Como a tecnologia torna o dia a dia mais fácil e a vida, mais difícil
Mesmo com mais ferramentas de tecnologia avançada do que nunca, não estamos trabalhando menos. Onde está o ganho de eficiência?

Como CEO de uma empresa de tecnologia, estou longe de ser contra a inovação. Acredito no seu poder de tornar as coisas melhores, mais rápidas e eficientes. Mas, depois de uma viagem a Ruanda, voltei refletindo sobre o que a tecnologia realmente nos oferece e o que ela nos tira.
Durante uma trilha para ver gorilas nas montanhas próximas ao Parque Nacional dos Vulcões, fiquei na selva cercada por criaturas que compartilham 98% do nosso DNA. Sem celular, sem sinal, sem tecnologia. Apenas presença. Aquilo me fez pensar: quando investimos tanta energia na próxima inovação, o que estamos realmente buscando? Ela está, de fato, nos ajudando?
O contraste ficou ainda mais claro na volta. No aeroporto, não precisei mostrar o passaporte: bastou escanear meu rosto para ser liberado. Rápido, moderno, “high-tech”. Mas agora meus dados biométricos estão armazenados em algum sistema no qual nunca consenti, sem saber onde nem por quanto tempo.
No fim, não foi mais ágil do que o carimbo que recebi em Ruanda. Fiquei na fila, alguém ainda precisou me aprovar. Foi apenas a ilusão da eficiência – mais polido, mas não mais rápido.
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A inteligência artificial é o exemplo mais evidente desse momento. De repente, todo produto é “movido por IA”. Mas muitos não passam de chatbots turbinados. Lembram o Clippy, o clipe animado do Microsoft Word em 2004. Naquela época, não fingíamos que aquilo era inovação. Hoje, chamamos de IA o que muitas vezes é apenas automação ligeiramente melhorada.
No ambiente de trabalho, isso se traduz em escolhas mais sutis, mas com impacto real. Minha equipe de vendas, por exemplo, pede softwares que anotam automaticamente reuniões e jogam tudo no HubSpot. Parece prático. Mas será que os torna melhores profissionais?
Eu me lembro das coisas porque as escrevo. Ao registrar, processo e revisito a informação. Quando a IA faz isso por mim, perco retenção. Ganha-se tempo, mas perde-se compreensão. Isso é progresso?

Pesquisas sugerem que não. Um estudo misto mostrou correlação negativa entre uso intenso de ferramentas de IA e habilidades de pensamento crítico, mediada pela chamada “terceirização cognitiva”. Quanto mais delegamos à tecnologia, mais arriscamos enfraquecer nossas próprias capacidades.
E há outro lado da moeda: mesmo com mais ferramentas do que nunca, não estamos trabalhando menos. Estamos trabalhando mais. Onde está o ganho de eficiência? Se as ferramentas realmente nos tornassem mais produtivos, isso deveria aparecer em tempo poupado ou em menos estresse.
COMO AVALIAR A TECNOLOGIA QUE USAMOS
O problema não está na tecnologia em si, mas na forma como a adotamos sem fazer as perguntas certas. Supomos que ela trará benefícios porque assim nos é vendida. Mas nem toda eficiência tem valor real. Hoje, antes de adotar uma novidade, passo a me perguntar:
- Isso simplifica algo que está complexo demais?
- Vai ajudar minha equipe a pensar melhor, ou apenas a ser mais rápida?
- Estamos ganhando clareza ou apenas evitando atrito?
Automatizar tarefas repetitivas pode ser útil, mas não deve custar compreensão, conexão ou confiança.
Uma das melhores decisões que tomei no ano passado foi eliminar integrações redundantes. Isso não apenas economizou orçamento, mas reduziu a carga cognitiva: menos abas abertas, menos confusão sobre onde cada tarefa estava.
Às vezes, a melhor tecnologia é a que gera menos ruído, não mais.
A TECNOLOGIA DEVE NOS SERVIR, NÃO NOS SUBSTITUIR
Depois da experiência em Ruanda, penso mais no que sacrificamos quando seguimos cegamente a tecnologia pela tecnologia. Presença. Memória. Confiança. Conexão. Esses não são luxos, mas fundamentos para um bom trabalho, uma boa liderança e uma vida com significado.
As comunidades que encontrei lá tinham pouco em termos materiais – em algumas vilas, a eletricidade havia chegado só recentemente. Mas havia alegria, comunidade, clareza. Ninguém estava obcecado com a próxima atualização. Enquanto isso, nós, afogados em opções, continuamos em busca de algo melhor.
Quanto mais delegamos à tecnologia, mais arriscamos enfraquecer nossas próprias capacidades.
Não defendo que abandonemos a tecnologia. Eu mesmo lidero uma empresa no setor e acredito no que construímos. Mas também acredito que precisamos ser mais intencionais.
Não basta perguntar “o que podemos criar?”, mas “o que realmente precisamos?”. Não apenas “o que é novo?”, mas “o que é verdadeiramente útil?”.
Se não fizermos essas perguntas, continuaremos construindo ferramentas cada vez mais rápidas que não nos levam a lugar nenhum. Não acredito que esse seja o futuro que queremos.