O que acontece quando personagens famosos caem em domínio público

Mickey Mouse, Super-Homem e outros personagens estão prestes a se tornar domínio público. O que isso significa para as empresas que lucram com eles?

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Michael Grothaus 5 minutos de leitura

“Ursinho Pooh: Sangue e Mel”, filme de terror de baixo orçamento que estreou em 15 de fevereiro nos Estados Unidos, arrecadou mais de US$ 2,5 milhões globalmente, de acordo com o site Box Office Mojo.

Sem dúvida, um lucro de apenas US$ 2,5 milhões seria desastroso para a maioria das produções. Mas, para este longa, foi um grande sucesso financeiro.

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Isso porque o filme custou menos de US$ 100 mil para ser feito, o que significa que já arrecadou 25 vezes seu orçamento de produção – um retorno considerável para os produtores. Para efeito de comparação, a maioria dos sucessos de bilheteria de Hollywood costuma lucrar apenas de duas a quatro vezes os gastos com produção.

Os idealizadores da adaptação encontraram uma mina de ouro ao pegar o amado e fofinho personagem criado pelo autor A. A. Milne e pelo ilustrador E. H. Shepard – que, mais tarde, foi popularizado pela Disney – e transformá-lo em um assassino monstruoso.

DIREITOS AUTORAIS TAMBÉM EXPIRAM

Mas por que diabos a Disney, que detinha os direitos exclusivos do Ursinho Pooh desde a década de 1960, permitiu que ele fosse retratado dessa maneira? Na verdade, o estúdio não teve escolha.

Isso porque o livro de 1926, que lançou o personagem, caiu em domínio público no início de 2022, anulando seus direi- tos autorais e, portanto, a exclusividade da Disney sobre ele.

A validade de um direito autoral – ou seja, manter a propriedade intelectual fora do domínio público – varia de acordo com o país. No Brasil, a proteção aos direitos autorais perdura por 70 anos, contados a partir do primeiro dia do ano seguinte ao da morte do autor.

Nos EUA, são 95 anos para a maioria das criações antes de 1978. Pooh já ultrapassou esse período, o que significa que agora qualquer um pode criar conteúdo com o urso.

Nos próximos 12 anos, uma série de outros personagens famosos também cairão em domínio público, fazendo com que empresas como Disney e Warner Bros., que ganharam fortunas com eles, percam seus direitos de exclusividade.

Esses personagens renderam bilhões para as gigantes do entretenimento na última década: o filme “Aquaman”, de 2018, arrecadou mais de US$ 1,1 bilhão para a Warner Bros, enquanto a trilogia “O Hobbit”, de 2012 a 2014, rendeu quase US$ 3 bilhões.

Aquaman (Crédito: Warner Bros/ Divulgação)

Isso sem falar de um de seus personagens mais famosos, o Super-Homem. Desde 1978, seus filmes geraram mais de US$ 2,4 bilhões em bilheteria e outros tantos em produtos como quadrinhos, brinquedos, videogames, itens para festa e muitos outros.

Mas, em 2033, a Warner Bros. não terá mais os direitos exclusivos do super-herói. Então o que acontece?

DOMÍNIO PÚBLICO, COM LIMITES

Só porque um personagem, como o Super-Homem, entra em domínio público, não significa que qualquer um poderá usá-lo como quiser. A lei de direitos autorais dos EUA é complexa e a permissão de uso vem com ressalvas.

Segundo o Copyright.gov, “na regra geral, para obras criadas após 1º de janeiro de 1978, a proteção de direitos autorais dura toda a vida do autor mais 70 anos adicionais”. É por isso que ninguém pode prever, por exemplo, quando os personagens de Harry Potter entrarão em domínio público. Eles são protegidos por direitos autorais desde sua criação até 70 anos após a morte da autora J.K. Rowling.

Nos EUA, a maioria das obras criadas antes de 1978 cai em domínio público 95 anos após a data de sua primeira publicação. Como os personagens citados acima foram publicados pela primeira vez nas décadas de 1920 e 1930, muitos deixarão de ter exclusividade de uso na próxima década.

Superman/ 1938 (Crédito: DC Comics)

Mas há limites para o que se pode fazer com personagens de domínio público. Eles só podem ser usados exatamente como eram 95 anos antes.

Vejamos o exemplo do Super-Homem, que apareceu pela primeira vez na Action Comics #1 da DC em 1938 e cairá em domínio público em 2033. Se eu fizesse meu próprio filme do Superman daqui a 10 anos, ele não poderia voar, como observa o site Grunge. Por quê? Na publicação de 1938 ele não voava, só “pulava prédios altos em um único salto.”

Se, no meu filme, ele voasse, a Warner Bros. poderia me processar, já que a DC Comics deu ao personagem esta habilidade apenas anos mais tarde. Eles ainda têm os direitos autorais dessa versão do super-herói, uma vez que ainda não se passaram 95 anos desde que foi criada.

Além disso, o icônico emblema “S” no peito do traje de 1938 mudou de aparência nos anos seguintes. A versão do meu filme, precisaria ter um traje quase idêntico ao de 1938 e não como os que aparecem hoje nos quadrinhos ou nos filmes da Warner Bros.

O Mickey é outro exemplo. O personagem que conhecemos hoje tem olhos grandes e usa luvas brancas. Mas o Mickey Mouse de 1929, cujos direitos autorais expiram em 2024, tinha olhos menores e não usava luvas. Sua versão atual ainda estará sob os direitos autorais da Disney.

Primeira animação de Mickey Mouse, de 1928 (Crédito: Divulgação)

Você pode ter certeza de que, à medida que mais personagens famosos caírem em domínio público, os advogados das gigantes do entretenimento examinarão qualquer uso por terceiros – e tomarão medidas contra seus criadores sempre que puderem. Mas isso não os impedirá de tentar usá-los.

Como “Ursinho Pooh: Sangue e Mel” mostrou, mesmo que o filme não seja um sucesso de crítica, ainda pode gerar um bom lucro. De fato, não apenas uma sequência já foi anunciada, mas também um universo cinematográfico de terror com este e outros personagens conhecidos, relata o “The Hollywood Reporter”.

Outros próximos filmes da franquia incluem “Peter Pan’s Neverland Nightmare” (Peter Pan: Pesadelo na Terra do Nunca) e “Bambi: The Reckoning” (Bambi: O Acerto de Contas) – ambos os personagens são de domínio público.

De acordo com o que o diretor Scott Jeffrey disse ao site Dead Central, este último mostrará Bambi como “uma cruel máquina de matar que se esconde na floresta”. Exatamente o contrário do que Walt Disney imaginou sobre o doce personagem.


SOBRE O AUTOR

Michael Grothaus é escritor, jornalista, ex-roteirista e autor do romance "Epiphany Jones". saiba mais