O que Elon Musk não entendeu sobre liberdade de expressão no Twitter

Ironicamente, moderação mais fraca seria prejudicial porque as vozes de usuários reais seriam abafadas por pessoas mal-intencionadas

Crédito: Istock

Filippo Menczer 5 minutos de leitura

A aquisição do Twitter por Elon Musk, em 27 de outubro de 2022, desencadeou um debate sobre o que isso vai representar para o futuro da plataforma de mídia social, que desempenha um papel importante na determinação das notícias e informações às quais muitas pessoas estão expostas.

Além de expandir os recursos do Twitter, Musk declarou que pretende torná-lo uma arena para a liberdade de expressão. Mas as dúvidas sobre o real significado disso alimentaram muita especulação e levantaram preocupações sobre o efeito que essa compra terá nas eleições parlamentares dos EUA em 8de novembro.

No dia em que a aquisição foi fechada, Musk procurou acalmar os temores mandando uma mensagem aos anunciantes, dizendo que reconhecia que a plataforma não pode se tornar “uma terra de ninguém”.

Há projetos de lei sendo considerados no Congresso dos EUA e na União Europeia que tratam da regulamentação das mídias sociais.

Como corporação, o Twitter pode regular como quiser as falas em sua plataforma. Há projetos de lei sendo considerados no Congresso dos EUA e na União Europeia que tratam da regulamentação das mídias sociais. Mas eles tratam de transparência, responsabilidade, conteúdo ilegal e prejudicial e proteção dos direitos dos usuários, não de regulamentação do conteúdo.

Os pedidos de liberdade de expressão de Musk no Twitter se sustentam em duas alegações: moderação excessiva e parcialidade política.

Como pesquisadores que estudam a desinformação e manipulação online, no Observatório de Mídias Sociais da Universidade de Indiana analisamos a dinâmica e o impacto do Twitter e de seu uso abusivo. Para entender as declarações de Musk e os possíveis resultados de sua aquisição, vejamos o que a pesquisa mostra.

VIÉS POLÍTICO

Muitos políticos e especialistas conservadores alegam, há anos, que as principais plataformas de mídia social têm um viés político progressista, o que resulta na censura de opiniões conservadoras. Infelizmente, o Twitter e outras redes sociais muitas vezes impõem suas políticas de forma inconsistente, por isso é fácil encontrar exemplos que apoiam teorias da conspiração.

Entretanto, uma revisão do Centro de Negócios e Direitos Humanos da Universidade de Nova York não encontrou evidências confiáveis ​​que sustentem a alegação de viés anticonservador por parte de empresas de mídia social, chegando a rotular essa alegação como uma forma de desinformação.

Pesquisas mostram que a direita política desfruta de maior poder de amplificação no Twitter em comparação com a esquerda.

É difícil fazer uma avaliação mais direta da parcialidade política do Twitter por causa da complexidade das interações entre pessoas e algoritmos. As pessoas, é claro, carregam preconceitos políticos. Para remover o preconceito humano da equação em nossos experimentos, implantamos vários bots sociais benignos no Twitter.

Cada um desses bots começou seguindo uma fonte de notícias, com alguns seguindo fontes liberais e outros, fontes conservadoras. Depois que essas amizades foram estabelecidas, todos os bots foram deixados sozinhos, “flutuando” no ecossistema de informações por alguns meses. Eles poderiam, inclusive, ganhar seguidores.

Os bots agiram de acordo com um comportamento algorítmico idêntico. Mas esse comportamento era politicamente neutro, independentemente do conteúdo visto ou postado. Rastreamos os bots para investigar tendências políticas emergentes de como o Twitter funciona e de como os usuários interagem.

redes sociais muitas vezes impõem suas políticas de forma inconsistente, tornando fácil encontrar exemplos que apoiam teorias da conspiração.

Surpreendentemente, nossa pesquisa forneceu evidências de que o Twitter tem um viés conservador, e não progressista, como muitos pensam. Em média, as contas são atraídas para o lado conservador. As contas liberais foram expostas a conteúdo moderado, o que deslocou a experiência para o centro político, enquanto as interações das contas de direita foram enviesadas para a publicação de conteúdo conservador.

Essas diferenças de experiências e ações podem ser atribuídas às interações com os usuários e informações mediadas pela plataforma. Mas não conseguimos examinar diretamente o possível viés no algoritmo do feed de notícias do Twitter, porque a classificação real das postagens na “linha do tempo” da página inicial não está disponível para pesquisadores externos.

Pesquisadores do Twitter, no entanto, conseguiram auditar os efeitos de seu algoritmo de classificação no conteúdo político, revelando que a direita política desfruta de maior poder de amplificação em comparação com a esquerda política. Nossa pesquisa e a do Twitter mostram que a aparente preocupação de Elon Musk com o “preconceito contra os conservadores” é infundada.

ÁRBITRO OU CENSOR?

A outra alegação de Musk é que a moderação excessiva estaria sufocando a liberdade de expressão no Twitter. Mas muitos aspectos das mídias sociais modernas impedem o livre mercado de ideias. A atenção limitada e o viés de confirmação aumentam a vulnerabilidade à desinformação.

A classificação de relevância dos conteúdos baseada em engajamento pode amplificar o ruído e a manipulação, e a estrutura das redes de informação pode distorcer as percepções. A desinformação é ampliada por bots sociais e redes coordenadas que criam a aparência de multidões humanas.

remover a possibilidade de anonimato pode prejudicar grupos vulneráveis.

Musk tuittou que quer derrotar bots de spam e autenticar humanos, mas essas não são soluções fáceis, nem necessariamente eficazes. Além dos spams, contas inautênticas são usadas para fins maliciosos, mas são difíceis de detectar.

Além disso, remover a possibilidade de anonimato pode prejudicar grupos vulneráveis. Nos últimos anos, o Twitter estabeleceu políticas e sistemas para moderar abusos, suspendendo contas e redes que exibissem comportamentos coordenados inautênticos. Um enfraquecimento dessas políticas de moderação pode tornar o abuso novamente desenfreado.

MODERAÇÃO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A aquisição do Twitter por Musk levanta preocupações de que a plataforma venha a reduzir a moderação de conteúdo. Nossa pesquisa e seu corpus mostram que, para combater a desinformação prejudicial no ecossistema de informações, é necessária uma moderação mais forte, e não mais fraca.

Também mostra que, ironicamente, políticas de moderação mais fracas prejudicariam a liberdade de expressão: as vozes de usuários reais seriam abafadas por usuários mal-intencionados, que manipulam o Twitter por meio de contas inautênticas, bots e câmaras de eco online.


SOBRE O AUTOR

Filippo Menczer é professor de informática e ciência da computação na Universidade de Indiana. saiba mais