Nesta era de governo Trump, a Apple precisa de Tim Cook mais do que nunca
A relação do CEO com o presidente dos EUA está ajudando a Apple a passar por este período caótico sem correr muitos riscos. A sucessão pode esperar

Em dezembro de 2023, escrevi um artigo sobre quem poderia ser o sucessor de Tim Cook no comando da Apple. Afinal, uma hora ou outra ele deixará a liderança da fabricante do iPhone. Na época, Cook havia feito um raro comentário público, revelando que a empresa já tinha “planos muito bem definidos” para sua saída.
Tentando acalmar os investidores, ele garantiu que pretendia continuar no cargo “por um bom tempo”. Mas, de lá para cá, muita coisa mudou – principalmente nas últimas três semanas, depois que Donald Trump anunciou suas tarifas do chamado “Dia da Libertação”, causando um verdadeiro caos nas cadeias de suprimento e no mercado de ações de tecnologia.
Diante de tudo isso, estou convencido de que Cook deveria adiar qualquer plano de aposentadoria e seguir como CEO, pelo menos até o fim de um possível terceiro mandato de Trump. Com a instabilidade econômica provocada pelas novas tarifas, a Apple vai precisar mais do que nunca da sua liderança nos próximos quatro anos.
Quando uma crise exige que toda a cadeia de suprimentos seja repensada, é essencial ter à frente da empresa alguém com um profundo conhecimento de logística e de operações. E ninguém entende mais disso do que Tim Cook – uma habilidade que, aliás, já salvou a Apple durante momentos difíceis no passado.
Em 1998, Steve Jobs contratou Cook como vice-presidente sênior de operações globais. Em pouco tempo, ele reformulou toda a estrutura operacional da Apple – desde a fabricação até a distribuição e alocação de recursos. Essa mudança permitiu à empresa escalar suas grandes inovações, como o iMac, o iPod e, mais tarde, o iPhone.
Curiosamente, essa mesma expertise que hoje é tão valorizada foi vista como um problema em 2011, quando Cook foi anunciado como sucessor de Jobs. Na época, muitos diziam que ele era apenas “um cara de operações”, quando a Apple precisava de um “visionário de produtos” como Jobs.
Mas a verdade é que, embora Jobs tenha sido um gênio criativo e uma figura icônica da tecnologia, foi Cook quem transformou a Apple em uma potência ainda maior. Quando Jobs morreu, em 2011, a empresa valia pouco mais de US$ 300 bilhões. Em 2023, sob o comando de Cook, esse valor ultrapassou os US$ 3,7 trilhões.
UM EXECUTIVO COM JOGO DE CINTURA
Não é só pelo mérito de ter reformulado as operações globais que a Apple precisa de Cook agora. Ele também provou ser extremamente habilidoso na hora de lidar com Donald Trump.
No fim de 2024, Cook foi criticado por participar de uma reunião com Trump em Mar-a-Lago, junto com outros CEOs do setor de tecnologia. As pressões aumentaram em janeiro, quando ele doou US$ 1 milhão ao comitê de posse do presidente recém-eleito.
Muitos consideraram essas atitudes contraditórias, especialmente vindo do CEO de uma empresa que, em teoria, pregava valores progressistas. Mas, se analisarmos suas declarações anteriores, após a eleição de Trump em 2016, fica claro que Cook sempre defendeu o diálogo com governos de todos os espectros políticos.

Essa estratégia rendeu frutos. Durante o primeiro mandato de Trump, ele conseguiu isenções tarifárias para componentes chineses essenciais nos produtos da Apple – o que pode ter gerado uma economia de bilhões para a empresa.
A atenção que Cook dedica a Trump é provavelmente uma das razões pelas quais o presidente atendeu a uma ligação do executivo em outubro de 2024. Ele ligava para expressar preocupações sobre as recentes sanções financeiras impostas pela União Europeia à Apple, no valor de cerca de US$ 14 bilhões.
A BBC noticiou que Trump disse a Cook que não permitiria que a União Europeia “se aproveitasse das nossas empresas” (mas observou que, para cumprir essa promessa favorável à Apple, ele precisaria primeiro ser reeleito).
BOAS RELAÇÕES PARA MITIGAR RISCOS
Mais recentemente, em abril deste ano, surgiu mais uma prova de sua influência política: o governo Trump anunciou a isenção de tarifas para determinados produtos eletrônicos importados da China, incluindo iPhones e computadores da Apple. Sem essa medida, a empresa enfrentaria um aumento de até 145% nos custos por item importado.
“Tim tem uma relação muito boa com o presidente, e com razão”, disse Wilbur Ross, secretário de Comércio de Trump durante seu primeiro mandato, ao jornal "The Washington Post".
Quando Steve Jobs morreu, em 2011, a Apple valia US$ 300 bilhões. Em 2023, o valor chegou a US$ 3,7 trilhões.
Tudo isso mostra que Tim Cook tem uma relação melhor com o presidente do que a maioria dos outros CEOs de empresas de tecnologia que não têm envolvimento político com sua administração.
Isso é uma vantagem extremamente poderosa para a Apple. Trump é imprevisível, e imprevisibilidade é algo muito ruim para as empresas. No entanto, a relação de Cook com o presidente parece ajudar consideravelmente a Apple a mitigar os riscos associados a essa imprevisibilidade. E isso é algo que a companhia não pode se dar ao luxo de perder neste momento.
É difícil imaginar que um novo CEO conseguiria recriar a relação que Cook construiu com Trump ao longo de quase uma década. Nesse período, ele deixou de ser apenas o “cara das operações” e se tornou alguém capaz de influenciar as decisões do presidente – talvez a habilidade mais valiosa que um executivo pode ter hoje em dia.