Algospeak, a nova arma dos usuários contra os algoritmos das redes sociais
Falar em código era coisa de grupos pequenos. Graças às redes sociais, essa prática agora pode influenciar a linguagem de modo mais amplo
Uma guerra linguística está acontecendo online – só que não está claro quem está vencendo.
De um lado estão as redes sociais, como Facebook, Instagram e TikTok, que se tornaram cada vez melhores na identificação e remoção de linguagem e conteúdo que violam seus termos de uso. Do outro estão os usuários, que criaram terminologias codificadas para não serem detectados pelos algoritmos. Essas expressões são coletivamente chamadas de “algospeak”.
Novos termos como esse são mais um capítulo da história do uso de linguagem codificada. Códigos são normalmente usados por pequenos grupos. Mas, devido ao alcance das redes sociais, podem acabar influenciando a linguagem de maneira mais ampla.
O IMPASSE ONLINE
Em razão do grande volume de conteúdo postado, as plataformas de redes sociais usam algoritmos para identificar e remover automaticamente materiais problemáticos. O objetivo é reduzir a disseminação de desinformação e impedir conteúdo considerado ofensivo ou impróprio. No entanto, muita gente tem motivos legítimos para querer discutir temas sensíveis online.
os usuários criam terminologias codificadas para não serem detectados pelos algoritmos. Essas expressões são conhecidas como “algospeak”.
Vítimas de agressão sexual, por exemplo, podem achar terapêutico conversar sobre suas experiências com outros usuários. Pessoas com pensamentos suicidas ou de automutilação podem encontrar comunidades online que oferecem suporte. Mas os algoritmos costumam identificar e remover esse tipo de conteúdo por violação dos termos de uso.
Quando um usuário viola as políticas da plataforma mais de uma vez, suas postagens passam a ser entregues para menos pessoas – um processo chamado “shadow banning”. Violações repetidas podem levar à suspensão temporária ou definitiva da conta. Para não serem pegos pelos algoritmos, os usuários estão usando linguagem codificada para se referir a termos proibidos.
Nos EUA e em outros países de língua inglesa, esta tem sido uma prática cada vez mais comum. Para falar sobre sexo nas redes, por exemplo, de vez em quando usar uma palavra inofensiva – como “mascara” (rímel, em português) ou “unalive” (algo como “não-vivo”) – virou uma maneira comum de se referir à morte ou ao suicídio.
“Contador” é usado como substituto para profissionais do sexo. “Corn” (milho, em português) é uma forma de se referir à pornografia.
HISTÓRIA DA LINGUAGEM CODIFICADA
O uso de termos codificados para camuflar o real significado não é novo. Muitas subculturas desenvolveram seus próprios códigos, que só são entendidos pelos membros do grupo.
as redes sociais usam algoritmos para identificar e remover conteúdo problemático. Mas muita gente tem motivos legítimos para querer discutir temas sensíveis online.
No início do século 20, homens gays no Reino Unido usavam uma linguagem secreta chamada Polari, em uma época em que a homossexualidade era condenada. Eles usavam, por exemplo, o termo “rough trade” (algo como “negócio bruto”) para se referir a um parceiro sexual da classe trabalhadora.
O recurso da rima também já foi bastante usado. Nas ruas de Londres, uma palavra como “telefone”, por exemplo, poderia ser substituída por qualquer outra expressão que rimasse, e então usada em uma forma abreviada. Assim, um membro de uma gangue poderia pedir publicamente a outro que ligasse para ele, mesmo na presença da polícia.
O leetspeak foi uma alternativa ao alfabeto que evoluiu nos 1980 com os pioneiros da internet. Algumas das soluções que eles criaram são usadas até hoje para evitar a moderação em plataformas como o TikTok.
Esse tipo de subterfúgio linguístico envolve o uso de números e símbolos como substitutos de letras. O “3” se assemelha a um “E” maiúsculo invertido, o “1” parece um “L” minúsculo, o “$” pode substituir a letra “S” e assim por diante.
Embora seja mais comumente usado para falar sobre sexo, o leetspeak se mostrou útil em outros contextos. No ano passado, foi usado no Irã por pessoas que protestavam contra a repressão do governo. Elas recorreram a grafias alternativas, como “Ir@n”, para evitar a censura.
LINGUAGEM CODIFICADA E RUÍDO NA COMUNICAÇÃO
Há cerca de uma década, com a popularização dos emojis, surgiu um novo meio de burlar a moderação de conteúdo. Frutas e legumes que se parecem vagamente com partes do corpo humano passaram a ser usados para driblar políticas que proibiam conteúdo sexual.
Cada plataforma tem sua própria regra para definir os termos proibidos. O que é aceitável em uma não é necessariamente na outra.
Como resultado, o emoji de berinjela e de pêssego assumiram significados inteiramente novos no mundo online. Em 2019, tanto o Facebook quanto o Instagram tomaram medidas para bloquear seu uso.
As plataformas de mídia social parecem estar travando uma guerra contra seus usuários. Mas novas expressões sempre surgem para burlar a moderação.
Cada plataforma tem sua própria regra para definir quais termos são proibidos. O que é considerado aceitável em uma não é necessariamente na outra. E tudo está em constante mudança. Acompanhar tudo isso pode ser um desafio.
Em janeiro, a atriz Julia Fox fez um comentário aparentemente insensível sobre uma postagem que mencionava “rímel” no TikTok. Ela não sabia que o termo estava sendo usado como substituto para agressão sexual. Seu comentário foi considerado rude pelos usuários. E a atriz se viu obrigada a pedir desculpas.
Com toda essa disputa linguística, provavelmente veremos mal-entendidos desse tipo se tornarem cada vez mais comuns. E muitos desses novos termos passarão a ser reproduzidos no mundo offline.
Afinal, a linguagem codificada existe até hoje porque é útil. Mas pode ser que acabe sendo usada como estratégia política para transmitir mensagens ocultas a um grupo específico – o chamado “dog whistle”.
Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.