Por que os EUA mantêm o sistema de colégio eleitoral para eleger o presidente?
Um punhado de estados é o foco de uma eleição de alta importância, onde os votos locais vão decidir se a vitória será dos republicanos ou dos democratas
É hoje o dia decisivo demais uma acirrada disputa pela presidência dos Estados Unidos. Embora quase 155 milhões de pessoas em todo o país tenham votado na eleição presidencial de 2020, todas as atenções estão voltadas para sete estados-chave, para ver se a vitória será da vice-presidente Kamala Harris ou do ex-presidente Donald Trump.
Por que esses sete estados – Arizona, Geórgia, Carolina do Norte, Nevada, Wisconsin, Michigan e Pensilvânia? Esses são os únicos verdadeiros "campos de batalha" que provavelmente serão decisivos no Colégio Eleitoral, o qual determina o vencedor da eleição presidencial.
Embora os norte-americanos tenham recebido uma verdadeira lição de educação cívica nos últimos anos, há muita preocupação e polêmica em torno do processo de seleção via Colégio Eleitoral.
O sistema não é utilizado em nenhum outro lugar do mundo e pode resultar em um candidato vencendo a eleição mesmo que receba menos votos que o oponente – o que ocorreu na eleição de 2000 (quando o republicano George W. Bush venceu o democrata Al Gore) e de 2016 (quando Hillary Clinton, apesar de ter conquistado o voto da maioria dos eleitores, perdeu no Colégio Eleitoral para Donald Trump).
Na noite da eleição, cada estado vale um certo número de "votos" eleitorais. O candidato que obtiver mais da metade – 270 votos eleitorais – vence.
Cada estado tem tantos votos eleitorais quanto o número de membros do Congresso, na Câmara e no Senado. Por exemplo, Wyoming recebe três votos eleitorais (dois senadores e um representante), enquanto a Califórnia tem 54 (dois senadores e 52 representantes).
O Colégio Eleitoral tem suas raízes na Constituição dos EUA, e especialistas dizem que os fundadores o incluíram por alguns motivos principais. Para começar, "eles achavam que os eleitores individuais poderiam não ser bem informados o suficiente", diz Kermit Roosevelt, professor de administração da justiça na Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia, cuja especialidade inclui direito constitucional e conflitos de leis.
Além disso, Roosevelt explica que os fundadores pensaram que, sem o Colégio Eleitoral, os estados poderiam "sentir pressão para expandir seu eleitorado", ou seja, que poderiam conceder o direito de voto a populações específicas (como mulheres) e ganhar maior importância.
Pesquisa mostra que 63% preferiam mudar para um sistema de voto popular em vez do Colégio Eleitoral.
A escravidão foi outro motivo para sua criação. Os estados do sul queriam algum poder para a população escravizada, o que levou ao “compromisso dos três quintos” na época, dando aos estados do sul mais representação no Congresso.
O compromisso estabeleceu que, para fins de representação e tributação, cada pessoa escravizada contaria como três quintos de uma pessoa. Ou seja, o número de escravizados seria multiplicado por três quintos para calcular o total da população do estado, o que aumentava a representação desses estados no Congresso – e, indiretamente, seu poder eleitoral.
A OPINIÃO SOBRE O COLÉGIO ELEITORAL ESTÁ MUDANDO
Embora os EUA utilizem o Colégio Eleitoral há quase 250 anos, ele já gerou resultados controversos no passado e geralmente concentra a atenção dos candidatos em estados oscilantes.
“Basicamente, chegamos a um ponto em que o país diz: ‘ok, Pensilvânia, estamos empatados, então vocês decidem’”, diz Chris Stirewalt, editor político e apresentador do programa “The Hill Sunday”.
Stirewalt se viu em uma posição delicada por causa do Colégio Eleitoral na eleição de 2020, quando era editor de política na rede de TV Fox News. Naquela noite, ele decidiu que a rede anunciaria (corretamente) que o Arizona votaria em Joe Biden, muito antes das redes rivais.
