X (ex-Twitter) bloqueado no Brasil: entenda o caso e o que pode acontecer

STF confirma bloqueio da rede e Partido Novo entra com ação contra a decisão

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Camila de Lira 6 minutos de leitura

Atualizada na quarta-feira (04/09) às 15h20

O X (ex-Twitter) continua fora do ar no país. As grandes operadoras derrubaram a rede social, mas, no começo da semana, usuários da Starlink, provedora de internet de Elon Musk, ainda conseguiam utilizar a plataforma. Com perigo de perder a licença da Agência Nacional de Telefonia (Anatel), a Starlink informou que seguirá a ordem judicial.

A primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou, por unanimidade, manter o X sem operar no país. O colegiado também aprovou o estabelecimento de multa diária para aqueles que tentarem acessar a rede social via rede privada virtual (VPN, na sigla em inglês). Já o Partido Novo entrou com recurso para tentar derrubar a decisão do ministro Alexandre de Moraes.

O X está fora do ar no Brasil desde a madrugada de sábado. A empresa, que conta com mais de 20 milhões de usuários no país, não tem um responsável judicial para responder pela proteção dos brasileiros que a utilizam. O Marco Civil da Internet exige que provedores digitais sejam responsabilizados por danos decorrentes dos conteúdos gerados nas redes. 

O X não tem um representante legal desde meados de agosto, quando Elon Musk fechou os escritórios da empresa no país. Desde abril, Musk também descumpre decisões judiciais ao não bloquear perfis apontados como disseminadores de discurso de ódio, além de não pagar multas impostas pelo descumprimento das decisões.

Segundo o ministro do STF Flávio Dino, a soberania nacional está acima da rede social. Dino sustentou que uma empresa não pode impor a sua visão sobre "quais regras devem ser válidas ou aplicadas" no país. "O poder econômico e o tamanho da conta bancária não fazem nascer uma esdrúxula imunidade de jurisdição", afirmou.

Juristas explicam que o voto unânime torna mais difícil da decisão ser revertida, uma vez que, mesmo o ministro que receber a ação judicial do Partido Novo terá que angariar mais votos do que os cinco da primeira turma.

AÇÃO DO NOVO CONTRA SUSPENSÃO

O ministro do STF Nunes Marques foi sorteado como relator da ação do Partido Novo para suspender o bloqueio do X no Brasil. O Novo defende que a decisão de Moraes é censura e coloca em risco a liberdade de expressão. Nunes irá analisar o pedido da liminar que pede que o X volte ao ar, justificando que a rede social é essencial na “vida cotidiana das pessoas”. 

O ministro não faz parte da primeira turma do STF (que endossou a decisão de Moraes por unanimidade) e ainda não votou. O relator pode encaminhar uma decisão individual sobre o tema e levar o caso ao plenário, para colher votos dos outros ministros.

Na ação, o Novo argumenta que "a previsão da multa diária no valor de R$ 50 mil se apresenta muito mais como uma medida de amedrontamento destinada aos cidadãos brasileiros (…) do que propriamente uma medida executiva para forçar que os executados cumpram a decisão judicial". 

VPN E PRESSÃO

A decisão autorizada pelo STF vetou o uso de serviços de VPN com intuito de “fraudar a decisão judicial” e dar continuidade à utilização do X. Quem acessar a rede social utilizando “subterfúgios tecnológicos” está passível de pagar multa diária de R$ 50 mil. Mas nem todos os brasileiros estão sem acesso ao X.

A provedora de internet de Musk informou ao público, via postagem no X, que irá cumprir a ordem do STF. Segundo a publicação, a companhia está em conversas com o STF desde o congelamento das contas no Brasil. E, embora acredite que "as ordens recentes de Alexandre de Moraes violem a Constituição do país", a Starlink quer seguir as "vias legais".

Artistas internacionais e fandons de artistas pop reclamaram da ausência de brasileiros no X.

Na semana passada, as contas da Starlink foram congeladas para garantir o pagamento das multas da rede social. Diante da decisão, Elon Musk ameaçou uma "retaliação".   

De acordo com a Agência Lupa, houve aumento nos anúncios pagos da Starlink no Brasil nos últimos dias. Usuários que conseguem acessar a plataforma se depararam com um novo perfil, Alexandre Files, que está postando supostos documentos que o STF teria encaminho ao X. Os documentos mostram pedidos de retirada de perfis do ar. 

BLUESKY, THREADS E DISCORD?

Artistas internacionais e fandons de artistas pop reclamaram durante o final de semana da ausência de brasileiros na plataforma. A cantora Cardi B apontou em seu perfil no X que “a maioria das minhas fan pages são do Brasil”. 

Por aqui, os brasileiros se dividiram: alguns foram para o Threads, aplicativo de rede social de texto da Meta que é conectado ao Instagram. Outra parte foi para o BlueSky, microblog criado por um dos fundadores do Twitter, Jack Dorsey (que já não está mais na empresa). 

Em menos de quatro dias, o BlueSky passou de 500 mil para dois milhões de usuários ativos. Algumas postagens na página oficial do BlueSky brincam, dizendo que a rede “agora é oficialmente brasileira”. 

Embora tenham designs parecidos, o BlueSky é uma rede social descentralizada e de código aberto. Pessoas de fora da companhia podem observar como o algoritmo é construído e como está se desenvolvendo. Os usuários podem optar por sair da rede, levando consigo os contatos e os dados criados. É uma proposta de rede social mais próxima do que foi o Twitter nos primeiros tempos.

ELEIÇÕES 2024

O X já é proibido em regimes autoritários como Rússia, Irã, Mianmar, Coreia do Norte, Venezuela e Turcomenistão. No Brasil, no entanto, a discussão é sobre o poder democrático.

A recusa de Elon Musk em nomear um representante legal seria particularmente problemática antes das eleições municipais de outubro. No período, o pedido de retirada de conteúdo do ar é mais intenso, devido às atividades do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sem um representante, o X não tem como responder a tempo e não consegue garantir que as regras eleitorais sejam respeitadas na plataforma. 

Em menos de quatro dias, o BlueSky passou de 500 mil para dois milhões de usuários ativos.

Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o fato de a rede social de Musk atuar no Brasil nesses parâmetros representa "risco gravíssimo" ao processo eleitoral.

"A tentativa do Twitter de colocar-se à margem da lei brasileira, às vésperas das eleições municipais de 2024, demonstra seu claro intuito de manter e permitir a instrumentalização das redes sociais, com a massiva divulgação de desinformação e com a possibilidade da nociva e ilícita utilização da tecnologia e inteligência artificial para direcionar, clandestinamente, a vontade do eleitorado, colocando em risco a democracia", afirmou Moraes em seu voto.

DESPREZO E RECURSO

O X chamou o banimento no Brasil de censura, tanto em seus canais oficiais como por meio de Elon Musk. A postura combativa do empresário contra o judiciário brasileiro é contrasta com a maneira com que ele tratou ordens judiciais de países como Turquia e Índia. O fato foi lembrado por Dino e Moraes.

A ministra Cármen Lúcia, durante a plenária da primeira yurma do STF, destacou em seu voto que o Poder Judiciário é um sistema de órgãos decorrentes da soberania nacional e, portanto, sua decisão tem de ser “acatada, respeitada e legitimada”.

Ela reiterou que ordens judiciais devem ser questionadas na forma da legislação processual, “não segundo os humores e voluntarismos de quem quer que seja, nacional ou estrangeiro”.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais