Sonho de Putin de uma internet controlada pelo Estado está mais próximo

Ao banir VPNs e pressionar empresas de tecnologia, o Kremlin acelera seu plano de construir uma internet local que impeça o acesso dos russos à rede global

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Chris Stokel-Walker 3 minutos de leitura

Em uma nova ofensiva contra a liberdade digital, o governo de Vladimir Putin deu mais um passo rumo ao isolamento da internet russa. A agência estatal Roskomnadzor determinou que três das principais lojas de aplicativos removessem redes privadas virtuais (VPNs) de suas plataformas, restringindo ainda mais o acesso dos russos a conteúdos e informações não filtradas pelo regime.

Cerca de um quarto da população russa recorre a VPNs para escapar dos sistemas de vigilância e controle online do Estado, que têm como objetivo principal sufocar a dissidência interna. Agora, essas brechas estão sendo rapidamente fechadas.

Segundo o site TechRadar, mais de 50 serviços de VPN amplamente disponíveis em outros países sumiram da loja russa do Google Play. A empresa, ainda que mais resistente do que outras ao cumprimento das exigências de censura do Kremlin, também começa a ceder.

Para especialistas, o cenário aponta para uma escalada preocupante. “A intensificação da remoção de aplicativos de VPN faz parte de uma estratégia coordenada para cortar o acesso dos cidadãos à informação não censurada e a ferramentas de comunicação seguras”, alerta Alexey Kozliuk, presidente do VPN Guild, entidade que representa o setor.

Yevgeniy Golovchenko, pesquisador da Universidade de Copenhague especializado em censura digital, afirma que a Rússia está se aproximando do limite máximo de sua campanha repressiva na internet. “Estamos chegando ao topo da escada da censura”, resume.

ESTRATÉGIA PARA CRIAR UMA INTERNET CONTROLADA

Embora este novo ataque aos VPNs seja um dos mais agressivos já realizados, Golovchenko lembra que ele faz parte de uma estratégia de duas décadas do Kremlin para controlar o espaço digital. Desde a invasão da Ucrânia em 2022, esse esforço ganhou novo fôlego, impulsionado pela crescente insatisfação da população com os rumos da guerra.

Os principais usuários de VPN – jovens urbanos conectados e críticos ao regime – também figuram entre os mais propensos ao alistamento militar compulsório. Por isso, diz Golovchenko, controlar o que se acessa online se tornou uma peça-chave na manutenção do poder.

mais de 50 serviços de VPN disponíveis em outros países sumiram da loja russa do Google.

“O governo russo está tentando fragmentar a internet. A chamada ‘lei da internet soberana’ tem esse objetivo claro: criar uma internet russa isolada”, analisa o pesquisador.

A inspiração, afirma ele, vem da China. “O modelo chinês não se limita à censura. Ele também envolve fazer as pessoas usarem plataformas locais, mais suscetíveis ao controle estatal.” A Rússia segue a mesma lógica, banindo ferramentas globais e fortalecendo alternativas nacionais alinhadas à legislação do país.

Embora algumas empresas de VPN tenham desenvolvido soluções robustas para operar em ambientes altamente censurados como Rússia, Irã e Belarus, o cerco se fecha. O governo russo não só bloqueia os aplicativos, como tenta esconder informações sobre eles e pressiona plataformas globais a colaborar.

“As consequências para os cidadãos russos são graves”, afirma Kozliuk. Ferramentas essenciais para escapar do controle estatal estão sendo sistematicamente desmanteladas.

Para ele, o país está cada vez mais próximo de um “splinternet” – um ecossistema digital fragmentado, isolado e rigidamente regulado – uma internet controlada, inspirada no modelo chinês.

“O que estamos testemunhando não é apenas censura, mas a construção deliberada de fronteiras digitais, impostas pelo Estado e, cada vez mais, sustentadas por empresas de tecnologia globais que preferem se alinhar ao autoritarismo em nome do mercado”, conclui o presidente do VPN Guild.


SOBRE O AUTOR

Chris Stokel-Walker é um jornalista britânico com trabalhos publicados regularmente em veículos, como Wired, The Economist e Insider saiba mais