Vencedora do Nobel da Paz faz alerta sobre big techs – e a ameaça é maior do que parece
Confira o que está por trás do crescimento de regimes autoritários, segundo especialista

No final de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que as big techs devem ser responsabilizadas por conteúdos criminosos publicados por terceiros em suas plataformas. A decisão alterou o Marco Civil da Internet, ampliando a responsabilização civil dessas empresas e provocando reações negativas entre as gigantes do setor.
Neste cenário, a jornalista filipina Maria Ressa – ganhadora do Prêmio Nobel da Paz em 2021 e uma das principais defensoras da regulamentação das redes sociais – manifestou preocupação com o avanço da inteligência artificial e reafirmou o papel essencial do jornalismo como pilar da democracia, mesmo diante de ataques recorrentes.
Perseguida nas Filipinas e sob risco de prisão, Ressa se destaca como uma voz influente na defesa da liberdade de expressão. Em seu livro “Como enfrentar um ditador”, publicado pela Companhia das Letras, ela identifica as big techs como a maior ameaça às democracias, comparando suas ações a uma antiga forma de execução chinesa conhecida como “morte por mil cortes”.
Ressa aponta que as redes sociais são projetadas para maximizar lucros com base na permanência do usuário em rolagens contínuas alimentadas por desinformação e que as mentiras hoje se espalham seis vezes mais rápido do que em 2018, impulsionadas por medo, ódio e raiva, Isso altera o comportamento, a percepção do mundo e o processo de escolha política das pessoas.
Essa lógica, de acordo com ela, contribuiu para o crescimento de regimes autoritários. Em março, o instituto V-Dem, da Suécia, indicou que 72% da população mundial vive sob regimes autoritários, número semelhante ao de 1978.
A jornalista ressalta que o primeiro contato da IA com a sociedade ocorre justamente pelas redes sociais, que coletam dados e constroem clones digitais dos usuários para fins de micro segmentação publicitária.
Ressa adverte que esse modelo, utilizado por governos e empresas, compromete a privacidade e permite manipulações em larga escala, como ocorreu nas eleições dos EUA em 2016, quando 126 milhões de eleitores foram expostos à propaganda russa.
CIENTISTAS PEDEM REGULAÇÃO DAS BIG TECHS
Ela também alerta para os riscos dos deep fakes, que já têm sido usados para associá-la, falsamente, à venda de criptomoedas e à incitação contra o uso de medicamentos.
Ressa defende a criação urgente de leis que regulem o uso da IA generativa, argumentando que a ausência de regulamentação ameaça a segurança pública e compromete a distinção entre o real e o falso.
Em 2021, Ressa e o jornalista russo Dmitry Muratov lançaram um plano de ação com apoio de mais de 300 ganhadores do Nobel e organizações civis.

A proposta defende o fim da vigilância por lucro, a garantia de privacidade dos dados e o combate aos vieses algorítmicos que marginalizam grupos minoritários. Também reforça o jornalismo como antídoto à tirania, destacando seu papel em desafiar o poder e preservar a democracia.
Ela critica a fragilidade das regras nos Estados Unidos, onde o discurso de ódio ganhou status de liberdade de expressão graças à atuação dos lobbies das big techs.
Ressa compara essa permissividade à falta de regulamentações básicas: enquanto uma torradeira precisa seguir normas de segurança, os softwares dessas empresas operam sem qualquer padrão técnico ou ético. Para ela, engenheiros de software deveriam seguir os mesmos códigos de responsabilidade aplicados na engenharia civil.
Na sua visão, as plataformas das big techs incentivam os usuários a se comportarem da pior forma possível, premiando a mentira, o ódio e o medo. Por isso, ela defende que a segurança seja colocada acima do lucro.