Meta anuncia fim de checagem de fatos e crítica “tribunais secretos da América Latina”
Mark Zuckerberg faz anúncio às vésperas de Trump voltar à presidência dos EUA e aproxima seu discurso ao de Elon Musk
Mark Zuckerberg adotou um discurso parecido com o do dono do X/ Twitter, Elon Musk. O CEO da Meta anunciou que a empresa por trás do Facebook, Instagram e WhatsApp vai deixar de fazer checagem de conteúdo e contará com o programa de Notas da Comunidade, como no X, no qual usuários comuns podem anexar e comentar nas postagens individuais para fornecer correções ou esclarecimentos, daqui para frente.
O movimento faz parte de uma decisão mais ampla da Meta de “apoiar a liberdade de expressão”. Em vídeo, Zuckerberg alegou que o sistema de checagem de fatos que a big tech colocou em prática desde 2018 não atende aos bilhões de usuários das plataformas.
“Chegamos num ponto de muito erro e muita censura. Muito conteúdo inofensivo é censurado, muitas pessoas se encontram injustamente trancadas na `prisão do Facebook` e, muitas vezes, somos muito lentos para responder quando isso acontece”, reclamou o executivo.
Sem fazer referência direta ao Supremo Tribunal de Federal, ele criticou os "tribunais secretos da América Latina". Em agosto, o X saiu do ar no Brasil depois de descumprir uma série de decisões judiciais, como a de ter um representante legal no país.
Desde o escândalo da Cambridge Analytica, em 2016, a Meta tem sido cobrada para aumentar a filtragem de conteúdo. Para muitos especialistas, a companhia era vista como uma das melhores entre um grupo relativamente ruim de empresas de tecnologia quando se trata de esforços de moderação de conteúdo graças, em grande parte, a uma equipe de moderação com 40 mil pessoas.
"É hora de voltar às nossas raízes em torno da liberdade de expressão", disse Zuckerberg. Segundo ele, a checagem de fatos se provou “enviesada politicamente”. “Os fact checkers destruíram mais do que criaram confiança na plataforma”, afirmou, em um tom parecido com o de Musk – o bilionário dono do X, da Tesla, da SpaceX e da Starlink e aliado do presidente eleito dos EUA, Donald Trump.
qualquer decisão que Zuckerberg tome para melhorar sua posição na arena política pode ter impacto descomunal na sociedade.
Zuckerberg admitiu que menos de 1% das postagens dos mais de três bilhões de usuários das plataformas da Meta caem nos filtros da checagem de fatos. Mesmo assim, frisou que as políticas de conteúdo são excessivamente complexas e não favorecem os usuários das redes.
O novo modelo, que começará a ser adotado nos Estados Unidos, prevê a utilização de “notas comunitárias”, nas quais os próprios usuários adicionam contexto a postagens potencialmente enganosas, permitindo que o público avalie a credibilidade do conteúdo.
Entre as ações para lidar com a percepção de viés político, a Meta também vai transferir sua equipe de moderação nos EUA da Califórnia para o Texas. Esse movimento reflete uma tentativa de alinhar as operações com valores culturais mais amplos, evitando associações com uma “agenda” específica.
MUDANÇA DE TOM
A preocupação com a agenda política vem uma semana antes da posse de Trump na presidência dos EUA e dois dias depois de o próprio Zuckerberg ter anunciado Dana White (fundador do UFC e apoiador declarado do ex-presidente) para o conselho de diretores da empresa.
A mudança de tom do CEO da Meta chamou mais a atenção do que as decisões anunciadas. Ao falar sobre a imprensa, por exemplo, ele usou o termo “mídia de legado” e falou também sobre a falha nas decisões de “inclusão”, como Musk costuma utilizar.
"Zuckerberg está preocupado que sua posição de mais importante e influente executivo de tecnologia de mídia social tenha enfraquecido nos últimos anos", diz Steven Buckley, pesquisador de política e mídia social dos EUA na City, University of London. "Elon Musk claramente assumiu esse papel desde que seu relacionamento com Trump se estreitou, no final do ano passado".
Dado o relacionamento estreito de Musk com o futuro presidente, parece prudente que Zuckerberg tente se aproximar do presidente eleito. Fazer isso poderia ajudar a isolar a Meta de quaisquer decisões que pudessem impactar negativamente a empresa durante o segundo mandato de Trump – por exemplo, a adoção de uma forte ação antitruste ou reclamações sobre o que a Meta escolhe priorizar em suas plataformas.
"É difícil determinar se Zuckerberg realmente apoia Trump e suas políticas de tecnologia ou se esta é uma jogada puramente cínica da parte dele para chegar perto do poder e ter alguma voz ativa sobre a direção da política na próxima administração", diz Buckley.
Isso é particularmente importante, dado que Zuckerberg e Musk são concorrentes em vários setores, principalmente em mídia social e inteligência artificial. Zuckerberg "claramente se sente preocupado com a possibilidade de que, se ele não estiver na sala onde as decisões sobre políticas em torno da IA estão sendo tomadas, ele e a Meta serão deixados para trás", diz Buckley.
Desde o escândalo da Cambridge Analytica, em 2016, a Meta tem sido cobrada para aumentar a filtragem de conteúdo.
Mas, por conta do tamanho da Meta – são 3,3 bilhões de usuários diários (na soma de todas as plataformas), de acordo com o último registro público – qualquer decisão que Zuckerberg tome para tentar melhorar sua posição na arena política pode ter um impacto descomunal nas mídias sociais e na sociedade em geral.
"Este é um risco enorme para a empresa", diz Liam McLoughlin, pesquisador de moderação de conteúdo na Universidade de Liverpool. "Se o Facebook e o Instagram seguirem o caminho do X, veremos uma desvalorização da plataforma do ponto de vista dos usuários, pois as pessoas vão ver um aumento no spam e em conteúdos ofensivos."
O acadêmico adverte que os usuários não terão paciência infinita com a nova abordagem da Meta. "Eles não vão perdoar se seu feed virar um mar de lixo político ou se notarem um aumento de conteúdos chocantes – mesmo que venham sinalizados."
Com informações de Chris Stokel-Walker