Por que o eleitorado dos EUA decidiu dar um segundo mandato a Donald Trump
Trump venceu apesar das baixas taxas de aprovação, de ter sofrido dois processos de impeachment e de ter sido condenado criminalmente
Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, encerrando uma notável recuperação quatro anos após ter perdido a reeleição e inaugurando uma nova liderança que, provavelmente, testará as instituições democráticas do país e as relações no exterior.
Trump, de 78 anos, reconquistou a presidência ao garantir mais do que os 270 votos no Colégio Eleitoral necessários para vencer a disputa, após uma campanha que abusou do discurso sombrio e que aprofundou a polarização no país.
A vitória do ex-presidente no estado Wisconsin garantiu que o candidato alcançasse o mínimo de votos necessário para se eleger.
"Os Estados Unidos nos deram um mandato sem precedentes e poderoso", disse Trump nesta quarta-feira a uma multidão entusiasmada de apoiadores no Centro de Convenções do Condado de Palm Beach, na Flórida.
A carreira política de Trump parecia ter acabado depois que suas falsas alegações de fraude eleitoral levaram uma multidão de apoiadores a invadir o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021, em uma tentativa fracassada de reverter a derrota sofrida no ano anterior.
Mas ele superou seus oponentes dentro do Partido Republicano e venceu a candidata democrata Kamala Harris, aproveitando as preocupações dos eleitores sobre os altos preços e o que ele alegou, sem evidências, ser um aumento da criminalidade devido à imigração ilegal.
Harris não falou aos apoiadores que se reuniram na Universidade Howard, em Washington D.C.. Seu diretor de campanha, Cedric Richmond, falou brevemente com a multidão depois da meia-noite, dizendo que ela falaria mais tarde nesta quarta-feira. "Ainda temos votos para contar", disse ele.
Os republicanos conquistaram maioria no Senado, mas nenhum dos partidos parecia ter vantagem na disputa pelo controle da Câmara dos Deputados, onde os republicanos atualmente têm uma maioria estreita.
EMPREGOS E ECONOMIA
Os eleitores identificaram empregos e economia como o problema mais urgente do país, de acordo com pesquisas de opinião da Reuters/ Ipsos. Muitos cidadãos continuaram frustrados com a alta dos preços, mesmo em meio a recordes no mercado de ações, salários em rápido crescimento e baixa taxa de desemprego.
Com o governo do presidente Joe Biden levando grande parte da culpa, a maioria dos eleitores disse confiar mais em Trump do que em Harris para lidar com o problema.
Os hispânicos, tradicionalmente eleitores democratas, e as famílias de baixa renda mais atingidas pela inflação ajudaram a impulsionar a vitória de Trump. Sua base leal de eleitores rurais, brancos e sem formação universitária novamente apareceu em peso.
Trump prevaleceu apesar das taxas de aprovação consistentemente baixas. Com dois impeachments no currículo, foi indiciado criminalmente quatro vezes e considerado responsável por abuso sexual e difamação. Em maio, foi condenado por um júri de Nova York por falsificar registros comerciais para encobrir pagamentos de suborno a uma estrela pornô.
Sua vitória terá grandes implicações para as políticas comerciais e climáticas dos EUA, para a guerra na Ucrânia, impostos e imigração. Suas propostas tarifárias podem desencadear uma guerra comercial mais intensa com a China e aliados dos EUA, enquanto suas promessas de reduzir impostos para empresas e implementar uma série de novos cortes podem aumentar a dívida dos EUA, segundo economistas.
A vitória de Trump deve ampliar as fissuras na sociedade norte-americana.
Trump prometeu lançar uma campanha de deportação em massa visando imigrantes ilegais e disse que quer autoridade para demitir funcionários públicos que considere desleais. Seus opositores temem que ele transforme o Departamento de Justiça e outras agências federais de aplicação da lei em armas políticas para investigar aqueles a quem considera inimigos.
Um segundo mandato de Trump pode ainda aprofundar as divisões entre democratas e republicanos em questões como raça, gênero, educação infantil e direitos reprodutivos.
AVISOS DOS DEMOCRATAS NÃO BASTARAM
A vice-presidente Kamala Harris não conseguiu reunir apoio suficiente para derrotar Trump em sua campanha de 15 semanas como candidata, falhando em aliviar as preocupações dos eleitores sobre a economia e a imigração. Harris alertou que Trump queria poder sem restrições e representava um perigo para a democracia.
Quase três quartos dos eleitores afirmaram que a democracia norte-americana está sob ameaça, de acordo com pesquisas de boca de urna da Edison Research. Esse resultado destaca a polarização em uma nação onde as divisões só se tornaram mais acentuadas ao longo de uma campanha eleitoral intensamente competitiva.
Trump fez uma campanha marcada pela linguagem apocalíptica. Ele chamou os Estados Unidos de “lixeira” para imigrantes, prometeu salvar a economia da “decadência” e classificou alguns rivais como “inimigos internos”.
Suas ameaças foram frequentemente direcionadas aos imigrantes, que ele disse estarem "envenenando o sangue do país", ou a Harris, a quem ele frequentemente desdenhava como pouco inteligente.
CAMPANHA ACIRRADA
Em maio, Trump foi condenado por um júri de Nova York por falsificar registros comerciais para encobrir pagamentos de suborno a uma estrela pornô. Dois meses depois, uma bala de um suposto assassino passou de raspão em sua orelha durante um comício de campanha, exacerbando temores sobre violência política.
Outra tentativa de assassinato foi frustrada em setembro em seu campo de golfe na Flórida. Trump jogou s culpa pelos dois episódios no discurso inflamado dos democratas, incluindo Harris.
Quase três quartos dos eleitores afirmaram que a democracia norte-americana está sob ameaça.
Conforme a campanha se aproximava do fim, Harris se concentrou cada vez mais em alertar os eleitores sobre os perigos de reeleger Trump e estendeu a mão a republicanos desiludidos com o candidato de seu partido.
Ela destacou declarações de vários ex-funcionários de Trump, incluindo seu ex-chefe de gabinete e general aposentado da marinha, John Kelly, que descreveu Trump como um "fascista".
A vitória de Trump deve ampliar as fissuras na sociedade norte-americana, dado suas falsas alegações de fraude eleitoral, retórica anti-imigração e demonização de seus oponentes políticos, disse Alan Abramowitz, professor de ciência política da Universidade Emory, que estuda o comportamento dos eleitores e a política partidária.
SEGUNDO MANDADTO
Trump prometeu reformular o poder executivo, incluindo a demissão de funcionários públicos que considere desleais e o uso de agências federais de aplicação da lei para investigar seus inimigos, violando uma política de longa data de manter essas agências independentes.
Durante seu primeiro mandato, as demandas mais extremas de Trump às vezes foram impedidas por membros de seu próprio gabinete, especialmente quando o vice-presidente Mike Pence se recusou a evitar que o Congresso homologasse o resultado das eleições de 2020.
Uma vez que o resultado de 2024 seja certificado pelo Congresso, em 6 de janeiro, Trump e seu vice-presidente, o senador JD Vance, deverão tomar posse no Dia da Inauguração (20 de janeiro).
Ao longo de sua campanha de dois anos, Trump sinalizou que vai priorizar a lealdade pessoal na composição de seu governo. Ele prometeu cargos para o bilionário Elon Musk e o ex-candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr., ambos apoiadores fervorosos.