Por que os contratos são tão complicados que ninguém consegue ler

Pesquisa feita por cientistas da cognição do MIT indica que a natureza confusa do “juridiquês” tem um propósito específico

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Joe Berkowitz 4 minutos de leitura

Desde o início dos tempos, o juridiquês desespera e intimida todos aqueles que não carregam um diploma de Direito debaixo do braço. Conhecido por ser uma mistura de linguagem antiquada, repetição monótona e frases intercaladas por blocos de informações incompreensíveis, é um estilo de escrita que praticamente só aparece nas letras miúdas dos contratos e termos de compromisso.

Mas por que o texto de documentos jurídicos é sempre tão indigesto que a maioria das pessoas nunca chega a ler os próprios contratos do início ao fim? Um novo estudo feito por uma equipe de cientistas da cognição do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) indica que a complexidade do juridiquês pode ter um objetivo específico.

A primeira coisa que devemos saber sobre o juridiquês é que, em geral, nem os próprios profissionais da área são fãs dele. Não à toa, foi só depois de ser formar em Direito, tendo passado anos mergulhado em petições, leis, escrituras e decretos, que o principal autor do estudo do MIT, Eric Martinez, pensou em estudar o tema do juridiquês.

Desde 2020, ele pesquisa sobre esse gênero textual tão perturbador, ao lado de Edward Gibson, professor do MIT especialista em neurociência e ciência cognitiva. No estudo mais recente da dupla, que investiga por que textos jurídicos são quase sempre incompreensíveis, eles procuraram descobrir se leigos usariam o juridiquês se fossem orientados a escrever um documento legal.

O estudo investigou duas teorias:

a) a teoria da “cópia e edição”, segundo a qual os textos jurídicos começam de forma simples, mas depois surgem informações mais atualizadas que levam à inserção de longas especificações no meio das frases, formando as chamadas “orações intercaladas”;

b) a teoria do “feitiço”, que defende que, assim como palavras rimadas em latim são naturalmente associadas a feitiços, o juridiquês confere mais “juridicidade” a um documento legal.

Os pesquisadores pediram que 200 pessoas sem formação jurídica redigissem leis proibindo determinados crimes e, em seguida, escrevessem histórias sobre essas leis. Para testar a teoria da “cópia e edição”, metade das pessoas recebeu informações adicionais depois de começar a escrever os primeiros artigos. O objetivo era descobrir se isso produziria mais frases intercaladas.

Documentos jurídicos são complexos, por estarem atrelados a precedentes e exigem uma linguagem específica.

No final, todos os participantes redigiram textos jurídicos com complicadas orações intercaladas, não incluídas nas histórias que escreveram depois. Os cientistas concluíram que usar o juridiquês e suas construções confusas é, em geral, uma forma de transmitir autoridade.

“O que a maioria das pessoas associa ao termo ‘juridiquês’ é a crença de que, para ser eficaz, o texto jurídico deve necessariamente ser complicado. Isso não é verdade”, diz Natela Shenon, sócia do escritório de advocacia Grant Shenon, de Los Angeles.

“Os advogados às vezes exageram porque acham que precisam mostrar serviço. Eles provavelmente entendem que, se o contrato não parecer minimamente complicado, sua reputação será prejudicada, ou o trabalho não vai estar à altura do que o cliente pagou.”

No entanto, poucos advogados admitem usar o juridiquês apenas para dar ao texto ares de autoridade. Então por que todos eles escrevem dessa forma?

ESTÁ TUDO NAS LETRAS MIÚDAS

Uma explicação óbvia é que documentos jurídicos tratam de conceitos complexos. Quanto mais complexo o conceito, mais específicos e detalhistas os advogados devem ser no texto para incorporar todas as nuances dessa complexidade e fundamentá-la usando a terminologia correta.

Quanto à linguagem, que parece calculada para transmitir autoridade, talvez ela soe tão antiquada pelo fato de ser o Direito uma área que resiste a mudanças.

No plano individual, advogados muitas vezes se orientam pelos precedentes do próprio escritório onde trabalham; já coletivamente, eles costumam seguir precedentes judiciais mais universais, que existem há décadas, às vezes séculos.

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Documentos jurídicos são complexos, por estarem atrelados aos precedentes e exigem uma linguagem específica, que não raro parece extremamente ultrapassada e que, por algum motivo, é repleta de palavras em latim.

Embora a rigidez do juridiquês possa parecer insuportavelmente afetada ou muito hermética, talvez seja apenas resultado do trabalho de um profissional do Direito que seguiu as regras à risca. O cliente pode até revirar os olhos, mas o trabalho terá sido feito.

Será que algum um dia textos jurídicos vão ser mais parecidos com histórias escritas por pessoas comuns do que com leis? Provavelmente não, a menos que os tribunais reconsiderem seus requisitos para a redação de documentos.

Ou se algum evento cataclísmico, incluindo (mas não se limitando a) desastres naturais, motins, guerras, incêndios, inundações, acidentes, greves (deu para entender), fizer com que todos os precedentes de documentos jurídicos sumam da face da Terra.


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais