Trump e sua “volta triunfal” ao X/ Twitter em entrevista a Elon Musk

A transmissão ao vivo de Trump, cheia de erros e distorções, tinha tudo para provocar uma onda de reações agressivas. Para Musk, esse era o objetivo

Créditos: Kelly Sikkema/ Unsplash/ Evan Vucci

Joe Berkowitz 5 minutos de leitura

Poucas vezes o meio foi mais a mensagem do que na noite da última segunda-feira (dia 12), quando Elon Musk organizou uma conversa ao vivo com Donald Trump no X, plataforma anteriormente conhecida como Twitter.

O fato de Musk ter conversado com Trump de forma individual já evidenciaria a aliança entre o homem mais rico do mundo e o ex-presidente. Mas o fato de terem feito isso no X diz muito mais. 

A tão alardeada transmissão ao vivo funcionou como um anúncio gigante em um outdoor sinalizando a volta de Trump à rede social, antes tão amada, e para o X como o lugar onde a política acontece em tempo real – especialmente aquela que reforça a visão de mundo pessoal de seu dono.

Musk parece convicto de que a eleição de Trump em novembro é fundamental para o futuro da civilização. Em uma publicação recente no X, o bilionário afirmou que, embora preferisse não ter nenhum envolvimento com a política, a mudança dos democratas "para longe da meritocracia e das liberdades pessoais... será o fim da civilização como a conhecemos".  

Aparentemente, Musk acredita que a ameaça é tão grande que agora está disposto a apoiar um homem que, no passado, prometeu reduzir os subsídios que tanto ajudaram os fabricantes de veículos elétricos como a Tesla (da qual ele também é dono). 

O desejo de Musk de ajudar a eleger Trump tem sido bastante evidente em tempos mais recentes, não apenas por seu compromisso financeiro (não especificado) com a campanha, mas por sua propensão a atuar como um serviço de assistente pessoal para contas de extrema direita no X. 

ATRASO E PERGUNTAS FÁCEIS

De certa forma, o evento foi ainda mais agitado do que o esperado.

Trump foi, previsivelmente, um grande atrativo – tanto que, quase 20 minutos após o início da palestra online, enquanto a música de espera ainda tocava para as quase um milhão de pessoas que estavam participando do evento no Spaces, muitos dos interessados em assistir não conseguiram entrar. 

Naquele momento, Musk anunciou que um aparente ataque DDoS (negação de serviço distribuído) estava afetando a transmissão, apesar do fato de que o resto do X parecia funcionar perfeitamente. O The Verge informou que provavelmente não houve um ataque DDoS, e um funcionário do X disse que havia "99%" de chance de Musk estar mentindo.

Depois de 45 minutos, Musk começou a entrevista lamentando que o ataque DDoS exemplificava a grande oposição a ouvir Trump e, em seguida, falou sobre o recente atentado contra a vida do ex-presidente.

Créditos: Gage Skidmore/ Steve Jurvetson/ Flickr

A teleconferência que se seguiu foi marcada principalmente pelo estilo de entrevista de Musk, em que ele nervosamente fez perguntas leves sobre tópicos favoráveis a Trump, como imigrantes sem documentos. Ele rapidamente desistiu de qualquer esforço para rebater respostas bizarras, como a sugestão de que o Hamas está entrando nos EUA pela fronteira mexicana.

Quanto ao conteúdo da conversa, bem, boa sorte para encontrar alguma coisa. Houve uma piada reciclada de que a mudança climática criará mais propriedades à beira-mar, desdém por greves trabalhistas e a sugestão do ex-presidente de que a inflação que se seguiu ao pico da pandemia não teria acontecido sob seu comando.

No entanto, se Musk está de fato preocupado em preservar o futuro, Trump garantiu a ele que a civilização ainda vai durar mais de "centenas de anos".

RETOMANDO O CONTROLE DA NARRATIVA

Mas, novamente, a mensagem não era o que importava nesse caso. Conseguir que o ex-presidente volte a dedicar tempo ao X é um feito para Musk – mesmo que isso não garanta que Trump comece a postar lá regularmente – e reafirma a rede social como uma arena política para o restante da eleição e depois dela.

Vale lembrar que, segundo informações divulgadas pela imprensa, o X sofreu uma queda de 30% no número de usuários ativos no primeiro ano após Musk assumir o comando.

Apesar das falhas técnicas, o evento contava com mais de 180 milhões de visualizações até o momento da publicação deste texto, mesmo que o engajamento real tenha sido provavelmente muito menor. 

Musk parece convicto de que a eleição de Trump em novembro é fundamental para o futuro da civilização.

O que Trump esperava obter com o evento, no entanto, é mais interessante. O ex-presidente teve algumas semanas extremamente ruins antes do bate-papo, começando com a decisão do presidente Joe Biden de desistir de concorrer à reeleição (aliás, anunciada com um post no próprio X).

Depois de uma aparição catastrófica na Associação Nacional de Jornalistas Negros, durante a qual ele semeou dúvidas sobre a identidade racial da vice-presidente Kamala Harris, ele organizou uma coletiva de imprensa desconexa, aparentemente para se gabar do tamanho da multidão em seus comícios, e sofreu algumas deserções significativas de influenciadores de direita como Tim Pool e Nick Fuentes.

Retornar ao X pelo menos redirecionaria um pouco da atenção dedicada a Harris (a campanha da candidata dos democratas passou toda a transmissão ao vivo  trollando Trump e Musk). 

    Talvez Trump tenha feito a "reunião de cúpula" com Musk porque está pronto para parar de fingir que as pessoas prestam atenção às suas publicações na sua rede Truth Social tanto quanto prestavam aos seus tuítes. Talvez ele esteja dando continuidade à sua aparente estratégia de ir atrás dos jovens conservadores da geração Z, aparecendo em podcasts e streams não tradicionais. 

    É claro que também existe a possibilidade de Trump simplesmente ter feito a transmissão ao vivo por obrigação, como um favor ao seu novo patrocinador. Basta ver o que ele disse em um comício recente na Geórgia: "sou a favor dos carros elétricos. Tenho que ser, porque Elon fez de tudo para me convencer".


    SOBRE O AUTOR

    Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais