MECA (Inhotim) 2023: sustentabilidade, afeto e humanidade ainda têm espaço na inovação

Evento discutiu o futuro sem precisar falar sobre inteligência artificial generativa

Crédito: Divulgação

Camila de Lira 5 minutos de leitura

É possível discutir as tendências de inovação sem repetir os trending topics? O MECA (Inhotim) deste ano provou que sim. Durante os três dias de discussões e debates em Inhotim, a palavra ChatGPT, que aqueceu as salas do SXSW e do WebSummit, não foi citada. Neste final de semana, o festival escolheu outro caminho para discutir os futuros possíveis.

Os 13 talks que se dividiram nos três dias do festival (04, 05 e 06 de agosto) trataram sobre assuntos como mudanças climáticas, sustentabilidade, humanidade e afeto. Como acontece nas instalações de arte espalhadas por Inhotim, a tecnologia estava lá, mas não era o foco.

A inteligência humana e a inteligência artificial, no final das contas, não precisam ser separadas, como explica o CEO do MECA, Rodrigo Santanna. "No futuro, a gente vai se dar conta de que somos feitos de tecnologia, que emoção é tecnologia", diz.

Crédito: MECA (Inhotim) / Divulgação

Segundo Santanna, o festival quis criar uma atmosfera de conexão entre ideias e pessoas. O resultado foi um evento que surpreendeu. Até mesmo discussões sobre redes sociais e sustentabilidade não foram pelo caminho esperado. Em um painel sobre comunicação digital e memes, as risadas e a camaradagem tomaram conta da Igrejinha, espaço voltado para as discussões.

No talk que encerrou a programação de debates, o diretor, roteirista e artista social Alberto Pereira Júnior compartilhou que se faz essa pergunta cada vez que posta algo em suas redes sociais: "será que estou sendo humano com os outros?". O tema da conversa era sobre economia da atenção e a discussão não foi sobre curtidas, audiência ou conversões, mas sobre histórias, afeto e intenção.

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Júnior dividiu parte do seu processo de criação de conteúdo, com calma e sem olhar para as polêmicas da semana. Em um ambiente que privilegia a rapidez a qualquer custo, desacelerar é uma resistência.

Também neste painel, a atriz e influenciadora Aline Borges trocou sobre como passou a criar conteúdo online. "Todo mundo cobra, você tem que entregar conteúdo, tem que falar, tem que dar as opiniões na hora que os fatos acontecem. Precisa ter a humildade de reconhecer quando falar e quando calar", afirmou.

Nesse sentido, o próprio ambiente de Inhotim, os jardins de Burle Marx e as galerias, trazem a calma. A programação do festival, na medida do possível, seguiu contra o excesso de informação. As apresentações musicais foram espaçadas e cada artista aproveitou o tempo no palco. O mesmo aconteceu com os talks. Para Santanna, esses detalhes criam a atmosfera de troca de ideias.

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SHOWS SEM PRESSA

Nos três dias de festival, os shows reforçaram a mensagem de um futuro afetivo. O palco principal foi montado para ficar próximo do público. Por lá, artistas como Rodrigo Amarante e Adriana Calcanhoto optaram por fazer shows intimistas.

A banda brasileira Tuyo trouxe emoção e energia para o Inhotim, e as argentinas do Las Ligas Menores brincaram com a nostalgia dos anos 90 em seu setlist.

 Já Daniela Mercury fez uma apresentação especial para o Inhotim, em um palco projetado pela artista mineira Jeane Terra. A cantora baiana homenageou Zé Celso, Gal Costa e Rita Lee, nomes importantes da arte brasileira que morreram recentemente.

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SUSTENTABILIDADE NÃO É MAIS O BASTANTE

Todo o festival contou com painéis de energia solar. A Heineken, uma das principais apoiadoras, não só fez um palco a partir de reutilização de materiais como também distribuiu copos retornáveis durante os shows. Assim, o público que lotou o jardim principal do parque não produziu lixo em excesso.

Na sexta-feira, a sustentabilidade foi tema do talk mais procurado do primeiro dia. Nesta discussão, o termo foi colocado como “ultrapassado”. "O termo sustentabilidade sempre foi muito ligado a futuro, a salvar as próximas gerações. Precisamos readaptar o conceito para poder tratar sobre o presente”, afirmou André Carvalhal, escritor e especialista em design para sustentabilidade.

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Brumadinho, a cidade sede de Inhotim, é um exemplo de como é essencial discutir reações imediatas aos impactos ambientais. Em 2019, o município foi cenário do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, o segundo maior desastre industrial do século. "O que a gente está fazendo hoje em dia é sustentar uma agenda de morte", disse Carvalhal.

Segundo Daniel Conti, diretor da 1.2.3.5.8 (iniciativa que cria marketing de valor compartilhado para marcas), as grandes empresas estão passando por uma transição, do modelo de produtoras para o do “protagonismo útil”. “As marcas estão demonstrando que podem fazer algo útil para a audiência e para o planeta”, disse Conti.

AFETO PARA COLAR

Para o consultor de cultura e impacto e estrategista Pedro Cruz, a tecnologia será apenas um apoio para a “mudança de chave”. O executivo participou de um debate sobre os novos caminhos para a comunidade LGBTQIAP+, no qual tratou do papel das empresas. “Precisamos humanizar os dados para tomar ações de diversidade. É preciso desenvolver cultura, ir além dos indicadores e das perspectivas numéricas”, afirmou.

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A inovação vem quando se entende que não se trata de criar um produto diferente ou uma funcionalidade distinta em um ambiente digital, mas de repensar a estrutura toda. “Inovação não é embalar o produto com um papel amigável ao meio ambiente, tem a ver com relações, com afeto”, disse a escritora e ativista, Milly Lacombe, que participou de um dos talks sobre o futuro da diversidade.

Para ela, o mundo digital está se tornando cada vez mais violento porque há o pressuposto de que, dentro deste ambiente, o usuário é apenas mais um para fazer o algoritmo rodar. O que pode transformar esse ambiente é a humanização.

No festival, foram levantadas dúvidas sobre o novo ambiente digital e as tendências que giram em volta dele. “Para que refazer o mundo no metaverso, se o que a gente vive já deu errado? Não seria melhor recriar um outro mundo?”, questionou a moderadora dos debates, Fatini Forbeck, CEO da Aquilombar Produções.

Ao dar espaço e voz para as perguntas que ainda estão sem respostas, o MECA (Inhotim) acabou falando sobre inovação de uma maneira pouco óbvia e necessária. Porque não adianta ter a IA mais poderosa do mundo se ninguém olhar para o que há de humano no planeta.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais