Seriam as mulheres mais propensas que os homens a denunciar escândalos no setor de tecnologia?
Nos últimos anos, várias denúncias vindas do alto escalão da indústria de tecnologia ganharam todos os holofotes e atenções. Na maioria das vezes, essas denúncias têm revelado práticas corporativas que contrariam o interesse público: Frances Haugen expôs como os dados pessoais são explorados pela Meta; Timnit Gebru e Rebecca Rivers desafiaram o Google em questões de ética da inteligência artificial; e Janneke Parrish levantou preocupações sobre uma cultura de trabalho discriminatória na Apple.
Os denunciantes são, majoritariamente, mulheres. Ao que parece, elas estão em uma proporção muito maior nesse seleto grupo do que no total dos trabalhadores da indústria de tecnologia. Isso levanta a curiosidade de saber se as mulheres são mais propensas a fazer denúncias nesse setor. E a resposta curta seria: “É mais complexo do que parece”.
Para muitos, encabeçar uma denúncia é o último recurso para fazer com que a sociedade resolva problemas que não podem ser solucionados dentro de uma empresa, ou que pelo menos estão fora da alçada do denunciante. A escolha por fazer uma denúncia vai depender do status do denunciante na organização, bem como do poder e dos recursos de que ele (ou ela) dispõe.
Para muitos, encabeçar uma denúncia é o último recurso para fazer com que a sociedade resolva problemas que não podem ser solucionados dentro de uma empresa.
Qual a abertura que têm para propor mudanças e como elas se identificam com os valores da empresa em que trabalham? O quanto o engajamento na questão a ser denunciada é importante para o/a denunciante e o quanto ele ou ela se sente comprometido com o escândalo?
Os denunciantes são, por princípio, pessoas mais focadas no interesse público? São mais virtuosos? São menos influentes em suas empresas? Essas são possíveis explicações para o porquê de tantas mulheres estarem denunciando as gigantes da tecnologia?
Para investigar essas questões, nós, uma cientista da computação e uma socióloga, exploramos a natureza das grandes denúncias na área de tecnologia, a influência do gênero e as suas implicações para o papel da tecnologia na sociedade. O que concluímos foi complexo e intrigante.
A NARRATIVA DA VIRTUDE
Na superfície, a noção de denunciantes do sexo feminino se encaixa com a narrativa predominante de que as mulheres seriam de alguma forma mais altruístas, mais focadas no interesse público ou moralmente mais virtuosas do que os homens. Há dados que mostram que as mulheres, mais do que os homens, estão associadas a níveis mais baixos de corrupção no governo e nas empresas.
Por exemplo: estudos mostram que quanto maior a proporção de mulheres eleitas em governos ao redor do mundo, menor a corrupção. Estudos experimentais e pesquisas de comportamento também mostram que as mulheres são mais éticas nos negócios do que os homens. Muito disso provavelmente decorre das diferenças na socialização de homens e mulheres, educados em papéis de gênero.
HÁ INDÍCIOS, MAS NÃO HÁ DADOS CONCRETOS
Embora a socialização induza as mulheres a se comportarem de forma mais ética em nossa sociedade, isso deixa em
No setor da tecnologia, as mulheres são sub- representadas, tanto em números quanto em poder organizacional.
aberto a questão de saber se elas realmente são mais propensas a serem denunciantes. Os dados completos sobre quem denuncia irregularidades são ilusórios. No entanto, as mulheres também parecem mais dispostas do que os homens a denunciar irregularidades quando podem fazer denúncias anônimas.
No setor da tecnologia, há um fator adicional em jogo. As mulheres estão sub-representadas, tanto em números quanto em poder organizacional – atualmente, elas representam cerca de 25% da força de trabalho em tecnologia e cerca de 30% de sua liderança executiva.
PELO INTERESSE PÚBLICO
As pessoas marginalizadas, muitas vezes, não têm um sentimento de pertencimento e inclusão em relação às empresas. Por isso, podem se sentir menos obrigadas a se manter “na linha” quando veem algo de errado. Dado tudo isso, é provável que alguma combinação de socialização de gênero e marginalização feminina nas gigantes de tecnologia crie uma situação em que as mulheres tendam a ser as denunciantes predominantes.
Pode ser que as denúncias no setor de tecnologia sejam o resultado de uma tempestade perfeita entre as questões de gênero nas empresas e os problemas que elas representam para o interesse público. Não existem dados claros e conclusivos. Sem provas concretas, é difícil julgar.
Mas a prevalência de denunciantes do sexo feminino nas grandes empresas tecnológicas é emblemática de ambas as deficiências. Os esforços dessas denunciantes geralmente visam aumentar a diversidade e reduzir os danos que as gigantes do setor causam à sociedade.
Mais do que qualquer outro setor corporativo, a tecnologia permeia a vida das pessoas. E, no entanto, a complexidade, as proteções de propriedade intelectual e a onipresença do digital tornam difícil para o público avaliar os riscos pessoais e o impacto social das Big Techs.
De todas as áreas da sociedade que precisam de transparência e de maior foco no interesse público, acreditamos que a prioridade mais urgente é a de tecnologia. Isso torna ainda mais importante a coragem e o compromisso público dos denunciantes.
Com base em texto de Francine Berman e Jennifer Lundquist, professoras da Universidade de Massachusetts Amherst.