Como a Intel dominou o setor de tecnologia por décadas – até a chegada da IA
Nos anos 1990, a fabricante não só produzia a maioria dos processadores do mundo: ela também definia o que era um PC – e até como ele deveria ser vendido

Em 22 de agosto, o presidente Donald Trump anunciou em sua rede social, o Truth Social, que o governo dos EUA havia adquirido 10% da Intel. Em comunicado, a fabricante de chips chamou o acordo de “histórico”. E de fato foi. Mas também teve um gosto amargo.
Na versão de Trump, ele teria colocado de joelhos uma das mais importantes empresas de tecnologia. Quinze dias antes, havia acusado o CEO da Intel, Lip-Bu Tan, de ter ligações com a China, exigindo sua renúncia imediata, em razão de interesses “altamente conflitantes”. Pouco depois, em 11 de agosto, Tan foi à Casa Branca. No dia 22, o acordo estava fechado.
A participação do governo não envolve novos recursos. Trata-se, na prática, de um acerto retroativo pelos US$ 8,9 bilhões já aprovados – mas ainda não pagos – à empresa pela lei CHIPS and Science Act, sancionada por Joe Biden há três anos como parte de um pacote de US$ 280 bilhões para tentar reverter a migração da produção de semicondutores para a Ásia.
A ERA DO DOMÍNIO DA INTEL
Para quem acompanhou a era de ouro dos PCs nos anos 1990, ver a Intel encurralada dessa forma é surpreendente. Afinal, ela não só dominou o mercado a ponto de, mesmo após anos de déficit, ainda manter cerca de 75% de participação: mais do que qualquer outra empresa, a Intel ditava o ritmo da indústria.
Em muitos aspectos, todo o setor funcionava como uma extensão dela – algo que, à época, não parecia tão evidente, mas que hoje fica claro. Por exemplo: foram os engenheiros da empresa que criaram o USB, talvez a tecnologia mais importante para PCs nos anos 1990.
Apesar de não ter inventado o wi-fi, a decisão de integrá-lo ao processador Centrino, em 2003, fez dele um item obrigatório em qualquer notebook. Quando o MacBook Air virou sensação e os portáteis com Windows pareciam pesados, foi a Intel que lançou o conceito de Ultrabook. E as fabricantes adotaram.
Ela também produzia placas-mãe usadas por diversas marcas, definindo não só os recursos, mas até o formato dos computadores. Montar um PC, para muitas marcas, era basicamente adicionar peças à plataforma da Intel e colocar tudo em um gabinete.
O domínio da Intel não era apenas tecnológico. Lançada em 1991, a campanha “Intel Inside” ensinou milhões de consumidores a valorizar o chip dentro do computador.

A empresa não se limitou a comprar anúncios por conta própria. Ela também criou um fundo cooperativo que cobria até metade do custo de anúncios feitos por empresas de PCs. Mais de 500 delas participaram do programa, incluindo marcas como Dell, HP, IBM, Sony e Toshiba.
Os valores recebidos pelos fabricantes estavam atrelados à quantidade de processadores Intel que compravam. Naturalmente, os anúncios subsidiados pelo fundo eram obrigados a destacar a mensagem “Intel Inside”.
Eles também não podiam mencionar modelos com chips de outras empresas – uma exigência que colocava a rival AMD em enorme desvantagem, independentemente da qualidade de seus produtos.
A VIRADA DA NVIDIA
Com o passar dos anos, no entanto, a Intel começou a parecer acomodada em seu posto. O mundo mudou – e ela não acompanhou. O resultado foi desastroso. Preferiu integrar gráficos às CPUs em vez de apostar em processadores dedicados, nicho ocupado por empresas menores, como a Nvidia.
Anos depois, a Nvidia mostraria ao mundo que esses chips gráficos eram ideais para rodar algoritmos de inteligência artificial. Hoje, ela é a empresa mais valiosa do mundo, com valor de mercado quatro vezes maior que o da Intel.
Outro erro foi subestimar os celulares. A Intel chegou a negociar com a Apple para fornecer o processador do primeiro iPhone, mas concluiu que não valeria a pena. O smartphone acabou se tornando um mercado maior que o de PCs – sem o selo Intel Inside.

Durante muito tempo, a empresa foi sinônimo da Lei de Moore, a observação de seu cofundador Gordon Moore de que o número de transistores em um chip dobrava a cada dois anos. Mas, conforme a inovação avançava para além do PC, até essa liderança foi abalada. Quando o ex-diretor de tecnologia Pat Gelsinger retornou como CEO em 2021, a Intel já estava em crise.
A estratégia de Gelsinger era ousada: recuperar a liderança na fabricação e se tornar uma foundry, produzindo chips para terceiros. Mas o conselho o afastou antes de completar quatro anos no cargo, sem tempo para executar o plano. Isso levou à nomeação de Lip-Bu Tan – e, cinco meses depois, ao acordo com Trump.
Ainda não está claro o que Tan pretende fazer, e a interferência de Trump pode mais limitar do que ampliar suas opções. Oficialmente, o governo não tem assento no conselho nem participação ativa na gestão.
Mesmo assim, o executivo afirma que o acordo foi estruturado de forma a impedir a divisão da unidade de foundry. Enquanto isso, o presidente diz esperar por “muitos outros” acordos que garantam à sua administração participação acionária em empresas que “precisem de algo” dele. Trump já deve estar ansioso para assumir o crédito por uma eventual recuperação da Intel.