Twitter suspende remoção de posts com fake news sobre a Covid-19

Reduzir o combate à desinformação é uma decisão que pode ter efeitos graves

Crédito: Freepik/ Istock

Anjana Susarla 4 minutos de leitura

A decisão do Twitter de abandonar sua política de combate às fake news sobre a Covid-19 foi publicada de maneira muito discreta na página de regras do site e passou a valer em 23 de novembro.

Pesquisadores e especialistas em saúde pública estão seriamente preocupados com as possíveis consequências de não haver mais nenhum aviso nas publicações que podem conter informações falsas ou enganosas.

As fake news sobre saúde não são algo novo. Um caso clássico é o da suposta ligação, já refutada, entre o autismo e a vacina tríplice viral, que se baseava em um estudo de 1998 fortemente contestado. Esses rumores trouxeram graves repercussões para a saúde pública.

reduzir a moderação de conteúdo é um passo e tanto na direção errada.

Os países que tiveram os movimentos mais fortes contra as vacinas para difteria-tétano-coqueluche (DTPa) enfrentaram uma incidência maior de coqueluche no final do século 20, por exemplo.

Como pesquisadora que estuda mídias sociais, acredito que reduzir a moderação de conteúdo é um passo e tanto na direção errada, especialmente quando conhecemos a batalha difícil que as plataformas têm enfrentado no combate à desinformação. E os riscos são mais altos quando o assunto diz respeito a notícias falsas sobre questões médicas.

DESINFORMAÇÃO NAS REDES SOCIAIS

Existem três diferenças principais entre as formas anteriores de desinformação e a que se propaga nas redes sociais.

Primeiro, a rede social permite que a desinformação se espalhe em uma escala, velocidade e alcance sem precedentes.

Segundo, o conteúdo sensacionalista e com probabilidade de desencadear fortes emoções tem maior probabilidade de se tornar viral, o que torna as fake news mais fáceis de circular do que a verdade.

conteúdos falsos sobre assuntos que deixam os ânimos exaltados, como vacinas, podem facilmente chamar a atenção.

Terceiro, as plataformas digitais, como o Twitter, exercem papel de mediadoras do acesso à informação na forma como agregam, selecionam e amplificam o conteúdo. Isso significa que conteúdos falsos sobre assuntos que deixam os ânimos exaltados, como vacinas, podem facilmente chamar a atenção.

A disseminação de notícias falsas durante a pandemia chegou a ser apelidada de infodemia pela Organização Mundial da Saúde. Há evidências consideráveis de que a desinformação relacionada à Covid-19 nas redes sociais reduziu a aceitação da vacina.

Especialistas em saúde pública alertaram que a desinformação está dificultando seriamente o progresso em direção à imunidade coletiva, enfraquecendo a capacidade da sociedade de lidar com as novas variantes do vírus.

Conteúdos mentirosos alimentam as dúvidas do público sobre a segurança das vacinas. Estudos mostram que a hesitação em se imunizar contra a Covid-19 é motivada por mal-entendidos sobre como funciona a imunidade de rebanho e por crenças em teorias da conspiração.

COMBATE À DESINFORMAÇÃO

As políticas de moderação de conteúdo das plataformas de mídia social e suas posturas em relação à desinformação são cruciais para combater a proliferação de informações mentirosas. Na ausência de fortes políticas de moderação de conteúdo no Twitter, a curadoria e a recomendação de conteúdo são feitas apenas por algoritmos, o que tende a aumentar a disseminação de mensagens falsas ou tendenciosas.

Aumentam também os efeitos das bolhas de informação, exacerbando, por exemplo, as diferenças partidárias na exposição ao conteúdo. O viés algorítmico nos sistemas de recomendação tende a acentuar ainda mais as disparidades globais de saúde e raciais na captação de vacinas.

Pesquisas que monitoram a vacinação contra a Covid-19 mostram que a confiança nas informações emitidas por fontes oficiais caiu significativamente.

Há evidências de que algumas plataformas menos regulamentadas podem ampliar o impacto de fontes não confiáveis sobre a Covid-19. Também há evidências de que o ecossistema de desinformação age trazendo fake news que se originaram em outras plataformas, menos moderadas, até as pessoas que estão em redes que moderam o conteúdo. 

O perigo é que não só haverá mais discursos antivacina no Twitter, como esse discurso tóxico pode vir a se espalhar para outras plataformas que estejam investindo no combate à desinformação na área de saúde.

Pesquisas que monitoram a vacinação contra a Covid-19 feitas pela Kaiser Family Foundation revelam que a confiança do público nas informações sobre a doença emitidas por fontes oficiais, como governos, caiu significativamente nos EUA.

Por exemplo, a parcela de republicanos que disseram confiar agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (Food and Drug Administration) caiu de 62% para 43% de dezembro de 2020 a outubro de 2022.

MEDIDAS INDISPENSÁVEIS

Em 2021, o médico chefe (surgeon general) do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA identificou que as políticas de moderação de conteúdo das redes sociais precisam:

● Prestar atenção à programação dos algoritmos de recomendação.

● Priorizar a detecção precoce das desinformações.

● Ampliar a visibilidade online de informações de fontes confiáveis sobre saúde.

Essas prioridades exigem parcerias entre organizações de saúde e plataformas, para criar diretrizes de melhores práticas para lidar com as fake news sobre saúde. Desenvolver e aplicar políticas eficazes de moderação de conteúdo requer planejamento e recursos.

À luz de tudo o que os pesquisadores sabem sobre a desinformação sobre a doença no Twitter, acredito que o anúncio de que a empresa não vai mais banir os conteúdos falsos relacionados à Covid-19 é preocupante, para dizer o mínimo.


SOBRE A AUTORA

Anjana Susarla é professora de sistemas de informação na Universidade Estadual de Michigan. saiba mais