Artistas acusam Adobe de usar seus processos criativos para treinar IAs
Uma configuração nas preferências de privacidade do Photoshop deixou a comunidade artística em alerta
Uma recente onda viral expôs o quanto a comunidade artística está revoltada com a inteligência artificial (IA). Tudo começou quando a autora de quadrinhos francesa Claire Wendling postou em seu Instagram uma captura de tela de um item das configurações de privacidade e dados pessoais da Adobe.
Rapidamente, o post foi republicado no Twitter por outro artista, Jon Lam, onde se espalhou pela comunidade artística, atraindo quase dois milhões de visualizações e milhares de retuítes.
A revolta era com o fato de que o Photoshop e outros produtos da Adobe estão monitorando artistas que usam seus aplicativos para ver como trabalham – em essência, roubando os processos e métodos que os designers gráficos desenvolveram ao longo de décadas para alimentar seus próprios sistemas automatizados.
A preocupação é que o complexo processo artístico possa se tornar automatizado – o que significa que profissões como designer gráfico ou artista podem, em breve, se juntar à longa lista de atividades em risco de serem substituídas por robôs. Mas um porta-voz da Adobe garante que a empresa não está usando contas de clientes para treinar IA.
“Quando se trata de IA generativa, a Adobe não usa nenhum dado armazenado nas contas da Creative Cloud dos clientes para treinar seus recursos experimentais”, disse o porta-voz da empresa em uma declaração à Fast Company. “No momento, estamos revisando nossa política para definir melhor os casos de uso de IA generativa.”
VIOLAÇÃO DE DIREITOS
O medo de que os processos de design sejam monitorados e depois usados para treinar inteligência artificial reflete um desconforto mais amplo em relação à maneira como os artistas são tratados por aplicativos de IA generativa.
A preocupação é que o complexo processo artístico possa se tornar automatizado, levando à extinção de profissões como designer gráfico.
David Holz, fundador do Midjourney, um gerador de imagens de IA, revelou em uma entrevista em setembro para a revista Forbes que sua empresa não pediu permissão aos artistas cujas obras serviram para treinar a IA – o que causou muita indignação na comunidade artística.
Alguns chegaram a criar ferramentas para permitir que seus colegas optem por não ter seu trabalho usado para treinar IA. A União Europeia também questionou a legalidade das ferramentas que coletam grandes quantidades de obras de arte para treinar seus modelos de machine learning.
“Para mim, é surpreendente que um serviço pago suponha que não há problema em violar a privacidade dos usuários em uma escala dessas”, critica Andrey Okonetchnikov, desenvolvedor front-end e designer de interface e experiência do usuário de Viena, na Áustria, que usa produtos Adobe.
“É problemático porque as empresas que oferecem armazenamento em nuvem agem como proprietárias dos dados. Elas violam a propriedade intelectual e a privacidade de milhões de pessoas e essa prática é considerada algo normal. É preciso acabar com isso imediatamente."
No entanto, nem todos estão tão preocupados. Tal como acontece com muitos movimentos nas redes sociais, alguns pensam que essa preocupação legítima é apenas exagero ou que foi mal interpretada. Parte dessa confusão decorre de controvérsias anteriores com a Adobe, quando planejavam permitir imagens geradas por IA em sua biblioteca, algo que alguns consideravam diretamente prejudicial aos artistas.
o Photoshop e outros produtos da Adobe estão monitorando artistas que usam seus aplicativos para ver como trabalham.
Houve também uma disputa com a Pantone que resultou na perda de acesso de alguns usuários a cores que a empresa havia utilizado em projetos de design anteriores usando o software Adobe. “As pessoas viram aquela pequena caixa de seleção de compartilhamento de dados para machine learning e a confundiram com toda a controvérsia atual envolvendo a geração de imagens de IA”, justifica Daniel Landerman, diretor criativo e ilustrador.
Aos olhos de Landerman, o recurso está presente nos aplicativos da Adobe há anos e só se aplica a arquivos armazenados em nuvem, o que ele ressalta que “profissionais não deveriam usar, para início de conversa”.
Landerman há muito tempo desmarca todas as opções que compartilham dados com desenvolvedores, já que seus clientes frequentemente exigem que ele assine acordos de confidencialidade para integrar projetos.
PRESUNÇÃO DE CONSENTIMENTO
Além dos artistas, especialistas em proteção de dados também se dizem preocupados com a maneira como a Adobe
alguns pensam que essa preocupação legítima é apenas exagero ou que foi mal interpretada.
lida com o tema. “De acordo com a lei europeia de privacidade eletrônica, a empresa precisa de consentimento para acessar dados de dispositivos individuais para fins não necessários para o serviço solicitado pelo usuário”, explica Michael Veale, professor da University College London especializado em direito digital.
“Compartilhar dados desta forma não é apenas desnecessário”, complementa. “Está muito além das expectativas dos usuários, muitos dos quais podem ter assinado acordos de confidencialidade garantindo que o conteúdo não vaze.”
Veale acredita que a forma como a “presunção de consentimento” é praticada pode estar sujeita a investigações sob a lei europeia de privacidade eletrônica, resultando em sanções semelhantes à multa de US$ 8,5 milhões aplicada à Apple recentemente.
“Damos aos clientes controle total de suas preferências e configurações de privacidade”, diz um porta-voz da Adobe. “A política em discussão não é nova e está em vigor há uma década para nos ajudar a aprimorar nossos produtos para os clientes.”
O porta-voz sugere que qualquer cliente que prefira que seu conteúdo seja excluído da análise acesse as opções na página de privacidade.