A jogada das empresas de criptomoedas: seguir o manual da Uber

Elas apostaram que, se conseguissem se tornar grandes o suficiente, os reguladores não teriam escolha a não ser adaptar as regras para acomodá-las

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James Surowiecki 4 minutos de leitura

Após o chamado “inverno cripto” de 2022, quando os preços das criptomoedas colapsaram, os tokens Luna e Terra implodiram e a Celsius Network e a FTX faliram, 2023 registrou um sólido retorno nos preços e muito menos turbulência no mercado. Contudo, também houve uma repressão regulatória direcionada a alguns dos nomes mais importantes do setor.

Em junho, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) acusou a Binance de elaborar e implementar “um plano em etapas para burlar as leis” e de permitir conscientemente que clientes fizessem negócios com ela, apesar de nunca ter se registrado junto às autoridades dos EUA. No mesmo mês, também apresentou uma queixa contra a Coinbase por operar uma exchange não regulamentada.

Em seus primeiros anos, empresas como Uber e Airbnb desafiaram as regulamentações municipais e estaduais, às vezes de forma escancarada.

Na semana passada, a SEC e a Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities (CFTC) moveram processos contra Alex Mashinky, fundador e ex-CEO da Celsius, enquanto o Departamento de Justiça norte-americano (DOJ) apresentou acusações criminais de fraude contra o empresário. A Binance e a Coinbase, é claro, negam as acusações, assim como Mashinsky, mas muitos detalhes nas queixas são comprometedores.

A Celsius, por exemplo, operava como um banco de criptomoedas, oferecendo contas com juros altos para depositantes – prometendo retornos de até 18% – e usava parte desse dinheiro para fazer empréstimos de alto risco a juros elevados. A empresa não era regulamentada, não tinha seguro de depósito e operava, segundo o DOJ, essencialmente como um “fundo de investimento de risco”.

As queixas da CFTC e da SEC contra a Binance mostram que a corretora buscava evitar a regulamentação o máximo possível, não tendo sequer uma sede, o que tornava mais difícil sujeitá-la ao sistema regulatório de qualquer país.

Evitar regulamentações nos EUA parece ser uma prioridade para essas empresas, pois elas impõem custos e, em alguns casos, proíbem atividades em que querem se envolver.

BRINCANDO COM FOGO

Se a Celsius tivesse sido regulamentada como um banco, por exemplo, teria que cumprir requisitos de capital e estar sujeita a auditorias regulatórias, o que tornaria impossível operar negócios da maneira que fazia.

A Binance, por sua vez, é uma corretora, exchange e câmara de compensação ao mesmo tempo, funções que, nos EUA, normalmente são desempenhadas por instituições diferentes. Para a legislação norte-americana, isso cria um  possível conflito de interesses e uma oportunidade para o uso indevido dos recursos dos investidores (acusação que também pesa sobre a FTX).

Todas as empresas envolvidas contestam as acusações do governo – e é possível que, no final, saiam vitoriosas. Mas está claro que sabiam que estavam, no mínimo, brincando com fogo e correndo o risco de enfrentar problemas legais graves.

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Então, por que foram por esse caminho? De certa forma, elas estavam seguindo o exemplo de startups de tecnologia anteriores que entraram em indústrias altamente regulamentadas, incluindo, mais obviamente, as empresas de economia compartilhada, como Uber e Airbnb.

Em seus primeiros anos, essas empresas desafiaram as regulamentações municipais e estaduais, às vezes de forma escancarada, outras de forma mais discreta. A Uber desafiou abertamente as regulamentações de táxis, definindo-se como uma plataforma que conecta passageiros e motoristas, em vez de uma empresa de transporte.

Como descrito pelo pesquisador Rick Claypool, “frequentemente era lançada em cidades em conflito com as interpretações das autoridades sobre as regulamentações locais, ao mesmo tempo em que insistia na legalidade de seu negócio.” O Airbnb também se dizia uma plataforma, não uma empresa hoteleira, o que lhe permitia contornar as regulamentações municipais.

REGULADORES VÃO CEDER?

Ambas as empresas argumentavam que as regulamentações existentes representavam um modelo antigo e ultrapassado, e que essas regras precisavam ser adaptadas às novas formas de fazer negócios. E apostaram que, se conseguissem se tornar grandes e populares o suficiente, os reguladores não teriam escolha a não ser adaptar as regras para acomodá-las.

Evitar regulamentações parece ser prioridade para essas empresas, pois elas impõem custos e, em alguns casos, proíbem certas atividades.

Isso acabou não sendo uma aposta ruim. Elas acabaram se ajustando à maioria das regulamentações e, conforme cresceram, passaram muito mais tempo negociando com os reguladores do que os ignorando. A Uber e o Airbnb agora são instituições da vida urbana, embora fossem consideradas fora da lei durante seus primeiros dias.

O mesmo pode acontecer com as exchanges de criptomoedas. No entanto, o maior obstáculo que têm diante de si é o fato de que as regulamentações financeiras dos EUA são, em última instância, mais difíceis de contornar e têm consequências muito mais severas do que as regulamentações municipais de táxis, por exemplo.

Portanto, embora essas empresas tenham conseguido operar à margem das regras, sempre houve a possibilidade de que acabassem respondendo na justiça ou fazendo acordos caros com os reguladores.

É claro que podem vencer os processos movidos contra elas. Mas, no final, serão colocadas sob o guarda-chuva regulatório. A única questão é se vão aceitar de bom grado ou se terão de ser obrigadas a isso.


SOBRE O AUTOR

James Surowiecki é jornalista e escritor, autor de "A Sabedoria das Multidões". saiba mais