Cães robôs podem se tornar realidade na segurança das cidades

Uma nova leva de “cães” de vigilância gera controvérsias

Crédito: rawpixel.com/ Fabian Gieske/ Unsplash

S.A. Applin 5 minutos de leitura

Os cães robôs estão ficando cada dia mais inteligentes.

Em suas primeiras demonstrações, eles estrearam como “mulas de carga” e apareceram carregando equipamentos de soldados durante caminhadas na floresta. À medida que começaram a ser comercializados, algumas atualizações trouxeram novos sensores, câmeras coloridas, maior mobilidade e recursos de aprimoramento de vigilância.

Esses recursos adicionais despertaram ainda mais o interesse das agências federais e de polícias locais, que vêm elaborando estratégias sobre como esses dispositivos podem ser usados ​​em contextos mais locais.

Os testes com cães robôs policiais já falharam no passado devido aos protestos dos cidadãos. Por enquanto, o foco mudou para o uso fora das cidades, já que o governo federal planeja utilizá-los na fronteira, por meio do Departamento de Segurança Interna.

Mas isso não significa que esses robôs não vão voltar. O Departamento de Segurança Interna cuida de fronteiras, que incluem os portos nas principais cidades, bem como áreas de “imigração” (que podem estar em qualquer lugar). Assim, pode ser que os cães robôs da agência comecem a vagar pelas ruas de nossas cidades mais cedo do que esperávamos. 

Trata-se de robôs de metal, de quatro patas e com articulações que permitem que se movam tanto em terrenos lisos quanto irregulares. Eles podem cobrir o solo, escalar, transportar cargas e, agora, com sensores e câmeras adicionais, são capazes de coletar dados sobre as áreas (e pessoas) ao seu redor.

Crédito: Mark Ralston/ AFP via GettyImages

Cães robôs coletam informações e possuem bancos de dados que podem ser acessados, replicados, compartilhados, minerados e utilizados. Os robôs Spot, da Boston Dynamics, escalam e andam enquanto tiram fotos e usam seus muitos sensores para coletar dados para os clientes da empresa.

Já o Ghost, da Ghost Robotics, é vendido para uso e objetivos militares. nos vídeos de demonstração ele aparece escalando terrenos íngremes e escadas e manobrando para se locomover sobre gelo, tijolos, poças e leitos de rios.

A descrição que a Ghost Robotics faz dos seus objetivos abrange praticamente qualquer aplicação imaginável, e sua descrição da aplicação de “autonomia e IA” à vigilância (e a seu banco de dados) é extremamente alarmante.

DISTÂNCIA SEGURA?

Como existem leis nos Estados Unidos que incentivam a produção de pilotos com essa tecnologia, os testes experimentais mais impopulares acabam empurrando os cães robôs das cidades grandes para os limites da sociedade, que é onde a aplicação das leis federais se faz mais presente.

com sensores e câmeras adicionais, os cães robôs são capazes de coletar dados sobre as áreas (e pessoas) ao seu redor.

Em 2019, a polícia estadual de Massachusetts se tornou a primeira a usar o Spot para um teste curto como um “dispositivo móvel de observação remota”, o que levantou preocupações entre os cidadãos, na União Americana das Liberdades Civis e entre especialistas em leis de robôs.

Dois anos depois, o programa piloto do departamento de polícia de Nova York colocou Digidogs na ativa para ajudar os policiais nas chamadas áreas perigosas. Os cidadãos não gostaram da ideia dos cães robóticos de vigilância vagando pelas ruas, e o departamento de polícia precisou cancelar os contratos dos Digidogs.

As polícias locais podem ter interrompido temporariamente os cães robôs nas cidades, mas a polícia federal os está testando como modo de vigilância de fronteiras. Um ano após o piloto fracassado de Nova York, um novo cão robô da Ghost Robotics está sendo treinado para implantação na fronteira EUA-México.

CUIDADO, CÃO FEROZ

O uso local de cães robôs de vigilância – uma má escolha para a sociabilidade e funcionalidade geral das comunidades –, está sendo promovido como uma escolha positiva para os policiais que sentem que suas vidas estão constantemente em risco.

Cada vez mais, os departamentos de polícia parecem estar buscando uma maneira de fazer cumprir as leis sem ter que lidar ou se conectar com as pessoas, baseando-se em uma tendência que mostra que eles confiam cada vez mais em dados e em armas de fogo, em detrimento do engajamento com a comunidade e dos seres humanos. 

Os cidadãos de Nova York não gostaram da ideia dos cães robóticos de vigilância vagando pelas ruas da cidade.

Um dos problemas recorrentes na sociedade hoje é a falta de uma comunicação clara e boa entre os agentes da lei e os indivíduos nas comunidades. A mediação de interações e ações via robô remove justamente a ação humana, reduzindo a conversa a uma fração da verdadeira largura de banda necessária para que possamos nos entender.

As pessoas não terão como responder a um cachorro robô atuando como agente da lei, e vão perder qualquer agência. A programação pode dar errado, ou a pessoa no controle do robô pode se distrair. Pode haver muitas outras circunstâncias imprevistas que exigem flexibilidade e criatividade humanas, mas que o uso de um robô ignoraria, com consequências potencialmente terríveis.

Além disso, os dados de vigilância, coletados de forma autônoma, não incluem o contexto e a compreensão das pessoas cujos dados são coletados. Se forem colocados em um banco de dados, acessado por outras pessoas sem serem devidamente compreendidos, eles criarão uma plataforma para rumores e erros, para vigilância unilateral e pouca responsabilidade para proteger os mais vulneráveis ​​e, eventualmente, o resto de nós.

O público já expressou muitas preocupações sobre cães robôs policiais vagando pelas cidades, mas agora que esses cães também são plataformas de vigilância, os dados que estão coletando e o armazenamento e usos de longo prazo desses dados também deveriam ser motivos de preocupação.


SOBRE A AUTORA

S.A. Applin é doutora em antropologia e pesquisa algoritmos, IA e automação no contexto de sistemas sociais e sociabilidade. saiba mais