O que é a startup vira-lata caramelo?

Christopher Toya levanta questionamentos sobre a idolatria aos unicórnios e a cultura nacional de startups

Crédito: sydney Rae/unsplash

Rafael Farias Teixeira 4 minutos de leitura

Se há um animal que se tornou favorito das notícias e posts do LinkedIn, é o unicórnio. Essa criatura mítica se tornou símbolo de sucesso para as startups que conseguem  uma avaliação de preço de mercado superior a US$ 1 bilhão. O termo foi utilizado pela primeira vez em 2013, por Ailen Lee, fundadora da Cowboy Ventures. Desde então, vemos cada vez mais unicórnios.

De acordo com dados da CB Insights,  546 empresas ganharam seus chifres em todo o mundo em 2021, representando um aumento de 496% em relação a 2020. No Brasil, foram um total de 10.

Mas a fauna do mundo das startups não parou por aí. Hoje muitos mencionam as zebras – que focam em trazer retorno positivo para a sociedade –, as camelos – conhecidas pela sua adaptabilidade – e outros bichos. Como toda a mitologia das startups, esses conceitos são criados para assinalar tendências – e, por que não, gerar buzz.

“Não adianta usar esses animais para pensar no contexto brasileiro. Por isso, precisamos falar da startup vira-lata caramelo”, propõe Christopher Toya, fundador da Techfounder, edtech de negócios, tecnologia e investimento para startups, em um post do LinkedIn.

Para Toya, uma startup vira-lata caramelo apresenta as seguintes características:

1 . Nasceu sem investimento e precisa tracionar seu modelo de negócio para não fechar. “Não vai ser adotado por uma família rica e vai ter que dar seus pulos, comendo o que tem pela frente”, explica Toya.

2 . Pela experiência adquirida observando startups anteriores, aprendeu a melhorar seu próprio negócio.

3 . Adapta-se facilmente a diferentes condições. Apesar de não ser tão glamurizado como outros cães de raça, tem uma longevidade invejável.

Christopher Toya

Em conversa com a Fast Company Brasil, Toya comentou sobre a teoria por trás da startup vira-lata caramelo e a importância de olhar com mais profundidade as especificidades do mercado brasileiro.

Como surgiu o conceito de startup caramelo?

Nós fazemos um “contrabando” da cultura estrangeira sobre startups, que muitas vezes é posta em prática de qualquer

Qualquer startup que tenha sobrevivido pode se considerar parte da família caramelo.

jeito, sem adaptações. Esses ícones acabam iludindo muitos empreendedores a tomarem decisões erradas para alcançar esses status, seja escolhendo um modelo de negócio ou de captação errado, por exemplo. A grande crítica é a ênfase dada a esses conceitos, à teoria, e pouca prática adaptada à nossa realidade. Acabei não me graduando e aprendi, a altos custos, essas diferenças. A ideia da startup caramelo foi trazer características importantes de uma empresa desse tipo para a nossa realidade, com um pouco de humor. Ela é escalonável, replicável e se adapta a um ambiente adverso.

A busca pelo título de unicórnio está virando uma busca por status?

Toda nova startup surge buscando um evento de liquidez: um M&A [sigla em inglês para merger and acquisition, ou fusão e aquisição] ou IPO [oferta pública inicial de ações]. Nos dois modelos ela sofre pressão para dar resultado financeiro. O que acontece é que há tamanha priorização do resultado financeiro que se perde de vista todas as outras coisas. Depois de um certo valor, fica difícil uma estratégia de M&A e o caminho é o IPO. Um caso em que a avaliação da empresa é muito importante para um bom desempenho. Os investidores não querem entrar na sua empresa e ver o que está acontecendo, eles querem ver os relatórios. 

E qual seria sua recomendação?

Na medida do possível, buscar o M&A. Mas, se tiver um ambiente propício para o IPO, tomar cuidado com as altas exigências para chegar ao status de unicórnio. Recomendo que procure se tornar um caramelo bombado.

Qual seria um bom exemplo de startup caramelo?

Acho que qualquer startup que tenha sobrevivido pode se

A startup caramelo é escalonável, replicável e se adapta a um ambiente adverso.

considerar parte da família caramelo. A Volanty, um marketplace de carros usados – comprada pela Creditas –, é um exemplo que gosto de usar. Resolveu uma dor sem precisar de nenhuma tecnologia mirabolante e conseguiu um M&A extraordinário. O RD Station, plataforma de CRM, é outro exemplo de startup que tornou um serviço mais acessível para empresas no Brasil.

Estamos em um momento no qual há várias recomendações e previsões para o ecossistema de startups. Como vê a situação do país?

O padrão de startup do Vale do Silício é aquele torrador de dinheiro. Quem adota essa mentalidade no Brasil morre na largada. Então, é muito bom que temos um padrão mais sustentável, o que nos torna mais preparados para flutuações e possíveis crises. Muitas vezes são questões de ajustes de rota e evitar “perder a mão”.

Por que escolheu produzir conteúdo sobre o universo das startups com esse tom mais divertido e “sincerão”?

O mais importante é educar e desmistificar. É preciso usar o senso crítico para ajudar outras pessoas que são induzidas ao erro por informações, muitas vezes, não comprovadas, fundamentadas, mas compartilhadas por gente muito influente.


SOBRE O AUTOR

Rafael Teixeira Farias tem mais de 14 anos de carreira em jornalismo e marketing digital, além de sete livros de ficção já publicados. saiba mais