Big techs se dobraram ao governo Trump, mas continuam na corda bamba

Líderes do Vale do Silício agora enfrentam ataques vindos justamente do governo que ajudaram a fortalecer

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Issie Lapowsky 4 minutos de leitura

A imagem mais marcante da posse de Donald Trump na presidência dos EUA, em janeiro, não foi o juramento sem a mão sobre a Bíblia. Nem o olhar reprovador da primeira-dama, escondido sob a aba de seu chapéu.

Foi, na verdade, a cena dos homens mais ricos e influentes do mundo – a chamada “broligarquia” – alinhados literal e simbolicamente atrás de Trump. Um momento cuidadosamente coreografado para demonstrar força, mas que também podia ser lido como um grupo de bilionários visivelmente desconfortáveis.

Todos eles já haviam enfrentado Trump durante seu primeiro mandato. Mark Zuckerberg o considerou perigoso demais para o Facebook. Tim Cook classificou como “desumana” a separação de famílias imigrantes e condenou o presidente após os atos de manifestantes supremacistas brancos em Charlottesville, em agosto de 2017. 

Jeff Bezos o processou, acusando-o de vingança pessoal por conta de um contrato bilionário perdido pela Amazon. O CEO do Google, Sundar Pichai se manifestou contra o veto migratório a países muçulmanos, com Sergey Brin ao seu lado. Até Elon Musk bateu de frente com Trump após a saída dos EUA do Acordo de Paris.

Agora, todos estavam lado a lado na cerimônia de posse, em um gesto que pareceu, para muitos, mais autopreservação do que convicção – especialmente no início de um segundo mandato pautado por retaliações e trocas de favores.

Passados 100 dias, o que receberam em troca dessa submissão? Tarifas, processos e ações despencando.

A partir da esquerda: Mark Zuckerberg (Meta), Lauren Sanchez (jornalista e apresentadora), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Elon Musk (Tesla/ SpaceX/ Starlink) Crédito: Getty Images

Eles imploraram, negociaram, doaram milhões, abandonaram seus princípios. E, embora as consequências pudessem ter sido piores – Trump chegou a sugerir prisão perpétua para Zuckerberg –, o presidente ainda não perdoou, nem esqueceu.

Veja o caso da Meta. Para agradar Trump, Zuckerberg afrouxou as regras contra discurso de ódio nas suas plataformas, permitindo ataques a imigrantes e pessoas trans, e pagou US$ 25 milhões para encerrar uma ação judicial movida pelo presidente após ser banido do Facebook.

Mas nada disso impediu que a Comissão Federal de Comércio reabrisse um processo para obrigar a Meta a se desfazer do Instagram e do WhatsApp. O Google passa por uma situação semelhante: o Departamento de Justiça quer forçar a empresa a vender o navegador Chrome em mais um caso antitruste.

Nem mesmo toda a lealdade demonstrada pelas big techs foi suficiente para protegê-las das novas tarifas comerciais do chamado “Dia da Libertação”, que derrubaram os mercados globais.

Neste cenário, fica difícil entender o que os “broligarcas” têm a ganhar.

As ações da Meta despencaram com o temor de queda nas receitas de publicidade. A Amazon foi atingida em cheio por tarifas de até 145% sobre produtos vindos da China, desestabilizando sua cadeia de suprimentos.

O Google viu seus planos de expansão de data centers ameaçados por um aumento drástico nos custos de construção. Até a Apple, que conseguiu uma isenção, sabe que também está na mira.

As chamadas “tarifas recíprocas” ainda não foram totalmente implementadas, mas essas big techs continuam lutando para se adaptar ao cenário atual de incerteza constante.

Além disso, a infraestrutura que transformou os EUA em uma potência tecnológica está sendo desmontada. Cortes no financiamento de pesquisas estão levando cientistas a migrar para o exterior.

Elon Musk cumprimenta Donald Trump durante a campanha eleitoral (Crédito: Reprodução/ YouTube)

Trump chegou a dizer, em discurso no Congresso, que pretende “acabar com a Lei dos Chips” – uma das poucas políticas bipartidárias em vigor, criada para incentivar a produção de semicondutores no país.

Neste cenário, fica difícil entender o que os “broligarcas” têm a ganhar com tudo isso, especialmente Elon Musk. O custo de se associar a Trump – e de se tornar o rosto da máquina de cortes do governo – foi alto. Sua popularidade caiu junto com os lucros da Tesla, que tem sido alvo de protestos crescentes.

Mas, ao contrário dos demais líderes de big techs, Musk parece ser um verdadeiro entusiasta da causa. Ele gastou quase US$ 300 milhões para ajudar a eleger o atual presidente e outros republicanos no ano passado.

Reuniu investidores e engenheiros para atuar no recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), usou ferramentas de IA para vasculhar bancos de dados do governo e ajudou a desmontar o aparato regulatório que sempre criticou.

Cem dias depois, Musk talvez seja o único daquele palanque que realmente conseguiu o que queria.


SOBRE A AUTORA

Issie Lapowsky é jornalista especializada em tecnologia e política. saiba mais