Como a Austrália vai aplicar a lei que veta redes sociais para menores?
A proibição entrará em vigor apenas em 2025, mas já surgem dúvidas sobre como será feita a fiscalização e quais serão os possíveis efeitos colaterais
Uma nova lei da Austrália, aprovada pelo Parlamento em 28 de novembro, é um verdadeiro experimento social. Uma decisão ousada que, segundo especialistas, poderia alcançar o objetivo que pais, escolas e outros governos almejaram, com graus variados de sucesso: manter crianças e adolescentes fora das redes sociais até completarem 16 anos.
Essa tentativa de nadar contra as várias correntes da vida moderna – como a tecnologia, o marketing, a globalização e, claro, a teimosia de um adolescente – não é simples.
Assim como as tentativas passadas de proteger os jovens de tudo o que os pais acreditam que eles ainda não estão prontos para enfrentar, a medida é ambiciosa, mas complexa, especialmente em um mundo onde os jovens são frequentemente definidos e avaliados pelas redes sociais com as quais se conectam.
A proibição não entrará em vigor até o ano que vem, mas como a Austrália vai conseguir fiscalizá-la? Isso ainda não está claro – e não será fácil. TikTok, Snapchat e Instagram já fazem parte da rotina de tantos jovens que um corte brusco será difícil.
Outras questões também surgem. Será que a proibição vai limitar a liberdade de expressão dos jovens, especialmente para os grupos mais vulneráveis, isolando-os e restringindo suas chances de se conectar com a comunidade?
Como as redes sociais vão verificar a idade dos usuários? Não é de se esperar que os adolescentes simplesmente encontrem maneiras de driblar essas barreiras, como costumam fazer?
Estamos no século 21, uma era onde as redes sociais são a principal ferramenta de comunicação para a maioria das pessoas nascidas nos últimos 25 anos – que, em um mundo fragmentado, buscam nelas tendências, músicas, memes. O que acontece quando essas redes são retiradas de repente?
Será que a iniciativa da Austrália é um avanço positivo, que vai proteger os vulneráveis, ou pode acabar se tornando um experimento bem-intencionado, mas com consequências imprevistas?
PLATAFORMAS SERÃO RESPONSABILIZADAS
Líderes e pais de diversos países estão observando a política australiana de perto, pois muitos tentam proteger as crianças dos perigos da internet e umas das outras. Cada país tem seguido um caminho diferente, que vai desde a exigência de consentimento dos pais até limites de idade mínima.
Muitos especialistas em segurança infantil, pais e até adolescentes que esperaram mais tempo para usar as redes sociais consideram a medida um passo positivo. Eles argumentam que há bons motivos para garantir que as crianças esperem mais para entrar no mundo digital.
"O mais importante para as crianças e adolescentes, assim como para os adultos, é a conexão humana real. Menos tempo sozinhos na tela significa mais tempo para se conectar, não menos", afirma Julie Scelfo, fundadora do grupo MAMA (Mothers Against Media Addiction), que reúne pais para combater os danos das redes sociais às crianças.
Os danos causados pelas redes sociais aos jovens foram amplamente documentados nos últimos 20 anos, desde o lançamento do Facebook, que inaugurou uma nova era na comunicação global.
Crianças que passam mais tempo nas redes sociais são mais propensas a sofrer de depressão e ansiedade, de acordo com diversos estudos – embora ainda não seja claro se há uma relação causal.
Muitos têm acesso a conteúdos inadequados para a idade, como pornografia e violência, além de experimentarem pressões sociais relativas a imagem corporal e estética. Também sofrem bullying, assédio sexual e flertes indesejados, tanto de colegas quanto de estranhos adultos.
Como os cérebros dos adolescentes ainda não estão totalmente desenvolvidos, principalmente entre os mais jovens (que são o foco da lei), eles também são mais suscetíveis às comparações sociais do que os adultos. Ou seja, até posts felizes de amigos podem levá-los a uma onda de pensamentos negativos.
QUAIS DANOS IMPREVISÍVEIS PODEM SURGIR?
Muitas grandes iniciativas, especialmente as que buscam modificar comportamentos sociais, podem gerar efeitos colaterais e imprevistos. Isso pode acontecer nesse caso também? O que as crianças vão acabar perdendo ao serem separadas das redes nas quais estão inseridas?
Paul Taske, diretor associado de litígios no grupo de lobby tecnológico NetChoice, considera a proibição "uma das violações mais extremas à liberdade de expressão no palco mundial hoje". "Essas restrições criariam uma grande mudança cultural", afirmou.
Menos tempo sozinhos na tela significa mais tempo para se conectar, não menos.
"Não só o governo australiano está impedindo que os jovens se envolvam com questões pelas quais são apaixonados, como está fazendo isso mesmo que seus pais concordem com o uso de serviços digitais", argumentou.
Defensores da privacidade também levantaram preocupações sobre o impacto da lei na questão do anonimato em plataformas digitais, algo fundamental para a comunicação na internet e que pode proteger os adolescentes nas redes sociais.
Em maio, o cirurgião geral dos EUA (principal porta-voz para questões de saúde pública no governo federal), Vivek Murthy, afirmou que ainda não há evidências suficientes para garantir que as redes sociais sejam seguras para as crianças.
Por isso, ele pediu aos legisladores que abordem os danos das redes sociais da mesma forma que regulam itens como cadeirinha de bebê, fórmula infantil, medicamentos e outros produtos usados por crianças.
Com a colaboração de Laurie Kellman, repórter da Associated Press