporada, seu time busca designers independentes que, após o desfile, podem ter suas coleções expostas em sua imponente loja no Soho – um espaço de 750 metros quadrados na West Broadway – ou comercializadas em seu marketplace. Quem for aprovado no processo de seleção, depois tem de pagar os valores para participar da sessão em um rooftop de Manhattan, dentro da programação da NYFW – no caso, o desfile aconteceu em 12 de setembro. Os custos são US$ 5.900 para grifes e US$ 3.900 para marcas de acessórios, conforme a Flying Solo expõe em seu site.

Por esse montante, os designers têm direito a exibir no show oito looks, contar com equipe de cabelo e makeup para suas modelos, ter fotos e vídeos registrando tudo da passarela e mais bastidores e sessão de entrevistas. A plataforma salienta ainda que os desfiles são acompanhados por publicações como Vogue, WWD, The New York Times, Harper’s Bazaar e Marie Claire, entre outras. Para quem é novo no universo fashion e está à espera da grande chance de brilhar nas passarelas do mundo, isso é altamente sedutor. 

São muitos os candidatos. No desfile da NYFW de fevereiro, a sessão teve a apresentação de 83 marcas de 18 países. Agora, em setembro, foram 110 designers representando 25 nações para mostrar mais de 500 looks. É seu recorde. E só havia uma brasileira lá.

Júlia foi para a fase de seleção em agosto. Não havia muito tempo até o desfile. Foram quatro entrevistas. As perguntas versaram sobre o conceito da marca, seu processo criativo, a ideia da coleção. “Cada uma das entrevistas tinha um foco. Uma era mais comercial, outra mais criativa, outra foi sobre estilo”, lembra. Ela já estava com tudo pronto porque a coleção cápsula vinha sendo elaborada para celebrar o primeiro aniversário da Atitú.

Ao final do processo de entrevistas, foi aprovada. “Não existe isso de ser ‘só pagar’. Você não entra só por indicação. Eles fazem uma seleção de novos talentos com potencial de crescimento. É uma iniciativa de apresentar mesmo novos designers”, afirma Júlia, que acrescenta nunca ter se imaginado na NYFW em tão pouco tempo. 

Batizada de “O futuro é agora”, a coleção apresentada em Nova York é composta por modelos que utilizam fibras naturais, com linho 100% puro, e que adotam fios reciclados. Algumas peças foram produzidas em cores cruas para não ter tingimento artificial. 

Leitora contumaz das pesquisas de tendências apresentadas pela WGSN – empresa que tem foco em consumo e design –, ela idealizou a coleção pensando nos estudos pós-covid divulgados pela plataforma. “Na pandemia, as pessoas usaram muita roupa confortável em casa, mas não queriam se sentir desleixadas”. Com isso, investiram no conforto nas peças de baixo e, para a parte mais visível nas videoconferências, utilizavam elementos mais sofisticados. Por isso, algumas roupas da coleção utilizam elástico na cintura, para que se tenha na rua um pouco do conforto de casa, ao qual se acostumaram nos tempos de isolamento. 

Nas palavras de Júlia, sua marca se caracteriza por uma moda descomplicada, com roupas confortáveis, funcionais e que agregam charme ao dia a dia. Esse conceito reflete sua própria experiência. “Saio cedo e preciso transitar com a mesma roupa o dia inteiro. Não tenho tempo de ir para casa e me trocar. Então, projeto peças que podem servir para todos os compromissos do dia”, diz. 

REPETIR ROUPA É CHIQUE 

Além disso, as paletas escolhidas, com tons mais neutros e sem estampas, são para combinar com tudo. “Eu acredito que repetir roupa é chique. E quanto mais você a usa, mais barata ela fica. O que importa é a quantidade de vezes que você vai aproveitar uma peça. O slow fashion é o oposto do fast fashion”, completa.

Créditos: divulgação

A designer conta ainda que a Atitú tem três princípios, todos começados com “A”: ser atemporal (a roupa precisa ser coringa); autoral (“Desenvolvo tudo do zero, mas me abasteço de muitas informações, como as que absorvo da WSGN”); e artesanal. 

E o nome da marca, a que se deve? “É por causa da minha atitude, que decidi deixar de ser advogada para fazer roupas. Atitude marca minha transição de carreira”, afirma. Recém formada, Júlia estava já com três propostas de emprego quando resolveu remar contra a maré. Sua família, que é do varejo da moda, já tinha lhe falado que “iria passar necessidade” se escolhesse viver disso. “Eles conhecem como é o mercado”. Mesmo assim, depois de ter estudado design de produto de moda na Faculdade Belas Artes, em São Paulo, Júlia resolveu se aventurar e criar sua marca. 

Por isso, ao final do desfile em Nova York, ela se emocionou a ponto de chorar. Para arrematar, todas as peças que levou para a Flying Solo já foram vendidas e ela ainda atendeu três clientes na cidade. A coleção entrou em pré-venda no site da Atitú depois do desfile e Júlia foi convidada para a Paris Fashion Week, em fevereiro, e para a Miami Fashion Week, em julho. Ou seja, a temporada 2022 promete.


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais