10 filmes de “terror tecnológico” para escolher e curtir neste Halloween
Os filmes que desafiam, criticam ou buscam, de alguma forma, destruir a engrenagem prejudicial à coletividade
O Halloween chegou, o que é uma boa desculpa para assistir a alguns filmes de um dos gêneros mais subestimados do cinema: o sci-fi horror. A ficção científica de terror é um dos meios mais eficazes para fazer uma crítica à tecnologia e aos seus mestres corporativos, expressar as ansiedades tecnológicas e denunciar injustiças de forma contundente.
Isso acontece especialmente no sub-subgênero da ficção científica de terror que aborda a tecnologia – e que, às vezes, é chamado de "tecno-horror", embora eu tenda a resistir a esse termo. Prefiro "terror ludita".
Os verdadeiros luditas não eram reacionários ignorantes que queriam destruir máquinas por não entende-las. Eram um movimento trabalhista bem organizado e militante, cujos membros compreendiam plenamente a ameaça que certas máquinas representavam para seus meios de subsistência.
Os luditas faziam uma crítica furiosa da tecnologia e achavam que, se ela estava sendo usada para oprimir ou explorar, às vezes o certo a fazer era destruí-la. A ficção científica de terror é um gênero particularmente eficaz em canalizar essa tipo de raiva coletiva.
Assim, montei esta lista de filmes essenciais de terror ludita; filmes que desafiam, criticam ou, de alguma forma, buscam destruir as engrenagens prejudiciais ao bem comum.
O Enigma do Horizonte (“Event Horizon” / 1997)
Este é, essencialmente, um filme estilo Frankenstein que se passa na órbita de Netuno, com semi-senciente nave Event Horizon assumindo o papel do monstro e o personagem dr. Weir representando o dr. Frankenstein.
Weir projetou a Event Horizon para dobrar as leis do espaço-tempo, mas acabou abrindo um portal para o inferno. O que torna este um bom filme de terror ludita é que o protagonista principal, o Capitão Miller, toma a decisão moral correta de disparar todos os mísseis possíveis contra a Event Horizon.
Weir está decidido a tentar salvar o portal do inferno. Felizmente, Miller consegue destruir Weir e grande parte da nave, potencialmente enviando todos para o inferno no processo.
Mas a cena final, na qual um dos sobreviventes tem uma visão de Weir voltando, indica que esse impulso de construir dispositivos que poderiam liberar o inferno em nosso mundo sobreviveu, afinal.
Disponível na Apple TV
O Homem Invisível (“Invisible Man”/ 2020)
Cecilia Kass é casada com Adrian Griffin, CEO de uma empresa de tecnologia abusivo e controlador. Ela consegue escapar da fortaleza de vigilância que é a casa deles, mas logo surge a notícia de que Griffin cometeu suicídio. A partir daí, uma presença invisível começa a atormentá-la em todos os lugares.
O filme recebeu elogios pela atuação de Elizabeth Moss e pela forma como apresenta o medo e o gaslighting que vítimas de abuso enfrentam todos os dias, sendo igualmente eficaz ao criticar os magnatas da tecnologia.
Griffin usa sua fortuna e uma tecnologia de “aumento humano” de última geração para vigiar e atormentar sua ex-esposa, fazendo com que nós, espectadores, questionemos por que essas coisas são construídas, e para quem.
Disponível no Mubi
Catástrofe Nuclear (“Threads”/ 1984)
Não é exatamente um “filme de terror”, e sim simplesmente “horripilante”, pois tenta representar metodicamente, passo a passo, dia a dia, como seria um holocausto nuclear real quando as bombas começassem a cair.
Ambientado no auge da Guerra Fria, o filme começa com as potências nucleares perdendo o controle, e o alvo é a cidade de Sheffield. Vemos corpos sendo vaporizados pela explosão, pessoas terrivelmente queimadas mais ao longe e a luta enlouquecida pela sobrevivência entre os que restaram, morrendo de envenenamento por radiação ou congelando no inverno nuclear.
O efeito é como assistir a um documentário sobre um futuro que esteve, e está sempre, a alguns apertos de botão de distância. O filme nos obriga a encarar esse futuro. Se mais pessoas o fizessem, talvez nos sentíssemos mais confiantes sobre nossas chances de ele nunca se tornar realidade.
Disponível no Mubi e no YouTube
O Exterminador do Futuro (“Terminator”/ 1984)
Há um argumento recorrente entre cinéfilos de que "O Exterminador do Futuro" é, antes de tudo, um filme de terror – ao contrário de "O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final" e das sequências posteriores. O primeiro "Exterminador" é um suspense ininterrupto, com Sarah Connor tentando escapar de uma máquina assassina programada para matá-la a qualquer custo.
A SkyNet talvez seja nosso Frankenstein moderno mais emblemático. A poderosa rede de computadores que acaba dominando o mundo tornou-se referência universal de uma IA fora de controle.
No primeiro filme, ela se esconde na atmosfera sufocante. Há algumas visões do futuro sombrio nas mãos das máquinas, mas são fugazes. As continuações expandiram a resistência humana liderada por John Connor – na verdade, uma resistência ludita. Mas aqui, o foco está em Sarah, mais fugindo do que enfrentando a marcha implacável da máquina assassina.
Disponível no Prime Video
Personal Shopper (2016)
Um filme singular, sombrio e melancólico, que acompanha a personagem de Kristen Stewart, que acaba de perder seu irmão gêmeo Lewis devido a uma doença cardíaca congênita, que ela também possui. Trabalhando como personal shopper para uma celebridade em Paris, ela busca um sinal do irmão, que prometeu contatá-la, de alguma forma, após a morte.
Ela começa a receber mensagens de texto de um remetente desconhecido, que ela acredita ser Lewis, e o filme se torna cada vez mais sombrio e assombrado a partir daí. Há uma crítica tanto à tecnologia quanto ao desejo consumista permeando o filme, e como esses fatores distorcem nossa capacidade de autoconhecimento e de compreender o que realmente queremos.
Disponível no Globoplay
Eraserhead (1977)
O filme se preocupa mais com os efeitos nefastos da industrialização e da pobreza. Henry Spencer precisa atravessar longos e hostis desertos de escombros toda vez que sai. Ele se apega ao mundo imaginário de seu radiador, já que não há muito mais o que fazer, e recebe uma refeição de frango criado em laboratório que solta um sangue esquisito quando cortado.
Gravado em preto e branco, o terror surrealista foi o primeiro longa-metragem do diretor David Lynch, produzido com o apoio da American Film Institute (AFI) no período em que ele estudava lá.
Há uma crítica sobre como a industrialização – as fábricas, as tecnologias – representa um inferno para os pobres e como, em um ambiente assim, a perspectiva de criar um filho pode parecer tão assustadora quanto cuidar de um lagarto alienígena choramingão.
Mais que tudo, Lynch evoca um clima de terror de viver com pouco em tais espaços, com o barulho ensurdecedor das máquinas sempre ao fundo, numa espera sombria pela esperança de que, como diz a garota do radiador, “no céu, tudo está bem, você tem suas boas coisas e eu tenho as minhas.”
Disponível no Prime Video
Corra! (“Get Out” / 2017)
A grande revelação do filme é que elites brancas possuem uma tecnologia que pode literalmente se apropriar da negritude, colocando um cérebro branco em um corpo negro.
Muitas tecnologias reais são usadas para fazer isso no mundo atual, é claro, como as plataformas de redes sociais, que usam a negritude para obter reconhecimento cultural, aproveitando-se dos usuários negros – enquanto as empresas que lucram com o conteúdo empregam poucos funcionários negros.
"Corra!" é um grande filme de terror e nos lembra que essas tecnologias estão em destaque, servindo aos poderosos, muitas vezes escondidas à vista, operando sob a superfície, enquanto a igualdade racial é celebrada em público. Mais uma vez, como descobre o protagonista Chris, a única maneira de resistir é lutar contra os operadores dessas máquinas.
Disponível na Netflix
Godzilla (“Gojira” / 1954)
Se você ainda não assistiu, ou se já faz anos e você mal se lembra, assista ao filme original. Feito menos de uma década após Hiroshima, é uma poderosa expressão do horror, da dor e do choque de uma nação traumatizada após ser devastada pela tecnologia mais destrutiva da história.
Godzilla é o inferno destrutivo liberado pela bomba nuclear, com a população de Tóquio fugindo em terror de sua ira. Mesmo décadas de diluição cultural e embates exagerados com monstros não conseguiram atenuar o impacto desta obra.
Disponível no Prime Video
Alien, o Oitavo Passageiro (“Alien”/ 1979)
O maior filme de ficção científica de terror de todos os tempos é também o maior filme de terror ludita de todos os tempos.
Temos uma tripulação majoritariamente de operários espaciais tendo que enfrentar os horrores mais terríveis por conta de uma política corporativa, reforçada pela Mãe (a inteligência artificial que controla a nave) e por Ash, o androide da empresa. A tripulação da Nostromo é intensamente vigiada e controlada, via IA, até mesmo nos confins do espaço.
A protagonista Ellen Ripley se tornaria uma heroína de ação in comparável graças à sua habilidade única de enfrentar o alienígena mortal. Mas ela é também a única que se opõe ao poder corporativo e à tecnologia que a empresa possui – especialmente o androide Ash.
Ela se torna icônica por colocar a humanidade em primeiro lugar, lutando contra a lucrativa arma biológica e a poderosa IA corporativa. Ellen Ripley é, em outras palavras, uma verdadeira ludita.
Disponível no Disney+
Videodrome - A Síndrome do Vídeo (“Videodrome”/ 1983)
É incrível que, quatro décadas atrás, "Videodrome" não só tenha previsto a corrida moralmente degradante que as tecnologias de mídia, guiadas por executivos inescrupulosos, facilitariam, mas também tenha comunicado tão bem a sensação de se sentir, ao mesmo tempo, fascinado, enojado e viciado pelo conteúdo gerado.
O filme tem inúmeros detalhes impressionantes – um local onde pessoas desabrigadas são levadas a cubículos para assistir TV, a imagem recorrente do corpo literalmente se abrindo para consumir uma fita de vídeo, consumindo conteúdo, e o estado de sonho alucinatório em que impulsos violentos e sexuais, inspirados pelos horrores que assistimos na tela, são ao mesmo tempo reais e irreais.
Até o lema do filme ("Vida longa à nova carne!", expressão que sugere a fusão entre o ser humano e a tecnologia) soa como uma verdade inegável. É difícil argumentar que a intensa mediação digital, totalmente integrada ao nosso cotidiano, não nos alterou em um nível fundamental nem mudou como pensamos. Longa vida à nova carne, de fato.
Disponível no Mubi
Este artigo foi republicado com permissão de Blood in the Machine, newsletter sobre IA, Vale do Silício, trabalho e poder.