Jogo Justo? Filme mostra como relações de poder afetam a carreira das mulheres

Produção foi lançada em outubro e leva ao limite algumas situações com o intuito de chamar a atenção, já que muitas vezes são relevadas

Crédito: Netflix

Rafael Farias Teixeira 5 minutos de leitura

O filme "Jogo Justo" (Fair Play) chegou à Netflix em outubro e gerou várias discussões ao mostrar episódios de comportamentos tóxicos no local de trabalho, nas relações pessoais e profissionais. 

Na história, Emily (Phoebe Dynevor) e Luke (Alden Ehrenreich) começam a ter um caso enquanto trabalham na mesma empresa do mercado financeiro. Mas uma promoção cobiçada faz com que a dinâmica de poder mude e o relacionamento dos dois se transforme em algo abusivo. 

São diversas cenas em que a dinâmica no ambiente profissional pode até parecer um pouco exagerada, levando ao limite algumas situações com o intuito de chamar a atenção, já que muitas dessas situações ainda são relevadas.

 A Netflix, inclusive, produziu um conteúdo mostrando cenas de "Jogo Justo" para especialistas em recursos humanos que apontam todas as atitudes incorretas tomadas pelos profissionais. 

"Ele traz uma visão bem interessante do que acontece na realidade e, claro, com uma dose de emoção. Contudo, as situações ali retratadas são bem mais recorrentes no cotidiano corporativo do que imaginamos", diz Raissa Florence, cofundadora e diretora de marketing e vendas da Korú, startup e ecossistema de aprendizagem em tecnologia e outras carreiras de alta demanda no Brasil.

"Questões como relacionamento entre funcionários com temor constante de que, principalmente a mulher, seja prejudicada; situações de abuso de poder na relação liderança/ subordinado e temáticas como relacionamentos abusivos com impacto na carreira são temas, infelizmente, habituais na vida de muitas executivas hoje no Brasil", afirma Florence.

A ARMADILHA DA "MASCULINIZAÇÃO"

Um dos pontos importantes de "Jogo Justo" é falar dos desafios de uma mulher bem-sucedida em um ambiente extremamente masculino como o mercado financeiro e, além disso, em posição de liderança.

"A realidade é que, quanto mais subimos nas escalas de trabalho, menos mulheres vemos ao redor. Nos últimos anos, houve uma evolução considerável de mulheres ocupando posições de liderança, mas o ritmo ainda é muito lento em relação à necessidade de expansão", comenta Florence.

Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Instituto FSB, as mulheres ainda ocupam pouco mais de 29% das posições de liderança nas indústrias do Brasil. Nos últimos cinco anos, elas passaram de 13% para 17% dos executivos em posição de CEO, de acordo com dados do Talenses Group.

Fonte: Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Instituto FSB

Para superar os desafios de ambientes de trabalho mais masculinos, é necessário uma dose extra de jogo de cintura, porém de firmeza e clareza no discurso, aponta Florence. "Acredito que a melhor forma é ter forte autoconfiança para seguir frente aos desafios, colocando limites claros todas as vezes que for necessário."

Ela explica que a "masculinização" feminina, nesse caso, acaba sendo uma armadilha na qual muitas mulheres caem ao tentar mimetizar comportamentos dos homens em vez de potencializar sua força e autoconfiança – o que acaba sendo extremamente nocivo.

Colocar sua opinião, buscar espaços de fala e, principalmente, estimular outras mulheres em posição de liderança são a chave para mudar esse tipo de ambiente.

RELACIONAMENTOS NO TRABALHO

No filme fica evidente que o relacionamento entre colegas de trabalho acontece de forma escondida por receio – em especial, por parte de Emily – do que poderia acontecer caso se tornasse público.

"O filme mostra como isso é uma preocupação principalmente para as mulheres. Porém, o fato é que o código de conduta foi quebrado e eles deveriam comunicar imediatamente a área de recursos humanos, para que as medidas fossem tomadas", diz Florence.

as mulheres ocupam pouco mais de 29% das posições de liderança nas indústrias do Brasil e, nos últimos cinco anos, elas passaram de 13% para 17% dos executivos em posição de CEO.

"Outro ponto relevante é que Emily acaba assumindo como líder de seu parceiro e tenta 'ajudá-lo', deixando o caráter impessoal de liderança de lado, o que também é uma postura que pode ser condenável. O correto seria comunicar o relacionamento o mais rápido possível à área de RH da empresa (o que, no caso, não existia) para que o vínculo fosse contornado da melhor maneira possível."

Para evitar esse tipo de problema, é necessário que haja uma política clara da empresa e um canal de compliance para que os funcionários possam comunicar situações – como o relacionamento com um colega – sem sentirem que serão, de alguma, forma prejudicados.

Em casos assim, as partes não podem ser diretamente subordinadas uma à outra nem ter qualquer tipo de influência na tomada de decisão da carreira do parceiro, muito menos conflitos de interesse ou compartilhamento de informações confidenciais. "Todos esses temas precisam ser blindados por uma política de compliance que consiga orientar e conduzir esse tipo de situação", explica a diretora da Korú.

4 LIÇÕES DE "JOGO JUSTO"

1. Demissão é uma situação delicada, que deve ser tratada em particular

No filme, a demissão de um funcionário é feita em uma sala de vidro em frente a todo o time; por outro lado, a reação do demitido reflete uma postura que já deveria ter sido observada pelo RH. O que ocorre é uma depredação do patrimônio da empresa presenciada por todos.

2. Horários e limites devem sempre ser respeitados  

O dono da empresa liga às 2h para a funcionária. "A não ser que esteja descrito nas atribuições do cargo, o líder não deveria ligar para um subordinado a uma hora dessas, principalmente para encontrá-lo em um local que não seja de trabalho", diz Florence.

O caráter não profissional da situação deixa evidente uma mistura entre o âmbito pessoal e o profissional de forma exacerbada e uma necessidade de subordinação extrema dentro da empresa.

3. Assédio moral não é método de gestão

Quando Emily comete uma falha e é ofendida brutalmente pelo dono da empresa, fica implícito que ele estava fazendo isso com intuito de desestabilizá-la. "Em muitos setores, isso é visto como 'padrão'. Mas, claramente, é algo completamente descabido para o ambiente profissional." 

4. Alerta ligado para os sinais de comportamento abusivo

O retorno de Luke à empresa, claramente entorpecido, com direito a ofensas e atitudes violentas, é outra demonstração impactante de reação não adequada ou proporcional ao ambiente de trabalho. "Deixou evidente que, além da falta de cumplicidade que tinha com a parceira, havia também um viés violento permeando a situação e até colocando em risco os colegas." 


SOBRE O AUTOR

Rafael Teixeira Farias tem mais de 14 anos de carreira em jornalismo e marketing digital, além de sete livros de ficção já publicados. saiba mais