Organização da Copa do Mundo do Qatar bota marcas na defensiva
Marcas gostam de previsibilidade fora do campo, mas o principal evento esportivo global está se revelando uma caixinha de surpresas
Na manhã da última sexta-feira, dia 18 de novembro, os altos executivos da Budweiser provavelmente tiveram que tomar uma cerveja bem gelada para espairecer. A Copa do Mundo ia começar dali a dois dias, no Qatar. Só que, na última hora, o país-sede simplesmente decidiu proibir a venda de cerveja alcoólica nos estádios.
Convenhamos: se a sua marca tivesse investido mais de US $ 75 milhões para ser a cerveja oficial da Copa do Mundo de 2022, você também ia querer tomar um porre do tamanho desse prejuízo. Proibida de vender seu produto, a Budweiser anunciou que a seleção que sair vitoriosa do torneio vai levar todo o estoque da cerveja.
Se há algo de que as grandes marcas globais não gostam é imprevisibilidade. A FIFA, as autoridades do Qatar e a AB InBev, controladora da Budweiser, tiveram 12 anos para estudar a logística necessária para honrar o patrocínio do conglomerado de cerveja, bem como a posição do estado árabe sobre o consumo de álcool. E, mesmo assim, deu nisso.
Mas, como diz o ditado popular, “quem está na chuva é para se molhar”. As principais marcas patrocinadoras, em particular aquelas voltadas para o público ocidental, há anos decidiram abraçar a mais complicada das Copas do Mundo – que já envolveu denúncias de corrupção, mudança de calendário (com o torneio no final do ano) e mortes de trabalhadores – para celebrar (e alavancar comercialmente) este que é o principal espetáculo esportivo do mundo.
Agora que a Copa finalmente chegou, os desafios deixaram se ser hipotéticos. Se a semana que antecedeu o início dos jogos serviu de alerta, as marcas – sejam elas patrocinadoras ou apenas interessadas em se associar à elite do futebol – e seus profissionais de marketing precisam estar preparados para praticamente qualquer imprevisto.
“As empresas precisam entrar em contato urgente com seu setor de relações públicas. Acredito que a maioria está se planejando para lidar com imprevistos”, aconselha Charles Taylor, professor de marketing da Villanova School of Business. “O governo já declarou que não vai punir as pessoas pelas roupas que usarem ou pelo consumo de álcool, a não ser que elas se tornem violentas. Mas as empresas precisam se preparar para caso essas punições aconteçam.”
Apesar da tensão que antecedeu o início da Copa do Qatar, essa não é a primeira edição a trazer dilemas éticos – ou a provocar ameaças de boicote. O torneio de 2018 na Rússia também ficou marcado, desde o início, por alegações de corrupção, assim como pelas políticas e pontos de vista daquele país sobre os direitos LGBTQIA+.
Em 2014, o Brasil enfrentou protestos internos, com brasileiros criticando os gastos do governo em estádios e hospedagem em meio à crise imobiliária do país. Nessas ocasiões, assim como agora, as marcas anunciantes aparentemente preferiram tapar os ouvidos, fechar os olhos para essas controvérsias e construir uma versão mais festiva do evento, que os próprios fãs preferem imaginar.
Shelina Taki, diretora sênior de estratégia e de criação da agência PMG, acha que as marcas estão certas ao focar nos aspectos positivos do torneio, ao mesmo tempo em que se preparam para qualquer revés. “Ninguém deveria entrar na Copa do Mundo sem entender a cultura e o contexto”, diz Taki.
“As marcas com as quais trabalhamos certamente têm um Plano A e um Plano B. Isso é fazer o dever de casa, com estrategistas de marca e equipes criativas sabendo como gerenciar esses imprevistos, mantendo um posicionamento e sendo muito claros sobre seus próprios valores e missão”, detalha a executiva.
Para a Budweiser, a notícia recente da proibição pode representar uma pá de cal nos planos da marca para a Copa ou uma oportunidade e tanto para emplacar uma campanha de marketing de guerrilha para a Bud Zero (a versão sem álcool da cerveja). Um ex-executivo de marketing de uma marca patrocinadora disse que a Copa do Qatar vem sendo conduzida, desde o início, de forma caótica.
Ainda assim, angariar uma audiência global de centenas de milhões de pessoas, durante um mês inteiro, sempre será um imã para o marketing de marca, sejam quais forem os bastidores do evento. Como diz Taki, as marcas estão optando por celebrar o lado positivo, com algumas delas encontrando oportunidades para incorporar declarações sobre seus valores, por mais sutis que sejam essas mensagens.
No anúncio da Budweiser, “The World Is Your To Take” (O mundo é seu, conquiste-o), assistimos a torcedores e estrelas do futebol caminhando por um longo túnel no estádio em direção às comemorações, agitando bandeiras nacionais de todos os tipos. E, apesar de a homossexualidade ser ilegal no Qatar, a marca não hesitou ao incluir uma bandeira do Orgulho LGBTQIA+ na versão estendida do comercial (aos 28 segundos).
Por um lado, a Coca-Cola lançou seus próprios anúncios genéricos e previsíveis. Mas, por outro, respondeu a apelos de grupos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, reiterando o apoio da empresa aos trabalhadores e aos direitos humanos antes do torneio.
As marcas sabem da posição do Qatar em questões como consumo de álcool e direitos LGBTQIA+. O fato de a venda de cerveja não ser permitida nos estádios não foi uma surpresa, mas sim uma mudança repentina de política sem aviso. É por isso que os patrocinadores precisam estar mais preocupados e preparados do que nunca para o imprevisível.
Na semana passada, uma equipe de televisão dinamarquesa foi interrompida por autoridades do Catar durante uma transmissão ao vivo. Elas ameaçaram quebrar o equipamento do repórter Rasmus Tantholdt, que perguntou diante das câmeras: “vocês convidaram o mundo inteiro para vir aqui, por que não podemos filmar? É um lugar público.”
No dia seguinte, funcionários do governo divulgaram um comunicado que dizia: “Após terem inspecionado o credenciamento válido do torneio e da permissão de filmagem do repórter, a segurança do local fez um pedido de desculpas à emissora, antes que a equipe retomasse suas atividades”.
Para quem vai assistir aos jogos ao vivo, parece que o jeito é estar preparado para esse tipo de inconveniente. E se contentar com uma cerveja zero álcool.
Com base em reportagem de Jeff Beer.