Trocar carne processada por queijo pode ajudar o cérebro, aponta pesquisa

Estudo associa consumo diário de queijos com alto teor de gordura a redução de 16% no risco de demência, mas especialistas pedem cautela na interpretação

Trocar carne por queijo
Crédito: freepik

Sarah Bregel e Anna-Louise Jackson 3 minutos de leitura

Se você exagerar na tábua de frios nas festas de fim de ano, talvez esteja fazendo um favor ao seu “eu” do futuro. Um estudo publicado na revista “Neurology” encontrou uma associação entre o consumo diário de cerca de 60 gramas ou mais de queijo com alto teor de gordura e uma redução de 16% no risco de demência.

Antes que você ache que isso é apenas uma propaganda da indústria do queijo, vale destacar que a pesquisa acompanhou quase 28 mil adultos em Malmö, na Suécia, por cerca de 25 anos.

Os dados mostram que pessoas que consumiam mais queijos com teor de gordura acima de 20% – como cheddar, gouda e queijos azuis, entre outros – apresentaram menor risco de desenvolver demência, independentemente da causa.

Os pesquisadores não observaram o mesmo efeito com outros laticínios ricos em gordura, mas ressaltam que “os resultados ainda precisam ser confirmados em diferentes populações”.

Embora a quantidade analisada – algo como menos de um punhado de cubos de queijo por dia – pareça pequena, cientistas estão em busca de quaisquer fatores que possam aumentar ou reduzir o risco de demência, mesmo que minimamente.

Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde, 55 milhões de pessoas vivem com demência no mundo. A OMS avalia que, até 2050, o  número de pessoas acometidas com algum tipo de demência deve triplicar.

No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 8,5% da população com 60 anos ou mais convivem com a doença – algo em torno de 1,8 milhão de pessoas. Até 2050, a projeção é que 5,7 milhões de casos sejam diagnosticados no país.

QUESTIONANDO OS RESULTADOS

Por mais tentador que seja usar o estudo como desculpa para comer queijo “pelo bem do cérebro”, o impacto na saúde como um todo – especialmente no peso – não pode ser ignorado. Os próprios autores pedem “cautela na interpretação” dos resultados, algo que outros especialistas fizeram questão de reforçar.

Os hábitos alimentares dos participantes foram registrados apenas uma vez, em 1991, e a maioria não foi reavaliada nos 25 anos seguintes. Esse tipo de metodologia levanta dúvidas sobre a confiabilidade das conclusões, como apontou Tian-Shin Yeh, médica e epidemiologista nutricional da Universidade Médica de Taipei, em Taiwan, em um editorial publicado junto com o estudo.

cabeça humana em forma de estátua se desmontando como um quebra-cabeças
Crédito: VPanteon/ Getty Images

Além disso, os benefícios observados apareceram principalmente quando o queijo substituiu outros alimentos, como carnes vermelhas gordurosas ou carnes processadas. Ou seja, o efeito pode ter menos a ver com o queijo em si e mais com o fato de ele ser uma escolha menos prejudicial, de acordo com Yeh.

Como acontece com qualquer estudo desse tipo, também é importante lembrar que associação não é o mesmo que uma relação de causa e efeito.

“Isso não prova que o queijo previne a demência, mas questiona a ideia de que todo laticínio rico em gordura seja ruim para o cérebro”, disse à CNN Emily Sonestedt, pesquisadora responsável pelo estudo e professora de nutrição da Universidade de Lund, na Suécia.

CETICISMO NO AR

Muita gente nem precisa da desculpa de possíveis benefícios cognitivos para consumir alimentos ricos em gordura saturada. Esse tipo de alimento ganhou força nos últimos anos com dietas como a cetogênica, apesar de médicos defenderem um consumo mais moderado.

Até projeção é que 5,7 milhões de casos de demência sejam diagnosticados no Brasil até 2050.

Há evidências de que gorduras saturadas elevam o colesterol LDL – o chamado “colesterol ruim” – e aumentam o risco de infarto e AVC. E, por mais atraentes que os resultados da pesquisa sueca pareçam para quem ama queijo, a forma como o estudo foi conduzido faz com que parte da comunidade científica continue desconfiada.

Como a relação entre o consumo de queijo e o risco de demência ficou “no limite da significância estatística”, ela pode simplesmente ser fruto do acaso, como observa Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição da Escola de Saúde Pública Harvard T.H. Chan e professor de medicina da Escola de Medicina de Harvard.

“Eu não vou sair correndo para comprar uma peça inteira de queijo”, disse ele à CNN.

Com informações da redação da Fast Company Brasil


SOBRE A AUTORA

Sarah Bregel é autora e editora. Anna-Louise Jackson é repórter freelancer e escreve sobre economia e finanças. saiba mais