Ponto de vista: como o governo Trump afeta a imagem dos EUA no mundo

Entre boicotes, protestos e uma crescente hostilidade, os Estados Unidos podem estar mais impopulares agora do que desde a guerra do Iraque

Crédito: Freepik

Joe Berkowitz 6 minutos de leitura

Se há algo mais norte-americano do que beisebol e torta de maçã, talvez seja a Estátua da Liberdade. Esse ícone mundialmente reconhecido já apareceu em selos, cédulas de dinheiro e até na franquia “Planeta dos Macacos”.

A imponente escultura azul-esverdeada, vestida com toga, simboliza democracia, independência e a terra das oportunidades. Mas, em 2025, um representante do país que deu esse presente aos EUA sugeriu que talvez fosse hora de devolvê-la – mais um indício de como a imagem dos Estados Unidos está se tornando tóxica.

Durante uma reunião de seu partido, um parlamentar francês brincou (ou talvez não) ao dizer: “vamos mandar um recado aos americanos, que escolheram apoiar tiranos e perseguir cientistas por defenderem a liberdade de pesquisa: ‘Devolvam a Estátua da Liberdade’”.

Ele pode ter falado em tom de ironia, mas não está sozinho ao questionar o que os Estados Unidos ainda têm a oferecer ao mundo – e vice-versa.

REAÇÃO GLOBAL CONTRA MARCAS NORTE-AMERICANAS

Os boicotes a produtos norte-americanos vêm crescendo em diferentes países. No Canadá, passaram a chamar o “café americano” de “café canadense”. Na França e na Suécia, um grupo no Facebook dedicado ao boicote aos EUA já reúne quase 80 mil membros. 

Na Dinamarca – que controla a Groenlândia, território que Trump tentou anexar –, cresce uma campanha popular contra produtos norte-americanos. A a maior rede de supermercados do país passou a marcar os preços de produtos europeus com uma estrela preta, ajudando os consumidores a identificar e evitar itens dos EUA.

Mesmo sem boicotes organizados, as vendas de produtos norte-americanos devem cair no exterior. Com a instabilidade econômica e as interrupções na cadeia de suprimentos, a Tesla dificilmente será a única empresa a ver seus números despencarem neste ano. 

O Canadá já retirou os produtos da Jack Daniel’s das prateleiras em retaliação às tarifas de Trump e a Beyond Meat admitiu o temor de que sua receita seja afetada pelo “sentimento antiamericano”.

Desde que Donald Trump reassumiu a presidência em 20 de janeiro, os Estados Unidos se afastaram de boa parte do mundo. Suas políticas comerciais agressivas criaram atritos com aliados, impondo tarifas pesadas de forma errática e confusa.

Ele tem adotado uma postura imperialista, ameaçando anexar o Canadá – seu maior parceiro comercial –, além do Canal do Panamá e da Groenlândia. 

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Trump retrata a Ucrânia como a vilã na guerra contra a Rússia e condiciona a ajuda militar à exploração de minerais raros para atender os interesses norte-americanos. Além disso, seu governo cortou 90% do financiamento da USAID, o que, segundo o “The New York Times”, pode levar à morte de 1,65 milhão de pessoas por AIDS este ano. 

A repressão interna contra dissidentes também levanta dúvidas sobre se os EUA ainda podem ser vistos como um símbolo de democracia. No mês passado, torcedores de hóquei no Bell Centre, em Montreal, vaiaram o hino nacional norte-americano em diversos jogos – a manifestação claramente não era apenas sobre esportes.

E esse pode ser apenas o começo de uma reação global ainda maior.

CRITICAR OS EUA AGORA RENDE VOTOS

Líderes de vários países perceberam que criticar os Estados Unidos pode ser um trunfo político. No Canadá, a vitória das eleições parecia garantida para o Partido Conservador, com pesquisas no final de 2024 mostrando o Partido Liberal 26 pontos atrás. 

Mas, conforme o recém-eleito primeiro-ministro Mark Carney endurecia seu discurso contra as tarifas e ameaças de anexação de Trump, a disputa começou a se acirrar. Em seu discurso de vitória, Carney declarou que os EUA agora são “um país no qual não podemos mais confiar”. 

Na Groenlândia, o partido Democratas, de Jens-Frederik Nielsen, venceu as eleições de 11 de março, impulsionado por sua resistência às ameaças de Trump de incorporar o território. Na França, o senador Claude Malhuret viralizou após um discurso inflamado contra os EUA. 

Os boicotes a produtos norte-americanos vêm crescendo em diferentes países.

“Washington virou a corte de Nero”, declarou ele. “Um imperador incendiário, cortesãos submissos e um bufão sob efeito de cetamina encarregado de desmontar o serviço público.”

Com a relação cada vez mais desgastada, alguns desses líderes estão buscando novas alianças. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, convocou uma reunião com líderes de 18 países para formar uma “coalizão disposta” a apoiar a Ucrânia – sem convidar os EUA.  

O mesmo aconteceu em uma cúpula de segurança na França, que reuniu mais de 30 nações da OTAN, mas sem a presença norte-americana. Nesta semana, o premiê canadense, Mark Carney, sugeriu que o país amplie o comércio com o Reino Unido, França e Europa, caso os EUA continuem “olhando apenas para si mesmos”.

OS ARRANHÕES NA IMAGEM DOS EUA

O turismo canadense para os Estados Unidos caiu 20% desde fevereiro e a hesitação em viajar para o país tem se espalhado. Segundo o “The Washington Post”, as viagens internacionais para os EUA devem cair 5% este ano, causando um prejuízo de US$ 64 bilhões ao setor. 

Com cada vez mais relatos de visitantes estrangeiros sendo detidos sem justificativa e submetidos a condições precárias, os Estados Unidos deixam de ser um destino atraente, até mesmo para conferências.

protesto contra a Tesla reflete a atual imagem dos EUA no mundo
Protesto contra a Tesla na Califórnia (Crédito: Leonardo Muno/ AFP/ Getty Images)

A insatisfação em relação aos EUA também vem tomando as ruas. No Panamá, protestos recentes foram motivados pelas ameaças de Trump de retomar o controle do Canal. Mais de 120 eventos do movimento Stand Up for Science (Em defesa da ciência) aconteceram fora dos EUA, criticando os cortes de financiamento à pesquisa.

Outros protestos têm como alvo Elon Musk, com pichações contra ele no Reino Unido e ataques a uma loja da Tesla na França, onde 12 carros foram destruídos.

Em 2023, quase metade dos europeus ocidentais entrevistados pelo YouGov tinha uma visão favorável dos EUA. Agora, após o retorno de Trump, esse número despencou para 37% no Reino Unido, 34% na França, 32% na Alemanha e apenas 20% na Dinamarca.

UM CICLO DE ASCENSÃO E QUEDA

A reputação dos Estados Unidos oscila há décadas. Depois do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, o país teve a simpatia do mundo, mas a desperdiçou com a invasão do Iraque, que gerou protestos em mais de 600 cidades. Na época, turistas norte-americanos chegaram a comprar “kits canadenses” para evitar hostilidade ao viajar.

os Estados Unidos deixam de ser um destino atraente até mesmo para conferências.

Anos depois, a imagem dos EUA começou a se recuperar. O governo Obama restaurou parte da confiança internacional, especialmente após a adesão ao Acordo de Paris, em 2015. Mas, sob Trump, a confiança na liderança norte-americana caiu para um recorde negativo de 30%.

Talvez essa seja a dinâmica inevitável: os EUA perdem prestígio e depois tentam recuperá-lo a cada quatro ou oito anos. Mas, enquanto o atual governo continuar desgastando sua própria imagem, a frase “Made in America” pode acabar significando, em qualquer idioma, um alerta: “cuidado ao comprar”.


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais