Enxurrada de parcerias: Netflix aposta em “virada” com Stranger Things

Crédito: Domino’s/ Netflix

Jeff Beer 6 minutos de leitura

Agora você pode fazer seu pedido na Domino's como a personagem Eleven: usando apenas “o poder da mente”. O truque é parte da nova campanha temática do aplicativo da pizzaria, que usa a tecnologia de reconhecimento facial para rastrear o olhar dos clientes, que conseguem escolher seus itens sem tocar a tela. Mas talvez você prefira petiscar os novos Doritos edição limitada Stranger Things, que vêm em embalagem com ilustrações 3D. Para não perder a hora da aula ou do trabalho, você pode usar um relógio da Timex inspirado na série e combiná-lo com uma mochila da Jansport – adivinha só! – inspirada no mesmo universo. Nos dias de folga, você pode vestir sua camiseta Quiksilver da Stranger Things para dar uma voltinha com o seu cachorro no parque. Chegando lá, você pode fazê-lo correr atrás de um brinquedo em formato de waffle com a assinatura da série. Se você tiver uma festa ou um encontro, pode investir nos cosméticos MAC da linha Stranger Things.  Só não vale queimar a largada e disputar uma partida da nova versão de Banco Imobiliário antes de terminar a quarta temporada da série. Sim, o jogo de tabuleiro temático contém spoilers 

Estes são apenas alguns dentre os diversos produtos vinculados à série de sucesso da Netflix, que acabou de lançar a primeira leva de episódios da sua quarta temporada. Na terceira temporada, a Netflix trabalhou com cerca de 75 marcas diferentes, vinculando produtos a Stranger Things. Tudo foi criado conforme cresceu o impulso cultural e a sensação geral de que assistir a esse programa era uma experiência coletiva única. 

A série manteve com sucesso esse sentimento – e a lista de produtos licenciados – que geralmente só acontece com filmes que são sucesso de bilheteria. Havia também uma situação diferente no caso Stranger Things: como o modelo de negócios da Netflix dependia de sua enorme base de mais de 150 milhões de assinantes na época, eram as marcas que precisavam se enquadrar nos padrões da gigante do streaming, para provar que eram dignas de associação com a empresa e com seu espetáculo popular.

Agora, na onda da quarta temporada, essa dinâmica se tornou ainda mais importante. Em seu relatório de ganhos mais recente no mês passado, a empresa disse que havia perdido cerca de 200.000 assinantes, a primeira queda desde 2011. Embora a Netflix ainda lidere com mais de 220 milhões de assinantes em todo o mundo, ela vem lutando para manter seu domínio dentre os streamings conforme os concorrentes aumentam suas apostas - seja a Prime Video, a Paramount Plus, a HBO Max, a Disney Plus, a Apple TV Plus ou outros mais novos. 

Nos anos anteriores, Stranger Things tinha o zeitgeist do streaming só para si. Agora, o programa enfrenta a concorrência de Obi-Wan Kenobi, que estreiou na Disney no mesmo dia.

TUDO O QUE VEM PARA SOMAR

Jason Harris, CEO e cofundador da premiada agência criativa Mekanism, diz que as apostas para as colaborações de marca desta temporada são significativamente maiores. Porém, ele não está preocupado com a qualidade ou o alcance dessas colaborações. Como os executivos da Netflix já reconheceram publicamente, pela primeira vez, a necessidade de abrir espaço na plataforma de streaming para a publicidade, Harris prevê que a plataforma vai usar parte de seu enorme orçamento destinado ao conteúdo (até agora) para fazer hits mais amigáveis ​​​​ao licenciamento de produtos de diversas marcas. “O desafio para a Netflix é que existem muitos programas de grande sucesso em sua grade, e as marcas vão querer anunciar durante as exibições”, explica Harris. “Mas Stranger Things é diferente, porque desperta a nostalgia, o que está super em alta com o público mais jovem agora. Não há muitos programas da Netflix que sejam grandes o suficiente para que as marcas queiram ser associadas a eles em seus produtos.”

Para Stacy Taffet, vice-presidente de marketing da Frito-Lay North America, a decisão de se associar à Netflix e Stranger Things foi muito fácil. Ela já tinha assistido às aparições sutis (e não oficiais) dos salgadinhos Doritos em Stranger Things. Além disso, o ano em que a quarta temporada se passa, 1986, é o ano em que a marca lançou seu lendário sabor Cool Ranch. Isso criou uma associação praticamente automática, nem foi preciso pensar muito. “Além disso, Stranger Things atrai muitas gerações diferentes, especialmente a Geração Z, que é um dos principais públicos de Doritos”, diz Taffet.

A marca de salgadinhos vai fazer um evento online dia 23 de junho, uma semana antes do lançamento da segunda leva da quarta temporada. Nesse evento, a marca vai relançar sabores que fizeram sucesso em sua história, como The Go-Go's, Corey Hart e Soft Cell, juntamente com seu sucesso contemporâneo, o sabor Charli XCX.

Esse mesmo público jovem também foi o principal motivo pelo qual a Domino's assinou sua parceria. Como Kate Trumball, vice-presidente sênior de marca e inovação da pizzaria, disse à Fast Company: “Esta é uma jogada para atingir um público mais jovem, e suas expectativas são maiores. Eles não querem ser seduzidos pela propaganda de maneiras óbvias.”

Não existem Doritos com o tema Ozark. Isso não quer dizer que o chá da marca Republic of Tea inspirado na série Bridgerton ou a jaqueta da Nike inspirada no drama Top Boy não sejam populares, mas eles simplesmente não estão atingem a mesma escala de fãs que os personagens de Hawkins.

O DESAFIO ESTÁ NAS PARCERIAS

Talvez não tenha sido por acaso que Netflix lançou essa temporada de StrangerThings em dois segmentos.  Provavelmente, a plataforma está forçando os fãs a permanecerem como seus clientes durante, pelo menos, alguns meses – o que corresponde a dois trimestres financeiros. O aumento de assinantes, ou pelo menos a manutenção dos números, certamente soará bem nos balanços da empresa.  Mas a importância de impulsionar as parcerias da marca Stranger Things e de encontrar uma maneira de expandir essa estratégia em mais programas é uma jogada crucial de longo prazo.

Em 2013, o CEO da Netflix, Ted Sarandos, afirmou que o objetivo da plataforma “é se tornar a HBO antes que a HBO se torne nós”. Mas o jogo mudou. Com novos concorrentes mergulhados em publicidade, e especialmente com a máquina de merchandising e de parcerias que é a Disney, o trabalho de marca da Netflix com Stranger Things precisa ser uma prova de que a Netflix é capaz de rivalizar com o Mickey em termos de parcerias com marcas. Com sua dedicação à tomada de decisões orientada por dados, a Netflix pode se tornar o criador de conteúdo mais bem posicionado e criar, como sugeriu Harris, programas mais amigáveis ​para emparelhar com as marcas. Se a Netflix produzir mais programas populares que estendam seu sucesso por meses e anos, isso criará mais oportunidades para experiências na vida real, para jogos de videogame e, sim, para vender pizza. 

É isso que as marcas querem quando procuram ofertas de publicidade e patrocínio. E é isso que acabará por ajudar a virar de cabeça para baixo a atual trajetória descendente de assinantes da Netflix.


SOBRE O AUTOR

Jeff Beer cobre publicidade, marketing e criatividade para a Fast Company. saiba mais