Europeus buscam atrair cientistas que podem perder financiamento nos EUA

Universidade francesa lança programa para recrutar e apoiar pesquisadores norte-americanos – e não é a única instituição europeia fazendo isso

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Patrick Sisson 4 minutos de leitura

Pesquisadores e cientistas nos Estados Unidos estão enfrentando uma série de desafios no governo Trump: cortes bilionários no financiamento federal, restrições à liberdade acadêmica e limitações sobre os tipos de pesquisa que podem ser realizadas.

Além disso, demissões significativas têm criado um ambiente cada vez mais hostil para a ciência. Diante desse cenário, uma universidade europeia decidiu oferecer uma alternativa.

A Universidade Aix-Marseille, na França, lançou recentemente o programa Safe Place for Science (Refúgio para a Ciência), uma iniciativa para atrair e apoiar cientistas norte-americanos em meio ao que seus organizadores chamam de “nova fuga de cérebros dos EUA”.

Para Denis Bertin, presidente do Instituto de Estudos Avançados e diretor do programa, essa crise exige uma resposta global. Ele defende que a continuidade de pesquisas essenciais e avanços científicos não pode ser comprometida por questões políticas e acredita que programas como esse devem se expandir não apenas na França, mas em toda a Europa.

Bertin também expressa preocupação com as políticas do governo Trump contra a diversidade, equidade e inclusão (DEI), além de relatos de que propostas de financiamento podem ser rejeitadas com base na presença de certas palavras ou expressões. “Os cientistas estão assustados e se autocensurando”, diz ele. “Quero que saibam que há uma luz no fim do túnel.”

A resposta ao programa foi imediata: apenas uma semana após o lançamento, em 5 de março, mais de 40 pesquisadores norte-americanos manifestaram interesse. Entre eles, há especialistas de diversas áreas – de humanidades e estudos de gênero a pesquisas ambientais e desenvolvimento de vacinas.

O interesse de pesquisadores dos EUA por oportunidades internacionais já vinha crescendo.

Os candidatos vêm de instituições de prestígio como Stanford e Yale, além de órgãos como a NASA e o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH).

Os cortes propostos pelo governo Trump podem ter um impacto profundo na pesquisa acadêmica norte-americana. O fim do financiamento indireto do NIH, que apoia estudos em medicina e biotecnologia, pode retirar bilhões de dólares das universidades.

Além disso, a redução de verbas para órgãos como a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) ameaça comprometer a liderança dos EUA na ciência climática e acentuar a fuga de cérebros dos EUA.

FACILIDADES PARA PESQUISADORES INTERNACIONAIS

O Safe Place for Science conta com o apoio do Ministério da Educação e Pesquisa da França, que investirá € 15 milhões para financiar 15 pesquisadores. Cada um receberá entre € 600 mil e € 800 mil ao longo de três anos para desenvolver seus estudos na Universidade Aix-Marseille.

Além do suporte financeiro, governos locais e regionais e câmaras de comércio estão trabalhando juntos para facilitar a chegada dos pesquisadores, oferecendo apoio em questões como emprego, transporte e vistos.

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Em um comunicado oficial, Renaud Muselier, presidente da região Provence-Alpes-Côte d’Azur e vice-presidente da associação Regiões da França, declarou: “Estamos prontos para recebê-los e torná-los verdadeiros filhos do nosso país!”

Outras universidades francesas já planejam iniciativas semelhantes. Em Toulouse, por exemplo, algumas instituições estão desenvolvendo projetos para aproveitar a fuga de cérebros dos EUA e atrair pesquisadores internacionais.

E esse movimento não se limita à França. A Vrije Universiteit Brussel, na Bélgica, anunciou a abertura de 12 vagas para cientistas estrangeiros, com um foco especial em acadêmicos norte-americanos que atuam em áreas socialmente relevantes. Além disso, a universidade disponibilizará 18 apartamentos para acomodá-los.

FUGA DE CÉREBROS DOS EUA NÃO É DE AGORA

O interesse de pesquisadores dos EUA por oportunidades internacionais já vinha crescendo. Segundo a revista “Science”, várias universidades pelo mundo vêm registrando um aumento no número de candidaturas vindas dos Estados Unidos.

No entanto, muitas dessas instituições enfrentam dificuldades financeiras e nem sempre têm apoio governamental para facilitar vistos e oferecer bolsas a cientistas estrangeiros.

A busca por talentos norte-americanos também não é novidade. A Universidade de Helsinque, na Finlândia, por exemplo, tem campanhas voltadas a pesquisadores dos EUA há anos, como parte de um esforço para se posicionar como um destino acadêmico internacional. Nos últimos dois anos, o número de cientistas norte-americanos interessados na instituição dobrou.

restrições à liberdade acadêmica e onda de demissões têm criado um ambiente cada vez mais hostil para a ciência nos EUA.

Para Bertin, no entanto, o Safe Place for Science não é apenas uma estratégia de captação de talentos – é um compromisso genuíno com a ciência e os pesquisadores em risco. “Não estamos fechando portas. Estamos abertos a todas as possibilidades”, afirma.

Os cortes no financiamento à ciência nos EUA não afetam apenas o país com a fuga de cérebros. A pesquisa é um campo interconectado e uma redução drástica de investimentos pode atrasar avanços e descobertas em nível global.

Por isso, Bertin acredita que a resposta da Europa deve ser rápida e reforçar os laços históricos entre os dois continentes. “Estados Unidos e Europa sempre se ajudaram em momentos difíceis”, diz ele.

“Nosso programa, que busca acolher pesquisadores norte-americanos em universidades europeias, é uma resposta concreta à crise nos EUA. Estamos mostrando que continuamos prontos para apoiar e proteger a ciência.”


SOBRE O AUTOR

Patrick Sisson é colaborador da Fast Company e cobre o setor de desenvolvimento urbano e mercado imobiliário para o ranking anual Most... saiba mais