Mercado de milhões? No Brasil, metade dos creators recebem até R$ 5 mil por mês
Pesquisa mostra que 81% dos criadores de conteúdo vivem exclusivamente da sua produção, mas há desigualdade racial na distribuição dos valores
A economia dos criadores de conteúdo não para de crescer no Brasil. Mesmo assim, a renda média dos creators segue longe do glamour. Um pouco mais da metade dos influenciadores recebe até R$ 5 mil por mês, como indica a nova edição da pesquisa Creators & Negócios, feita pela Brunch e pela Youpix.
Embora seja uma renda maior do que a do salário mínimo nacional, ela não corresponde às exigências de horas de trabalho, perda de privacidade e comentários de ódio que um creator de conteúdo recebe.
No país, 81,4% dos criadores de conteúdo vivem exclusivamente da renda do que produzem para as redes sociais. Nesse contexto, a discussão sobre o mercado de influência sai da área dos sonhos e aspirações e passa para o modo prático.
Para Ana Paula Passarelli, diretora e cofundadora da Brunch, a falta de equidade no setor é um sintoma que pode ser remediado com a regulamentação do mercado. Isso se daria por meio de associações, grupos e conselhos, como na publicidade. Tais grupos garantem que exista um piso de pagamento para profissionais, assim como demandas de diversidade, por exemplo.
"Temos que debater menos sobre os criadores se tornarem milionários e mais sobre como fazer a profissão se tornar uma fonte de renda sustentável para uma vida confortável. Atualmente, o dinheiro fica concentrado em poucos criadores", diz a executiva. Menos de 7% dos influenciadores ganham mais de R$ 20 mil por mês. Apenas 26,6% têm uma ou mais parcerias mensais.
Outro componente entra na conta quando o assunto passa pela lente racial. Apenas 45% do total dos criadores que recebem mais do que R$ 5 mil são pretos e pardos. A desigualdade também se reflete no perfil dos influenciadores no Brasil: 66% são brancos, 16% são pretos e 15% são pardos.
O ambiente online não é convidativo para essa parcela de criadores. Segundo a pesquisa, 68% deles afirmam que já receberam comentários que incitam ódio contra grupos ou minorias.
Segundo a head da Youpix no Brasil, Rafaela Lotto, as marcas também têm uma parcela de responsabilidade por números tão díspares. A executiva comenta que é comum as marcas optarem por fazer campanhas com criadores pretos apenas no mês da consciência negra (novembro). "Algumas marcas ainda usam os criadores negros de uma forma muito oportunistas, e ainda pagam pouco", revela.
Os números só sublinham a necessidade de as marcas investirem em diversidade de narrativas. Também ressaltam a importância da transparência e da regulamentação. Essa revolução já começou a acontecer por parte de quem cria conteúdo: 47% dizem não aceitar permuta – em 2022, eram 33%.
Além disso, caiu o número de creators que aceitam trabalhos sem ter um contrato. Mas 70% afirmam que fecharam parcerias a um valor muito abaixo do que havia sido pedido inicialmente. "O debate precisa ser mais transparente, mais institucionalizado. Hoje, a realidade é a do 'aceita quem quer' com relação ao quanto se paga [para o criador de conteúdo]", aponta a diretora da Brunch.
POSTA LÁ NO LINKEDIN
A quantidade de influenciadores com mais de três milhões de seguidores caiu de 2022 para 2023. Agora, eles representam 0,4% do total. Já 8,6% dos criadores brasileiros têm menos de mil seguidores, os chamados microinfluenciadores. A maioria se enquadra na faixa entre mil e 50 mil seguidores.
Em termos de formatos, os creators brasileiros preferem os vídeos curtos. Típicos da linguagem do TikTok, os vídeos de menos de 10 minutos são utilizados por um pouco mais de 40%. De acordo com Lotto, essa mudança de preferência tem sido a que anda mais rápido nesse segmento.
Para aqueles que preferem texto, o X (ex-Twitter) deixou de ser a principal plataforma de atuação e deu lugar ao LinkedIn. Em 2022, a rede de Elon Musk era usada por 3,2% dos creators brasileiros. Hoje, são só 0,6%. O LinkedIn, por sua vez chegou a 3,1% dos influenciadores.
Segundo a executiva da Brunch, a migração aconteceu porque ainda há demanda pelo tipo de conteúdo feito no X, ou seja, as opiniões em texto. Ela cita o aumento do número de newsletters. "As pessoas ainda querem escrever."
Já Lotto dá outra dimensão para essa mudança. "Os creators estão migrando para uma forma de se conectar com negócios. No LinkedIn, estão mais perto do negócios. Eles já entenderam que, ali, ficam perto de quem toma as decisões."
DIVERSIFICAÇÃO E "OVER EXPOSIÇÃO"
A pesquisa mostra ainda que há três tipos de creiadores de conteúdo: os brand creators, os social creators e os business creators.
Os primeiros são aqueles que conseguem se transformar em marca – e até em produtos próprios. Já os segundos oferecem o poder da sua comunidade para campanhas. Muitas vezes. são os que falam com nichos específicos de audiência. E os terceiros são especialistas em dar cursos, vender consultorias e falar sobre um determinado tema.
Estas variadas formas de se estar online são resultado do amadurecimento do setor e da migração de muitos que antes tinham o objetivo exclusivo de criar e espalhar conteúdos próprios, para um modelo de negócios mais estratégico e empreendedor.
Nas entrelinhas destes diferentes tipos, existe a vontade que muitos influenciadores (e usuários) têm demonstrado de manter a privacidade. Com conteúdos diversos, como cursos, aulas, parcerias ou marcas próprias, os creators podem deixar de ter que mostrar seu dia a dia nas redes.
Muitos já veem o espaço da "over exposição" do seu cotidiano como saturado e querem migrar para um modelo que dependa mais da criatividade.
"Com a exposição, é comum que as pessoas passem a olhar outras possibilidades para ter mais escala no conteúdo e mais privacidade. A riqueza do creator do futuro será o anonimato", afirma Rafaela Lotto.