Você sabia que existe o “Viagra feminino”? Um novo documentário conta essa história
O filme acompanha Cindy Eckert, fundadora da Sprout Pharmaceuticals, que trabalhou durante cinco anos para levar o Addyi ao mercado nos EUA

Depois que o Viagra chegou ao mercado em 1998, mulheres começaram a clamar por um medicamento próprio. Mas levaria décadas até que a comunidade médica passasse a levar a sério a saúde sexual feminina, e ainda mais tempo para desenvolver e aprovar um fármaco capaz de melhorar a libido das mulheres.
Um novo documentário, "The Pink Pill: Sex, Drugs, and Who Has Control" (A pílula rosa: sexo drogas e quem detém o controle, em tradução livre), que estreia hoje no festival DOC NYC, explora a batalha para lançar o Addyi, conhecido como o “Viagra feminino”.
Dirigido por Aisling Chin-Yee, o filme acompanha Cindy Eckert, fundadora da Sprout Pharmaceuticals, que trabalhou durante cinco anos para levar o Addyi ao mercado, o que só conseguiu em 2015. Mas tão fascinante quanto isso é a forma como o documentário aborda a percepção social sobre a sexualidade feminina e questiona se as mulheres têm direito ao prazer sexual.
O filme também conta com um apoiador incomum. A Knix, startup de roupas íntimas conhecida por suas calcinhas absorventes, financiou a finalização do projeto, e sua fundadora, Joanna Griffiths, atua como produtora executiva.
É uma estratégia interessante que permite à Knix integrar-se a um debate mais amplo sobre os direitos das mulheres, ao mesmo tempo que, potencialmente, apresenta a marca a novos consumidores.
A TENTATIVA DO GOVERNO DE BARRAR O ADDYI
A baixa libido é um problema muito comum entre mulheres. No documentário, várias delas relatam como o desejo sexual pode simplesmente desaparecer, prejudicando relacionamentos amorosos e reduzindo sua qualidade de vida.
Mas, enquanto a perda de desejo sexual nos homens é tratada como um problema de saúde, as disfunções femininas frequentemente são descartadas. Mulheres descrevem médicos dizendo que bastaria tomar uma taça de vinho ou ler um romance erótico para “entrar no clima”.
Mas, em 2009, uma farmacêutica alemã "tropeçou" em uma descoberta. Um medicamento originalmente desenvolvido para tratar depressão mostrou-se capaz de melhorar o desejo sexual feminino.
Porém, quando a empresa tentou levá-lo ao mercado, a FDA (a agência reguladora de medicamentos e alimentos dos EUA) rejeitou o medicamento, citando dúvidas sobre sua eficácia e seus efeitos colaterais. Assim, o projeto foi abandonado.
Foi então que surgiu Cindy Eckert, uma executiva da indústria farmacêutica que havia enfrentado, ela mesma, a questão da baixa libido e que acreditou que valia a pena enfrentar a FDA.
A baixa libido é um problema muito comum entre mulheres.
Eckert comprou o medicamento da empresa alemã por US$ 5 milhões e voltou à agência para perguntar quais dados seriam necessários para a aprovação. Mas, à medida que atendia às exigências, surgiam novas demandas.
O documentário de Chin-Yee argumenta que a FDA aplicou ao Addyi um padrão mais alto do que costuma aplicar a outros medicamentos, justamente porque ele era voltado para mulheres.
Um dos efeitos colaterais do Addyi, por exemplo, é a sonolência, algo comum em muitos remédios do mercado. Mas a FDA queria bloqueá-lo por temer que uma mulher o tomasse à noite e depois adormecesse ao volante enquanto levava os filhos para a escola na manhã seguinte.
OBJEÇÕES AO"VIAGRA FEMININO"
Em resposta a esse questionamento, Eckert investiu mais de US$ 1 milhão em um estudo direcionado, que mostrou que as mulheres na verdade dirigiam melhor após tomar o Addyi – possivelmente porque dormiam melhor.
“[As preocupações deles eram] muito sobre proteger as mulheres porque elas talvez não tomassem boas decisões”, diz a Anita Clayton, professora de obstetrícia e ginecologia da Universidade da Virgínia, cuja prática clínica e pesquisa são focadas em saúde mental e disfunções sexuais femininas.
Eckert enfrentou entraves da FDA durante cinco anos, sempre trabalhando para cumprir as exigências do órgão. Nesse período, a luta para lançar o medicamento transformou-se em um movimento mais amplo pelo direito da mulher ao prazer sexual, com várias organizações reivindicando que a agência aprovasse o "Viagra feminino".

Houve também reação contrária. Alguns argumentavam que o remédio era desnecessário porque mulheres são fisicamente capazes de ter relações mesmo sem estarem excitadas — ao contrário dos homens. Outros diziam que era normal que mulheres não apreciassem sexo depois que este deixava de ser necessário para a reprodução, como após o parto ou na menopausa.
No fim, contudo, Eckert conseguiu vencer cada obstáculo e a FDA aprovou o medicamento em 2015. Ele passou a ser amplamente disponível em 2017. Mas as vendas foram decepcionantes e o Addyi nunca se tornou um sucesso à altura do Viagra.
Em dezembro de 2024, porém, a empresa de Eckert recebeu US$ 45,6 milhões em investimentos de capital de risco e atualmente gera receita. Há esperança de que mais mulheres se sintam à vontade para conversar com seus médicos sobre baixa libido e que os médicos prescrevam o Addyi.
QUANDO UMA MARCA SE TORNA PRODUTORA DE UM FILME
Joanna Griffiths, fundadora da Knix, se apaixonou por "The Pink Pill" quando o projeto chegou à sua mesa, há dois anos, enquanto Chin-Yee finalizava as filmagens. “Ele levanta questões muito importantes sobre a sexualidade feminina”, afirma.
O tema do filme não está diretamente ligado ao negócio da Knix, que vende roupas íntimas e peças funcionais, como calcinhas absorventes e sutiãs para adolescentes. Mas, ao longo dos anos, Griffiths tem buscado inserir a marca em conversas mais amplas que dizem respeito às mulheres.
Em 2021, por exemplo, a empresa lançou Life After Birth (Vida após o parto), exposição e livro que documentam como o corpo feminino muda após a mulher dar à luz. Projetos como esse não são pensados para vender produtos, mas para associar a marca a ideias mais amplas.

A Frida, marca voltada para bebês e novas mães, fez algo parecido ao encomendar recentemente uma estátua de uma mulher no pós-parto, atualmente exibida em várias partes do mundo.
Griffiths acredita que financiar filmes e arte é mais gratificante do que muitas das iniciativas nas quais marcas de consumo costumam gastar seu orçamento de marketing.
Assim, a Knix pretende ajudar a disseminar "The Pink Pill" por meio de sessões gratuitas nos Estados Unidos e no Canadá e está trabalhando para que serviços de streaming o incluam em seus catálogos.