A decisão foi recebida com fúria por parte dos espectadores do canal e até de seus colegas de trabalho. Embora ele estivesse certo, foi uma situação que não teria ocorrido caso o país utilizasse um sistema de voto popular para escolher o presidente. Stirewalt afirma que são situações como essa que fizeram com que os eleitores não gostassem do sistema de Colégio Eleitoral.
Os dados mostram que os cidadãos apoiariam o fim do sistema. Pesquisa recente da Pew Research mostra que, em setembro de 2024, 63% dos entrevistados preferiam mudar para um sistema de voto popular em vez do Colégio Eleitoral. Isso inclui aproximadamente 80% dos democratas e 46% dos republicanos.
ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA O COLÉGIO ELEITORAL
A vantagem mais clara de passar para um sistema de voto popular, diz Roosevelt, é a “igualdade política”. Isso significa que “um voto na Califórnia seria igual a um voto em Wyoming” e, efetivamente, eliminaria os "estados pêndulo", forçando os candidatos a fazer campanha em todo o país.
Haveria muito mais comícios cidades grandes como Seattle, Los Angeles, Nova York e Boston, em lugar de localidades menores como Tucson, Scranton, Eau Claire e Grand Rapids. “O voto popular é o mais fácil, simples e justo”, acredita Roosevelt.
Stirewalt discorda. “O Colégio Eleitoral não é o que há de errado com nossa política; ele poderia e deveria ser parte da solução”, afirma.
Embora os EUA utilizem o Colégio Eleitoral há quase 250 anos, ele já gerou resultados controversos no passado.
“O objetivo da Constituição é proteger minorias políticas. Se mudássemos a forma como escolhemos o presidente, isso também teria um efeito no eleitorado”, afirma Stirewalt, para quem haveria uma mudança fundamental nas motivações dos candidatos, o que poderia mudar como e onde eles fazem campanha.
O temor é de que os candidatos passariam quase todo o tempo em grandes cidades, onde estão a maioria dos eleitores, o que poderia fazer os cidadãos das zonas rurais se sentirem esquecidos.
Uma possível solução seria modificar o Colégio Eleitoral para o “plano Madison”, elaborado por James Madison, que alocaria os votos em nível distrital, em vez de estadual.
Assim, embora a Califórnia possa votar majoritariamente nos democratas em nível estadual, ainda existem milhões de votos republicanos no estado que estão essencialmente “presos”. Com uma modificação do Colégio Eleitoral, esses votos ainda poderiam ser contados.
UM PACTO ENTRE OS ESTADOS
Embora possa haver algum interesse político em mudar ou superar o Colégio Eleitoral, isso é pouco provável, pois exigiria uma emenda constitucional, que precisa do apoio da maioria na Câmara e no Senado, além da assinatura do presidente. Dado que o Congresso mal consegue aprovar um simples projeto de lei de orçamento, é improvável que isso aconteça em breve.
Se houver alguma esperança realista de mudar ou contornar o Colégio Eleitoral, provavelmente está no Pacto Interestadual de Voto Popular Nacional (NPVIC, na sigla em inglês), um acordo entre vários estados para juntar e conceder seus votos eleitorais ao candidato que vencer o voto popular.
Se os votos combinados desses estados superarem 270, então, efetivamente, o vencedor do voto popular também venceria o Colégio Eleitoral. No início deste ano, o Maine se tornou o 18º estado a aderir ao Pacto, elevando o total de votos para 209.
Mas Roosevelt afirma que não se sabe se o Pacto é constitucional. Assim, ele pode ser invalidado pela Suprema Corte, caso tentem implementá-lo. Ou seja, é mais provável que os EUA continuem com o sistema de Colégio Eleitoral no futuro próximo.
Se há algo que se pode fazer para melhorar o sistema, diz Stirewalt, é investir mais tempo educando os cidadãos sobre suas responsabilidades como eleitores e promovendo uma compreensão melhor de por que existem sistemas como o Colégio Eleitoral e como eles funcionam.
“Se há uma coisa que nossas escolas deveriam estar fazendo é preparando as pessoas para serem cidadãos mais conscientes”, afirma.